Cassiano Antico

Descobri em mim um interesse apaixonado pela vida

 
Um santo triste é um triste santo
-- Dom Bosco

Dom Bosco, o Salesiano, dizia que "Um bom santo dá um bom bandido".

Quando vejo um "bom" bandido, um bandido que tem a manha de fazer o seu trabalho, penso: talvez seja um santo no sentido oposto, na contramão. É a sinalização do mundo que é toda zuada, errada. Domingos Sávio disse a Dom Bosco: "Eu quero ser santo". Bateu o pé. Dom Bosco perguntou: "Não serve ser médico? Ou engenheiro?" Domingos Sávio estava decidido: "Não e não. Quero ser santo". Então Dom Bosco arrematou: "Tome cuidado com sua tristeza, meu filho, porque um santo triste é um triste santo".

Eu gosto de ver algo de bom em mim. Sem ficar falando pros outros  (parece que depois que verbalizo perde a graça e, principalmente, o valor). É uma sensação tão genuína como a exatidão expressa nos olhos de um moribundo. Os olhos do meu avô... Eu, que já quebrei a coluna (segunda vértebra da lombar) - dei balão na morte tantas vezes -, tenho causado inveja no gato gordo do vizinho. E hoje, dia do cachorro, dia importante - depois de descer ruas e mais ruas com minhas filhas de patinete -, feliz como um cão sem dono: encontro um velho amigo pelo caminho.

Ele abre o sorriso mais sincero do mundo, fala pouco, e seus olhos dizem muito. Ele já me viu sofrendo tanto, e hoje é testemunha da vida e da alegria que andam comigo. Ele está feliz por mim. Dodó escala os meus ombros. Meu amigo ri. Descobri em mim um interesse apaixonado pela vida.

Diferentemente das conversões fervorosas que não duram uma semana; ou duram como um pequeno resíduo no cérebro. Nada supera a beleza e o desejo simples de viver. 

E mudando o texto de ramo, ou melhor, alongando-o, eu nunca soube lidar com os sentimentos maus. E o fato de abominá-los, rejeitá-los com tanta intensidade talvez tenha feito com que eles arrancassem, roubassem mais de mim do que conseguiriam naturalmente. Eles já iriam me esfolar mesmo, de um jeito ou de outro, né? Mas parece que pelo fato de odiá-los, eles acabaram me esfolando mais. Ou estava lá, tentando falar com Deus através da oração; rezava até dois rosários. E nos trabalhos voluntários em que me jogava. E via o pouco (quase nada) que podia fazer pelo próximo...

Mal (porcamente) consigo ajudar a mim mesmo. Ou tentava encontrá-LO com mais devoção trancado naquele banheiro sujo, sem ninguém por perto. Naquela canção no repeat a noite toda, a manhã toda. No sexo compulsivo com as mulheres. Nos livros. Naquela conversa honesta com o meu amigo. Num monte de lugares. Nos votos que fiz (por um período) secretamente de castidade, obediência e pobreza.

Quanta inocência! Nas minhas mais variadas e paradoxais vaidades. Eu sempre quis encontrar Deus! Quem quer encontrar Deus pode ficar louco. É na simplicidade.

 
Suporta de bom grado os defeitos alheios, se queres que os outros suportem os teus
-- Dom Bosco

E Deus está em todo lugar; nas minhas filhas, nos meus amigos, no vento que me lambe o rosto e que não posso ver, nas pequenas vibrações elétricas dos meus dedos, nos meus tombos, na força para levantar sete vezes.

E se eu não me matei e nem morri (de vez) até hoje, acredito que qualquer louco, santo, pecador, famoso, anônimo, bípede: consegue sobreviver nesse mundo. Se quiser, é claro. 

A vida, apesar de tudo: vale a pena. Mesmo quando Quasimodo chega tarde demais e assiste à execução pública da amada Esmeralda. Quasimodo sofre impotente toda a dor do universo; a maldade e as injustiças humanas dilaceram o seu coração gentil. E como é comovente quando muitos anos depois o seu corpo é encontrado no túmulo da amada. Deve significar algo, né? O amor que nos faz suportar tudo que existe no labirinto do Fauno.

De minha parte, continuo minha caminhada quixotesca de tentar encontrar pureza em tudo que é impuro; simplicidade em tudo que é esnobe; luz em tudo que é escuridão. As crianças são os verdadeiros mestres.