Cassiano Antico

À espera do tempo (e da prudência)

O tempo não melhora nada e ninguém


Foto: Giallo/Pexels/Creative Commons

 
Sociedade, tenha piedade de mim / Espero que não fique brava se eu discordar / Sociedade, realmente louca / Espero que não fique solitária sem mim
-- Society/Eddie Vedder

O tempo não melhora nada e ninguém. O tempo, por si só: piora tudo. O tempo piora os reflexos, a visão, dificulta a locomoção. Penso que o tempo revela o que ficou escondido, e nos joga tudo na cara. Não há plástica, beiço postiço, baque de botox capaz de mocozar. O tempo não muda o caráter de ninguém. A "velhice" não traz sabedoria. "Os canalhas também envelhecem".

Minha tia Jandira, de maneira radical, dizia o seguinte sobre tal fenômeno: "A velhice deixa o homem caduco e cansado, filho".

Hemingway escreveu que o tempo não transporta sabedoria coisa nenhuma, apenas deixa os velhos mais prudentes

Enquanto analiso a sociedade, essa raça louca que criamos - e que concordamos em manter da pior maneira possível -, reparo que minha filha caçula está cantando uma canção que ela mesma inventou. A música cala todos os meus pensamentos e sinto a presença de Deus. E vejo um mundo generoso bem na minha frente. E o mundo, de repente, corre na ponta de pés pequenos como se estivesse prestes a decolar. Igual ao menino que colocou os pés no riacho e nunca os tirou; e eu me transformo no cara para quem o tempo parou, parou para ele observar a barriga da mulher preparando outra pessoa; é a canção no meu coração.

Mas para Cioran existem seres que são condenados a saborear somente o veneno das coisas, para quem toda a surpresa é dolorosa e toda a experiência uma nova tortura.

Também já estive lá, nas experiências mais tristes que a alma humana pode suportar. E fui o senhor e o escravo de mim; e me libertei. Só eu sei o que sofri. Mas será que existe algum critério para medir o sofrimento? Quem então poderia certificar que meu vizinho sofre mais ou menos do que eu? 

Toda a hierarquização do sofrimento torna-se impossível e leviana. Saio de mim. Abandono os livros. Abandono o meu umbigo grande. Estou mais leve. Meu andar é calmo. Porque ser significa ser para o outro e, através dele, para si.

O homem não tem um território interior absoluto, está todo e sempre nas fronteiras, olhando para dentro de si: ele olha o outro nos olhos ou com os olhos do outro.

O sorriso de minha filha adoça toda a amargura do meu ser. Acredito, numa fração de segundos, que temos uma chance, uma única chance, e ela é desarmada, é bondosa e, principalmente, não julga. Mas carece de sacrifício, de doação silenciosa e abnegada.

(A imagem de Santa Teresinha me traz paz e serenidade). Porque é o único lugar que nos sobrou, o último vagão, a última ficha. E quem sabe um dia, a gente compreenda de verdade alguma coisa daqui. E talvez não seja nada do que a gente imaginou.

Quem sabe o tempo não seja apenas uma fábrica de monstros e nem somente um acúmulo de mitos. Quem sabe Deus seja mesmo três. E quem sabe, no fundo, não passamos de um bando de amigos e amigas tentando o impossível nesta terra de persistente desespero!