A montadora Ford anunciou nesta segunda-feira (11 de janeiro) que fechará suas fábricas no Brasil. Serão fechadas as plantas de Camaçari (BA) e Taubaté (SP). Será mantida apenas por alguns meses a produção de peças para suprir o estoque de pós-venda. A fábrica da Troller, em Horizonte (CE), será fechada no último trimestre de 2021.
O mercado nacional será abastecido com veículos produzidos, principalmente, na Argentina e no Uruguai, países cujas operações da empresa não serão afetadas. A montadora encerrará as vendas dos modelos EcoSport, Ka e T4 assim que terminarem os estoques.
A empresa manterá apenas o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia; o Campo de Provas, em Tatuí (SP); e sua sede regional em São Paulo.
A fábrica de Camaçari, que produzia Ka e EcoSport, e a de Taubaté, onde eram feitos motores e transmissões, serão fechadas imediatamente, reduzindo a produção às peças para estoques de pós-venda. No último trimestre de 2021, será fechada também a planta da Troller, em Horizonte.
A justificativa é a crise gerada pela pandemia que atinge o mundo desde o início de 2020, embora os dados mostrem crescimento de vendas nos últimos 7 meses, no Brasil. Segundo a Ford, a pandemia da covid-19 "amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas".
O Ministério da Economia disse em nota, lamentar a decisão da Ford de encerrar a produção de veículos no Brasil. Segundo a pasta, o anúncio da montadora reforça a necessidade de uma rápida implementação de medidas para melhorar o ambiente de negócios, e de avançar nas reformas estruturais.
"A decisão da montadora destoa da forte recuperação observada na maioria dos setores da indústria no país, muitos já registrando resultados superiores ao período pré-crise", destaca nota divulgada pelo ministério.
A Ford prevê um impacto de aproximadamente US$ 4,1 bilhões em despesas não recorrentes, incluindo cerca de US$ 2,5 bilhões em 2020 e US$ 1,6 bilhão em 2021. Aproximadamente US$ 1,6 bilhão serão relacionados ao impacto contábil atribuído à baixa de créditos fiscais, depreciação acelerada e amortização de ativos fixos. Os valores remanescentes de aproximadamente US$ 2,5 bilhões impactarão diretamente o caixa e estão, em sua maioria, relacionados a compensações, rescisões, acordos e outros pagamentos.
A empresa possui 6.171 funcionários no Brasil. Em Taubaté, 830 funcionários serão demitidos. A fábrica de Horizonte emprega 470 pessoas.
“A Ford está presente há mais de um século na América do Sul e no Brasil e sabemos que essas são ações muito difíceis, mas necessárias, para a criação de um negócio saudável e sustentável”, disse Jim Farley, presidente e CEO da Ford.
A companhia não informou qual será o número de funcionários demitidos, mas garantiu que irá "trabalhar imediatamente em estreita colaboração com os sindicatos e outros parceiros no desenvolvimento de um plano justo e equilibrado para minimizar os impactos do encerramento da produção".
Em 2020, a Ford detinha 7,4% do mercado de automóveis no Brasil, segundo dados da Fenabrave, entidade que representa as concessionárias de veículos.
O Ford Ka foi o 5º carro mais vendido no Brasil em 2020. Se somados os emplacamentos das versões hatch e sedã (Ka Plus) do Ka, o modelo foi o 2º mais vendido do país.
Dezembro foi o melhor em vendas de autoveículos em 2020 (243.967 unidades), com média diária de 11,6 mil unidades, de acordo com dados da Anfavea-Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Mas na comparação com 2019, apenas fevereiro de 2020 teve média de vendas superior, apesar da recuperação de mercado verificada no segundo semestre.
No acumulado do ano, os números apresentaram quedas acentuadas, mas não tão drásticas como se projetava no início da pandemia. A grande injeção de recursos emergenciais na economia e a força do agronegócio ajudaram a amenizar as perdas do segundo trimestre, quando boa parte das fábricas e lojas permaneceram fechadas. As vendas ao mercado interno fecharam com 2.058.437 unidades, queda de 26,2%, recuando ao patamar de 2016, auge da última crise econômica brasileira.
A Anfavea prevê aumento de 15% no licenciamento de autoveículos, 9% nas exportações e 25% na produção.
Setor de veículos cresce em 7 meses
O setor de Veículos automotores, reboques e carrocerias seguiu sendo a maior influência da indústria nacional. Com a alta de 11,1% apresentada em novembro frente a outubro, a atividade, após quedas nos meses críticos da pandemia, acumulou expansão de 1.203,2% em sete meses consecutivos, superando em 0,7% o patamar de fevereiro.
A produção de veículos influencia em atividades como metalurgia, com estímulo da produção de aço, e outros produtos químicos, área que engloba tintas de pintura, por exemplo. Ambas tiveram alta em novembro, de 1,6% e 5,9%, respectivamente.
“É a tendência deste período de retomada da produção após os meses mais rigorosos de isolamento”, afirma o gerente de pesquisa André Macedo sobre o crescimento no setor de veículos.
Decisão tomada em 2018
Em 2018, diante da queda na demanda e da redução nos lucros de sua linha de automóveis de passageiros, a Ford decidiu direcionar seus recursos para o lado em expansão do mercado: picapes, SUVs e veículos utilitários crossover.
Há dois anos a companhia anunciou oficialmente que faria investimentos "significativamente menores no futuro" em sua linha de automóveis de passageiros.
Nos Estados Unidos, a montadora decidiu se concentrar apenas no Mustang e no Focus Active, um pequeno veículo crossover. E produzir uma variedade de SUVs e caminhões, incluindo Escape, Explorer, Bronco e F-150 - o modelo de caminhão mais vendido naquele país.
Bob Shanks, diretor financeiro da Ford, informou em 2018 que um terço dos cortes planejados pela montadora seriam alcançados até o final de 2020.
A Ford decidiu investir mais em veículos elétricos e SUVs com baixo consumo de combustível e a previsão dos analistas de mercado é de que em toda a indústria as montadoras continuarão reduzindo a produção de sedãs e outros modelos de automóveis de passageiros, transferindo cada vez mais recursos para suas caminhonetes.
Desde 2018 a aposta da Ford são os carros maiores
Nos Estados Unidos (onde a Ford está se transformando basicamente em uma empresa de caminhões) e Canadá, o segmento de automóveis de vendas automotivas está encolhendo desde 2012, enquanto as vendas de veículos utilitários esportivos cresceram no mesmo período - uma tendência que deve continuar.
O fim do Focus, Fiesta, Fusion, Taurus e C-MAX estava decidido, em 2018.
Em meados de 2019 a companhia anunciou que eliminaria cerca de 20% de sua força de trabalho em toda a Europa e fecharia seis fábricas, na Alemanha, Reino Unido e Rússia.
"Estamos avançando e focados na construção de um futuro sustentável de longo prazo", disse, à época, o presidente da Ford na Europa, Stuart Rowley. "Estamos mudando para um modelo de negócios ágil e enxuto", justificou agora Jim Farley, presidente e CEO da Ford.
O plano de reorganização da empresa afetou outros países nos últimos anos. Foram fechadas fábricas na Austrália, após 91 anos no país, e na França, em Blanquefort. Na Europa e Estados Unidos, a montadora anunciou demissões em 2019.
A Ford vinha cortando gastos, mas o processo global de reestruturação exigia mais para conseguir alcançar a margem EBIT (lucro líquido antes dos impostos) de 8%.
No mercado de investimentos norte-americano a notícia foi bem recebida. Isso porque a operação da Ford na América do Sul (o Brasil era a principal unidade), é deficitária há 7 anos - o último trimestre no azul foi em 2013.
As ações da companhia subiram 3,33% na Bolsa de Nova York nesta segunda-feira, em um dia de queda generalizada no mercado, com os analistas prevendo que o encerramento da operação deficitária permitirá que a montadora consiga melhorar os resultados financeiros.
Baixo rendimento
Segundo o site Argentina Autoblog, que ouviu ontes ligadas à marca, "o rendimento da fábrica de Camaçari era tão baixo que a empresa estimava ser possível obter uma rentabilidade maior com as vendas de Ka e EcoSport importando os modelos para a América do Sul de países como Romênia e Índia do que produzindo os carros no Brasil".
Em nota, o governo da Bahia lamentou a saída da Ford do Brasil e diz que já busca alternativas para substituir a montadora americana.
“O governo do estado lamenta o encerramento da produção nas plantas da Ford em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller, em Horizonte (CE). O governo destaca os impactos socioeconômicos consequentes do fechamento da empresa, importante geradora de empregos e renda no estado”, diz o texto.
A nota também informa que o governador Rui Costa, assim que soube da decisão, entrou em contato com a Fieb (Federação das Indústrias do Estado da Bahia) para discutir a formação de grupo de trabalho com a proposta de avaliar alternativas ao fechamento.
“O governo estadual também entrou em contato com a Embaixada Chinesa para sondar possíveis investidores com interesse em assumir o negócio na Bahia”, destaca o texto da nota.
O prefeito de Camaçari, Elinaldo Araújo, lamentou a notícia. “Com muita tristeza, recebemos esta notícia da Ford. Infelizmente, a crise provocada pela pandemia da covid-19 trouxe consequências ruins para a área da saúde e, também, para a economia, fazendo com que pequenos e grandes negócios se tornem inviáveis. Lamento o fechamento da fábrica e me solidarizo com os trabalhadores”, disse.
ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e presidente nacional do Democratas, disse que o fechamento da Ford no Brasil "é um prejuízo incalculável para a economia do país".
Confira o comunicado da marca na íntegra:
A Ford Motor Company anunciou hoje que atenderá os consumidores na América do Sul com um portfólio empolgante de veículos conectados, e cada vez mais eletrificados, incluindo SUVs, picapes e veículos comerciais, provenientes da Argentina, Uruguai e outros mercados, ao mesmo tempo em que a Ford Brasil encerra as operações de manufatura em 2021.
A Ford atenderá a região com seu portfólio global de produtos, incluindo alguns dos veículos mais conhecidos da marca como a nova picape Ranger produzida na Argentina, a nova Transit, o Bronco, o Mustang Mach 1, e planeja acelerar o lançamento de diversos novos modelos conectados e eletrificados. A Ford mantém assistência total ao consumidor com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia para seus clientes no Brasil e na América do Sul. A empresa também manterá o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas, em Tatuí (SP), e sua sede regional em São Paulo.
Os sindicatos de trabalhadores foram apanhados de surpresa, tanto na Bahia quanto em São Paulo. Em Camçari, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Júlio Bonfim, disse estar ainda tentando absorver a notícia. "Foi algo que a gente nunca imaginaria que fosse acontecer no Brasil." Ele calcula em 12 mil vagas de trabalho fechadas, na Região Metropolitana de Salvador, entre empregos diretos e indiretos.
Em Taubaté (SP), uma assembleia emergencial estava sendo organizada no início da noite.
Nota do Sindicato dos Engenheiros da Bahia
O Sindicato dos Engenheiros da Bahia acaba de tomar conhecimento que a Montadora Ford, que tem presença no Brasil desde década de 30 do Século XX e que mantinha as fabricas em Camaçari, Taubaté – SP e Horizonte – CE, decidiu encerrar sua produção no Brasil. Esta decisão implicará na perda de 3000 empregos diretos e de uma infinidade de empregos na cadeia produtiva automotiva e das atividades de apoio ao setor.
A partir deste momento, a única possibilidade de um brasileiro adquirir um carro da montadora será através da importação de veículos do Uruguai, Argentina e Estados Unidos da América. A empresa retroage a relação existente com o Brasil que tínhamos nas décadas de 30 e 40 que era a comercialização de veículos importados dos Estados Unidos da América.
Além da perda dos empregos, a saída da empresa do território baiano representa um retrocesso profundo no desenvolvimento tecnológico e na geração de empregos de alto valor agregado e com melhores salários. A Bahia dá um passo a mais rumo a conversão de sua economia na produção de comoddities agrícolas e minerais.
O Sindicato dos Engenheiros da Bahia repudia a atitude da empresa e exige que os governos de Camaçari, Bahia e do Brasil encontrem caminhos que possibilitem a permanência das fabricas e dos empregos em solo nacional. Os incentivos fiscais que a Ford recebeu foram financiados pelo povo desta terra. Caso a empresa feche suas fabricas, devem ser devolvidos aos brasileiros. Bem assim a empresa deve implantar um programa de apoio econômico, de qualificação profissional aos empregados diretos e indiretos do complexo Ford.
Não queremos retornar aos tempos da exportação de empregos. Devemos exportar carros, tecnologia e expertise.
Rodrigo Maia culpa o governo
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a decisão da Ford de encerrar a produção de veículos em suas fábricas no Brasil é uma demonstração da falta de credibilidade do governo.
Para Maia, faltam regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional. Ele disse ainda esperar que a decisão da Ford alerte o governo e o parlamento para avançar na modernização do estado e na garantia da segurança jurídica para o capital privado no País.
"O fechamento da Ford é uma demonstração da falta de credibilidade do governo brasileiro, de regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional. O sistema que temos se tornou um manicômio nos últimos anos, que tem impacto direto na produtividade das empresas", afirmou Rodrigo Maia por meio de suas redes sociais.
Em resposta, o secretário de Comunicação do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten, acusou o parlamentar de procurar holofotes. E deu outras justificativas, para o fechamento.“A verdade dos fatos: a Ford mundial fechou fábricas no mundo porque vai focar sua produção em SUVs e picapes, mais rentáveis. Não tem nada a ver com a situação política, econômica e jurídica do Brasil."
Fiesp faz cobranças
De acordo com a Fiesp-Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a decisão da Ford de fechar suas fábricas no Brasil, depois de mais de 100 anos de atividade, "é uma triste notícia para o país e um movimento que tem de ser olhado com atenção".
A Federação voltou a cobrar uma agenda que reduza o custo Brasil, melhore o ambiente de negócios e aumente a competitividade dos produtos brasileiros e citou a a "alta carga tributária brasileira".
Segundo a entidade, o custo de cada automóvel produzido no País dobra por causa dos impostos. A Fiesp cutucou o governador João Dória: "E ainda há governantes que pensam no absurdo de aumentar tributos, como no caso da inacreditável alta do ICMS em São Paulo".
João Dória disse, apenas, que o fechamento das fábricas "foi decisão global da Ford Motors".
A Ford no Brasil
Ford do Brasil é a subsidiária brasileira da montadora estadunidense Ford.
Fundada em 1919, a Ford do Brasil dedicou-se inicialmente à importação de veículos produzidos no exterior.
Foi a segunda filial sul-americana da Ford, depois da Ford Argentina, e a primeira a se instalar no Brasil, inicialmente num armazém na rua Florêncio de Abreu, na cidade de São Paulo, mudando-se um ano depois para a Praça da República, até a inauguração, em 1921, de instalações especialmente projetadas para funcionarem como linha de montagem de veículos, na Rua Solon, no bairro do Bom Retiro. O automóvel Modelo T e o caminhão Modelo TT foram os primeiros veículos montados pela Ford no Brasil.
O primeiro automóvel lançado pela Ford do Brasil foi o Ford Galaxie 500 em abril de 1967, igual ao modelo norte-americano de 1966, exceto pela motorização, e era na época o mais moderno automóvel fabricado no Brasil. Ainda em 1967, a Ford do Brasil adquiriu o controle acionário da Willys Overland do Brasil, herdando então um projeto de carro médio que viria a ser lançado em 1968 depois de extensas modificações, o Ford Corcel. Nas décadas seguintes vieram o Corcel II, a Belina (perua), o Del Rey, e o Escort.
Prédio abandonado de uma antiga unidade da Ford do Brasil
Em 2017, a Ford foi a quarta maior força no mercado automobilístico brasileiro. Os principais modelos da Ford do Brasil são o Ford Fiesta, Ford EcoSport e o Ford Ka. A sede da montadora está localizada em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Em março de 2008, as concessionárias da Ford do Brasil representaram as marcas Jaguar e Land Rover para a Tata Motors.
Em 2019, decidiu-se o encerramento da planta de São Bernardo do Campo com os Produtos Fiesta e saída do mercado Sulamericano de caminhões.