A severa seca registrada entre 2012 e 2017 impossibilitou o plantio de várias culturas na Serra de Santana, no sertão do Seridó (RN). A longa estiagem sentenciou à morte os antigos cajueiros gigantes existentes nas propriedades.
Muitos agricultores conseguiram melhorar a renda apesar da seca. Eles apostaram no cultivo de clones de cajueiro-anão desenvolvidos pela Embrapa e alcançaram produtividade até quatro vezes maior, comparada à do cajueiro gigante.
Mesmo com o fim da estiagem, o caju consolidou-se como a principal cultura da região, à frente da pinha, da batata-doce irrigada e da mandioca.
Histórias parecidas podem ser constatadas em outras regiões do estado, onde a Embrapa Agroindústria Tropicalinstalou experimentos para testar novos materiais mais adaptados, como Serra do Mel, Apodi, Severiano Melo, Florânia, Lagoa Nova e Parnamirim. Os produtores investiram na adoção de tecnologias e na tecnificação da cultura e obtiveram bons resultados, também durante a seca.
Mais resistente ao estresse hídrico, precoce e de porte baixo, o cajueiro-anão ofereceu aos produtores, além da maior produtividade, boa rentabilidade pelo fato de possibilitar o aproveitamento do pedúnculo, o falso fruto, como caju de mesa e na indústria de processamento de sucos e doces.
Com o cajueiro gigante é difícil aproveitar o pedúnculo, pois o porte da planta inviabiliza a colheita manual, além de que seus produtos variam de qualidade entre uma planta e outra.
“Há cinco anos, com o dinheiro do caju eu não fazia uma feira”, atesta o pequeno produtor Domingos Divino da Silva, 44, morador da zona rural do município de Florânia, na Serra de Santana.
Com 5,5 hectares de cajueiro, em 2019, depois de seis anos de secas sucessivas, ele colheu 1.800 caixas de caju de mesa. No ano passado, o preço da caixa oscilou entre R$ 20 e R$ 30.
Histórias semelhantes às registradas na Serra de Santana irradiaram-se por boa parte do Rio Grande do Norte. O enredo é parecido: a seca matou as plantações de cajueiro-comum (em 2010 o estado possuía cerca de 120 mil hectares, enquanto em 2020 a área era de pouco mais de 50 mil hectares) e os produtores passaram a cultivar ou intensificaram o cultivo do cajueiro-anão, com o cuidado de adotar as recomendações técnicas para a boa condução dos pomares.
Enquanto na Serra de Santana predominam pequenos produtores, no oeste potiguar o perfil é outro: médias e grandes propriedades. Na região está localizado o município de Severiano Melo, conhecido como Terra do Caju, e onde foi observado um expressivo desenvolvimento do setor.
O produtor e agrônomo Antônio Tertulino, que mantém uma área de 300 hectares de cajueiro em Severiano Melo, revela que a cajucultura sempre foi a principal atividade da região, tradicionalmente com o cultivo do cajueiro gigante. Com a seca e morte da maior parte dessas árvores, os produtores precisaram recuperar os pomares e utilizaram o cajueiro-anão. Puderam, assim, constatar as vantagens da mudança. “Foi um mal que trouxe o bem. Antes não tinha retorno. Agora o produtor investe, porque é lucrativo”, afirma.
O pesquisador Luiz Serrano, da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), explica que não é incomum encontrar entre os cajucultores de municípios do oeste potiguar produtividade, em sequeiro, acima de 1.200 kg de castanha por hectare ao ano – bem acima da média do cajueiro gigante, que chega a 300 kg por hectare ao ano. Ele acredita que, mantido o protagonismo dos produtores, em cinco anos o Rio Grande do Norte deve se tornar referência em produção tecnificada de caju.
O pesquisador diz que o incentivo de ações da Embrapa, do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (Emater-RN), além de parceiros da iniciativa privada, auxiliou o desenvolvimento da cadeia produtiva. “Vários treinamentos, cursos e dias de campo foram e estão sendo realizados frequentemente nas regiões produtoras; e os resultados são vistos rapidamente pela dedicação dos produtores”, afirma o pesquisador.
O projeto Melhoramento Genético do Cajueiro no Brasil (veja quadro) foi uma das ações que contribuiu para levar tecnologia e informação aos produtores.
Em 2010 a Embrapa retomou e intensificou as atividades de pesquisa no Rio Grande do Norte, onde mantém áreas experimentais para avaliação de clones de cajueiro-anão, em parceria com produtores, com a Emparn e a Emater-RN.
“Clones produtivos já disponibilizados para os estados do Ceará e Piauí estão agora em avaliação para validação no Rio Grande do Norte, mostrando bons resultados de adaptação e produção. Além disso, novos materiais estão sendo avaliados para futura disponibilização para os produtores dessas regiões”, explica o melhorista e pesquisador da Embrapa Francisco Vidal Neto.
Vidal Neto reforça que o desenvolvimento do setor resultou da capacidade de organização da cadeia produtiva, com o envolvimento dos produtores e instituições públicas e privadas. “Houve um protagonismo importante. Em Severiano Melo, por exemplo, já vinham trabalhando com participação da iniciativa privada, de fornecedores de insumos e com apoio político da região. Esse envolvimento colou com nossa atuação, promovendo uma série de eventos. Em outros locais não se vê isso, com esse dinamismo”, diz.
Melhoramento do cajueiro
Esta é a quarta fase do Projeto de Melhoramento Genético do Cajueiro no Brasil. Desde o início das ações, o programa já lançou 12 clones de cajueiro, adaptados às condições das áreas produtoras. Entre os atributos desses clones estão a resistência a doenças e o elevado potencial produtivo - com castanha e pedúnculo de qualidade para o consumo de mesa e processamento da polpa.
Conforme o pesquisador Vidal Neto, nesta quarta fase foram testados 17 diferentes clones, entre novos materiais e alguns já lançados para outras regiões, mas não testados no Rio Grande do Norte. Desses, quatro são promissores para a região. Em 2021, devem ser lançados dois novos clones e recomendado um, para o estado, com características superiores, como boa adaptação, elevada produtividade e tolerância a pragas e doenças de importância local.
Com o projeto de melhoramento genético, os produtores foram estimulados a cultivar e adotar os tratos culturais necessários para o bom andamento dos pomares. Nas áreas experimentais, conheceram e divulgaram para outros produtores as principais vantagens dos clones: resistência à seca, a pragas e doenças, precocidade e o pequeno porte, possibilitando a colheita manual e o aproveitamento do caju como fruta de mesa – mais valorizada no mercado. Essa interação tem sido importante, pela troca de informações e conhecimento, enriquecendo o processo de seleção e aumentando a possibilidade de adoção da tecnologia pelos produtores.
Produtividade quatro vezes maior
Um dos clones que obteve maior expansão do plantio no último longo período de estiagem registrado no Nordeste foi o Embrapa 51, que apresentou um poder de produção, na seca, bem superior aos demais.
Levantamento realizado pela Embrapa Agroindústria Tropical, em 2019, no município de Severiano Melo, demonstrou que esse clone apresentou produtividade média, em sequeiro, de 800 kg de castanha por hectare ao ano e de 3,6 mil kg de pedúnculo por hectare/ano. Na mesma região, o cajueiro gigante produziu em média 200 kg de castanha por hectare ao ano.
Destaca-se também, nos últimos anos, que com as práticas culturais recomendadas e adotadas o clone CCP 76, o mais cultivado no País, está produzindo por longos períodos durante um mesmo ano, promovendo aumento de rentabilidade aos produtores pela venda de frutos in natura.
O analista Carlos Wagner Castelar, da Embrapa Agroindústria Tropical, explica que a produtividade varia para mais ou menos dependendo de condicionantes como a tecnificação e a adoção de tratos culturais. Ele relata que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda não distingue os dados da safra entre cajueiro-anão e gigante no Rio Grande do Norte, o que dificulta a avaliação do impacto da adoção dos clones da Embrapa.
A estimativa de aproveitamento do pedúnculo foi de 50%, com destaque para a venda para a indústria de sucos. No caso de Severiano Melo e entorno, os agricultores mencionaram como fator importante para o escoamento da produção a localização das esmagadoras (indústrias de sucos) próximas à produção agrícola, o que facilita o aproveitamento do pedúnculo, que é altamente perecível. Nessas esmagadoras, em 2019, o preço pago ao produtor foi aproximadamente 30 centavos por quilo.
O produtor Antônio Tertulino revela obter produtividade de 1.400 kg de castanha por hectare ao ano, em sequeiro. Para ter bom desempenho, ele aproveita 95% do pedúnculo, repassado para fábricas de sucos instaladas na região.
Ele destaca que os cajucultores estão percebendo a vantagem da diversificação dos pomares com diferentes clones. Com a longa estiagem houve uma expansão do plantio do clone Embrapa 51, mas em 2019, com chuvas mais regulares, o CCP 76 voltou a produzir bem e o BRS 226 despontou como muito promissor para a região. “Ter um único clone é um risco grande, porque cada um tem uma característica diferente. Uma praga ataca um e outro não”, diz.
Quando tinha 16 anos, o pequeno produtor Domingos Divino da Silva se viu obrigado a deixar a Serra de Santana e migrar para Natal, onde trabalhou como garçom por quatro anos. Era uma vida dura, com uma renda que não permitia o retorno para casa. Ele tem orgulho de ter conseguido refazer a vida como produtor rural e constatar que o filho mais velho não precisa deixar a Serra de Santana em busca de uma vida melhor. “Aqui ele tem dinheiro, tem internet, tem smartphone, tem moto. Não tem pensamento de viajar.”
Hoje, Divino vive do caju. Além de enxertador e produtor de caju e castanha, ele presta assistência a outras propriedades. Uma das áreas experimentais do Projeto de Melhoramento Genético do Cajueiro fica na propriedade dele. O produtor até apelidou os clones que mais se destacaram: maná, azulzinho e amor perfeito. Cada um tem uma característica relacionada ao nome.
O fruto do amor perfeito, por exemplo, assemelha-se ao um coração vermelho. O azulzinho apresenta a castanha azulada. O maná, bastante produtivo e adaptado à região, ganhou esse nome em alusão aos escritos bíblicos. Neles, o maná é o alimento fornecido por Deus ao povo israelita, liderado por Moisés, durante toda sua estada no deserto rumo à terra prometida.