Foto: Vitaly Vlasov/Pexels/Creative Commons
Chefe de Reportagem de um jornal local, recebo a visita de um homem, com cara de envergonhado e preocupado, que me diz:
-- Moço, quero colocar uma nota no jornal
-- Pois não, de que se trata?
-- Minha mulher tem uns tempos que entrou pra uma igreja. Aí deu a televisão pra igreja, depois deu a geladeira e o fogão, e agora o pastor levou ela
Anotei os dados e guardei numa gaveta para depois decidir, se fosse o caso, fazer uma pauta ouvindo os envolvidos. Dia muito atribulado, o papel continuou lá.
Dois dias depois, ói o cara de novo na Redação.
-- O senhor deu aquela nota no jornal?
-- Ainda não, por que?
-- Não precisa mais não, a mulher já voltou pra casa
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Em outra ocasião, o jornal vinha recebendo telefonemas ameaçadores de que iriam colocar uma bomba por lá. A segurança foi alertada e a direção avisou a todos os chefes de departamento para que ficassem atentos. Um dia, recebo um cara que veio dar uma queixa sobre problemas do seu bairro. Fiz as anotações, prometi mandar a Reportagem lá, e ele saiu. Uns 20 minutos depois vejo que ele deixou na mesinha ao lado uma velha pasta preta tipo 007. Liguei para a portaria, ele já tinha saído. Foi ai, vixe!, que me lembrei das ameaças de bomba e avisei logo ao chefe da segurança.
Depois de convocar todos os seguranças para o estacionamento, onde fizeram uma roda, o chefe colocou ao centro a perigosa pasta, trazida cuidadosamente na ponta de uma vassoura. Num clima de muita tensão, numa verdadeira operação de guerra, só faltou o toque da corneta, o chefe da segurança marchou corajosamente até a pasta e apertou o fecho revelando o temido conteúdo: um boné velho, uma camisa do Flamengo rasgada e alguns papéis. Meia hora depois reaparece o quase terrorista à procura da pasta que tinha esquecido.
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Conta-se que, na década de 70, o repórter de um jornal local estava na Secretaria de Segurança Pública, na Praça da Piedade, em Salvador, quando ocorreu um crime no interior do prédio. O repórter vê aquele corre-corre e liga pro chefe de Reportagem:
-- Tô aqui na Secretaria de Segurança. Um investigador acabou de matar um delegado. Ninguém entra e ninguém sai. O que é que eu faço?
-- Faça a matéria, porra!
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Troca de fotos (ou de legendas) era pura infelicidade. Uma vez, no jornal havia uma matéria sobre uma homenagem póstuma a um grande empreendedor baiano. Na mesma edição, uma matéria sobre lavagem de cavalos na Lagoa do Abaeté.
Na foto do empreendedor saiu a legenda: “Cavalos como este continuam a ser lavados em Abaeté”. Na foto do cavalo sendo escovado saiu o nome do grande empreendedor.
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Vexame também foi, em plena ditadura militar, sair numa coluna social o registro da presença de um “almirante de esquerda” durante um evento. O homem era almirante de esquadra e os militares poderiam pensar que seria mais uma infiltração comunista para derrubar o regime.
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As mortes tinham diferentes formas de registro em alguns jornais. Segundo um velho repórter policial, se morresse um peão num acidente, no interior do Estado, a matéria dizia que “o corpo foi transportado para Salvador”. Se fosse um técnico de nível médio: “O corpo foi removido para Salvador”. E se fosse um engenheiro: “O corpo foi transladado para Salvador”.
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Ele contava também outra história muito curiosa: na década de 60, a Polícia prendeu um golpista carioca em Salvador. Levado para uma delegacia que ficava num antigo casarão da Piedade, o carioca, bem-falante e cheio de ginga, ficou logo amigo do carcereiro.
No dia seguinte, graças a sua lábia, conseguiu que o carcereiro fosse comprar para ele cigarros e jornal numa banca de revistas. Depois de ler o jornal, o carioca perguntou ao carcereiro se ele não queria dar uma olhadinha nas notícias. O carcereiro pegou o jornal e ficou a ler quando foi advertido pelo carioca:
-- Moço, o jornal tá de cabeça pra baixo
-- Polícia lê como quer