Eliete I. Sousa

Por que me recuso a olhar para o amanhã e me alimento do presente

Meu futuro é hoje, aqui e agora

Foto: Samson Katt/Pexels/Creative Commons

Um choque de realidade! A vida anda para a frente e eu, ultimamente, ando olhando mais para trás. 

Olhando os rastros que o vento não apagou, juntando os grãos e fazendo barricadas para fortalecer o presente, porque o melhor dia para mim hoje, é o dia de hoje. E que todo dia seja hoje, para ser o melhor dia!

Acabei de completar 66 anos e me dei conta de que foram bem vividos. Sentidos na pele cada segundo. Nem tudo foram flores, houve muitos espinhos, mas tirei os espinhos, cultivei as flores, plantei as sementes e floriu de novo. Hoje, eu olho para trás e sinto muito orgulho de minhas pegadas. Dessas que você pensou, também. E como!

Por toda a minha vida, eu construí. Em nenhum momento carreguei pedras. 

Mas ando olhando para trás, para me distanciar do futuro, a cada dia mais. Ando, sinceramente, me recusando a olhar para o além, do horizonte. E se você tiver mais de 60 e quiser parar por aqui, fique à vontade: talvez você não se importe, mas talvez você não goste. 

Eu não me importo. Eu rio das minhas próprias besteiras, às vezes me acho a melhor piada, afinal, sou sagitariana, e sagitariano se embaraça no cabelo das pernas, e se tenta desenrolar, piora. Mas, sou sagitariana, não sou hiena!

No  primeiro texto que publiquei, não aqui, eu falei de morte, uma amiga quase morreu de susto, me deu uma bronca da p*, fiquei assustada, quase morri, e no texto seguinte falei "o oposto da vida". kkkkk! Mas não adianta dourar a pílula. Vamos todos embarcar nessa viagem, e com mais de 60 já estamos pra lá de meio caminho andado...

Eu sei, eu sei, ninguém quer pensar, tampouco falar em morte, mas, cá pra nós, existe alguma certeza maior nesta vida!? Então, por que não? 

Não tenha medo. Estamos juntos. Eu com você, você comigo, e juntos somos mais fortes. Não é assim que se diz? Coragem companheiros! Não tem escapatória não! E considerando que depois dos 60 a gente anda mesmo é em comboio, façamos uma corrente, vamos nos dar as mãos, e ninguém solta a mão de ninguém!

Com 66, me recuso a olhar para o amanhã. Meu futuro é hoje, aqui e agora. Ando, mas ando devagar. Não tenho pressa. 

Vou apreciando a paisagem como quem não quer nada, vou bem devagarinho, com muito cuidado para não cair no buraco ou meter a cara na parede de repente. Olhar para o futuro com essa idade, não me parece muito promissor. 

Não quero desanimar ninguém não, pelo contrário, quero é que você esqueça o futuro e aproveite bem o seu presente.

Com 20 anos, cheia de energia, eu olhava para o futuro com garra e disposição para desbravar a vida, e cheia de esperança. Eu tinha pela frente um leque de oportunidades acenando para mim. Na época, a gente dizia: do jeito que vier é três palitos!

Hoje, quando olho para o futuro fico acovardada, cheia de receio e apreensão. Olho, mas olho consciente e com desconfianças. Pudesse, voltava do meio do caminho. Agora não dá mais, já cruzei a linha. Depois, a estrada que ficou para trás é mais longa do que a que vem pela frente. Melhor seguir!

Meu Deus, estou com medo do futuro! Quem diria? Eu sempre digo que não tenho medo de morrer! Digo, mas não significa que eu abrace a ideia. Não tenho medo, mas no fundo, no fundo, eu a rejeito. 

Tenho medo da dependência. Essa, me apavora mais do que a própria morte. De morrer, eu tenho pena. Ops! Quem tem pena é galinha! Eu sinto pena e tenho dó. Tanta dó, quero nem pensar... Mas penso! Pode ser de um jeito torto, mas penso!

Não quero mais pensar é no futuro. Não me parece mais alvissareiro. Não por causa da pandemia, mas pela realidade nua e crua que me espera logo ali. É osso! 

Acho que o único consolo dos velhos é ouvir que precisam ser escutados porque têm sabedoria. Porca miséria! Quanto mais sábio, mais velho. Quanto mais velho, mais perto. Misericórdia! 

Ô consolo assustador! 

Mas, velho sábio é resignado. Fazer o quê? Não tem pra onde correr, melhor aceitar. 

Acho que é por isso que os velhos param de andar: é por medo de cair no buraco. 

Já olharam bem nos olhos dos idosos quando param de andar e sentem o sopro? Pois olhem bem, e tenham compaixão. Escutem o que estes olhos dizem. É muito triste. Há um pavor paralisante em seus olhos... 

Aqueles olhos distantes, cada vez mais longe, estão se despedindo. Estão sentindo a dor do parto. Estão cortando o cordão novamente. E estão cheios de piedade e preocupação com você. Estão deixando para trás o seu melhor plantio e muitos dos frutos que sabem, não vão colher. Sejam amáveis e generosos: aqueles olhos, estão sentindo a dor da partida e estão sofrendo por você!

Por muito tempo tentei decifrar o olhar de minha mãe, perdido, distante, e cravado em mim. Era sempre assim, porque eu ia e voltava, mas ela sabia que ia me deixar, e nos perderíamos de vista para sempre. 

Confundimos esse olhar com resignação, mas eles se atracam nas cadeiras como se fossem seu porto seguro, não querem se levantar, e nos olhos está escrito: não vou!  Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Não adianta: vai! 

Vai carregado, mas vai!

É a lei da vida.

Antigamente se morria cedo. Alguém com 40 já tava com o pé na cova. Há pouco, 40/50 era chamado de meia-idade, como se alguém soubesse qual era a idade inteira! Hoje, vemos gente com mais de 80 dançando um frevo de dar inveja, atravessando o mar a nado, se achando o rei da cocada preta enquanto dirige em horário de pico, e pulando de asa-delta. 

Outro dia vi uma, de cerca de 90, dizer que só lhe falta pular de "Bungee jumping" e parece que já está se preparando. Misericórdia! 

Tá certo. Depois dos sessenta já temos direito adquirido pra fazer e falar besteiras, sem julgamentos e com direito a aplausos. Afinal, diz o ditado: "quem não fez besteira quando jovem, vai fazer depois de velho". 

Eu é que não me encorajo mais. Mas acho que estes afoitos estão certos, são espertos, se rebelam e aproveitam o quanto podem, ou, enquanto podem. 

Olhe, depois dos 60, a gente já tá no lucro, não tem mais muito a perder: "tá cagando e andando".  Ou, como diz um meu primo: "tá peidando n'água pra fazer borbulhas". Melhor aproveitar bem, do que ainda tem. Eu é que não vou mais me arriscar. Já fiz muitas loucuras radicais, já me arrisquei demais e agora só tenho medo. Medo e raiva. 

Raiva da sanha do turismo que inventou essa treta de chamar 60/90 de melhor idade. Fala sério! Melhor idade pra quem cara pálida? Isso é falta de empatia! Ou, no mínimo, falta de bom senso.

É tão afrontoso que chega a ser nojento. Tratem o idoso com dignidade e sem hipocrisia. Não venha me dizer que com o pé na cova eu tou na melhor idade! Vá pra casa do carvalho com essa falsa ilusão! Melhor idade era quando eu tinha vinte! 

Melhor idade é pro turismo, que tira proveito dos velhinhos empoderados com essa conversa mole enquanto enche os bolsos. Capaz de vender o pacote, e quando o senhorzinho de bengala vira as costas, vão se vangloriar  de ter vendido um pacote pra uma pessoa que mal vai aproveitar a viagem e ainda pode atrapalhar os outros: porque excursão, exige fôlego!

Não me chame de melhor idade! Respeite meus cabelos brancos! Maior idade já está de bom tamanho.

Mas, se você tiver dinheiro, vontade, disposição e coragem, aproveite. Mas vá com calma. Nada de "Bungee jumping"! Cuidado com a osteoporose...

Eu já desafiei muito a dona coisa, hoje só quero sossego, afinal, cada um sabe onde lhe dói o calo, e quem não pode com o pote não pega na rodilha. 

Sinceramente, não faço mais planos de médio e longo prazo. Logo eu, que sempre fui programada como um computador, amarelei! Mas a moda muda, os valores se invertem e a gente revê os conceitos. Não é? Pois é! 

Boa sorte, e muitos anos de vida ativa! Viva seu hoje, sem medo de ser feliz! 

O amanhã, a Deus pertence.