Cassiano Antico

O pequeno gigante argentino que tabelou com Deus


Foto: Markus Spiske/Pexels/Creative Commons

 
Não sou pessimista, eu amo este mundo horrível
-- Emil Cioran

Assim que soube da morte de Maradona, chorei como uma criança. Não pude me conter. 

Quando estive em Nápoles, há alguns anos, diverti-me ao ver a imagem de Dom Diego ao lado das imagens de santos como Padre Pio, Santo Antônio ou do próprio Papa. O cara conseguiu.

Ninguém sabia em que prateleira colocar, ou enquadrar, o argentino do bairro pobre de Lanús. Um homem capaz de chorar diante de uma câmera e admitir todos os seus pecados publicamente, ou de dizer verdades que escondemos de nós mesmos e do mundo, ou de peitar os mafiosos da Fifa, dos Comitês.

Quando pergunto para minha filha o motivo de alguma brincadeira, ela responde: "Porque sim, papai".  Assim viveu Maradona: ousando, brincando até com o fogo, inventado o fogo.

Diego tinha linha direta com o Barba. "E por que não?" Que é o mesmo que porque sim. Sim! Quem vai julgá-lo? Ele trouxe tanta alegria para o nosso mundo miserável e hipócrita. Foi o coração que o matou. Não foi o cérebro.

Ele andava com dois relógios. Um em cada pulso. Mas só escutava e comparecia aos socos que sentia do lado esquerdo do peito; foi mais vivo que um Rolling Stones.

Que se façam os julgamentos: de Pilatos aos fariseus, das bocas sujas, das bocas mal lavadas, dos corações impuros, das velhas da Igreja.

Diego chacoalhou o nosso planeta com uma bola, bola que lhe obedecia como um cão adestrado obedece seu dono, como um escravo obedece seu senhor, como o pincel obedecia Van Gogh.

Para Henry Miller, ninguém avança pela vida em linha reta. Muitas vezes nem paramos nas estações indicadas. Certos indivíduos vivem num simples instante aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida para viver. Outros crescem como cogumelos, enquanto alguns ficam inelutavelmente para trás, atolados no caminho - parasitas.

Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar. A vida é um mistério, é um milagre, a vida é desconcertante, incorrigível, a vida é a cara de bunda do jornalista ao ouvir de Jackson Pollock: "Prezado senhor, eu não pinto a natureza. Eu sou a natureza".

A vida é o filósofo Sócrates admitindo: "Só sei que nada sei"; e é Platão escrevendo em seu nome. Como escreveram em nome de Cristo. E matam em nome de Cristo e fazem dinheiro em nome de Deus.

O ser humano pode ser por eternidades e mais eternidades desprezível. E há quem ame tais seres desprezíveis - mesmo sabendo que serão mortos ou enganados ou humilhados ou difamados por eles das formas mais cruéis e covardes possíveis.

Amar é um ato revolucionário e de extrema coragem! Amar é para poucos. Como escreveu um tal Fernando Pessoa: "Quem ama nunca sabe o que ama; nem sabe por que ama, nem o que é amar”.