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Pensei em não escrever nada, zero, porque estou de luto. Pensei em deixar a página em branco, ou em preto, ou com todas as cores; como os anjos da guarda de minhas filhas. Mas morte é certa para todos nós. E, como definiu Schopenhauer, cada vez que respiramos, afastamos a ceifadora. No final, ela vence. E vence os bons, os maus, os gentis, os bêbados, os abstêmios, os corruptos, os pudores ambulantes, os devassos, os canastrões e até os cults.
Desde o nascimento esse é o nosso destino e ela brinca um pouco com sua presa antes de devorá-la. Mas continuamos vivendo com grandes ilusões de sucesso e coisa e tal e inimigos reais (e uma porrada de inimigos imaginários) e vaidades: pelo maior tempo possível, "da mesma forma que sopramos uma bolha de sabão até ficar bem grande, embora tenhamos absoluta certeza de que vai estourar", conclui o filósofo.
Mesmo sabedores da fina película que é a vida não somos capazes de nos amar e muito menos de nos respeitar. A vida é um milagre, e só o fato de podermos passar uma temporada aqui deveria ser motivo de alegria e celebração e não de guerra e ganância ou bomba atômica. Ou não? É para ser assim mesmo?
O fato é que acabo de ser o cavalo que carregou no lombo uma linda garotinha que disse que estávamos voando, voando, e sua risada foi como o grito primordial, a água nascendo na fonte, o bebê dando o primeiro gole no leite materno, o afeto desmedido e gratuito, inimigos se perdoando e se abraçando, a vida renascendo. E, por um momento, por uma fração de segundo, o amigo morto estava vivo não apenas em minha imaginação, mas em cada fibra do meu corpo que caminha, que digita, e que, como todos nós: terá o mesmo fim. A única coisa que muda é o horário do trem, a última "live".
Espero que a morte não me encontre com a testa franzida, com a baba da blasfêmia ou com dedos apontados; mas com um sorriso no rosto. Que é como ela topou com o meu amigo hoje.
Ele riu na cara da morte como uma criança que brinca de fazer bolas de sabão na aula de "olho por olho e dente por dente", ministrada por um sujeito inflamado como Heinrich Himmler. Que é a lei que governa o nosso mundo.
Só os gentis e os corajosos para profanarem tal mandamento.