É preciso relembrar a história de luta e conquistas dessas mulheres
Hoje, sábado, 25 de julho, comemora-se, o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data, que foi instituída no ano de 1992, reuniu grupos femininos negros de 32 países da América Latina e do Caribe em Santo Domingo, na República Dominicana, para denunciar opressões e debater soluções na luta contra o racismo e o sexismo.
Esse encontro ficou marcado na história e foi reconhecido pela ONU como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e da Diáspora, celebrado em 25 de julho.
Passados 28 anos dessa reunião, evidencia-se que pouca coisa mudou na vida destas mulheres negras. Ainda é grande o abismo que separa mulheres negras de outras camadas da sociedade no acesso a serviços básicos e oportunidades no Brasil.
Dados divulgados este ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que em 2019, que as mulheres negras têm uma média salarial 56% menor que a de homens brancos – 3.138 reais para eles e 1.394 reais para elas.
Além disso, os lares chefiados exclusivamente por mães solo e negras estão entre os mais vulneráveis: 13,9% não possui abastecimento de água e mais de 40% está sem tratamento de
esgoto.
Em pelos menos 11% desses lares há um adensamento excessivo dentro das casas. Essa situação é particularmente alarmante no contexto atual de pandemia da COVID-19, em que higiene e distanciamento físico são imprescindíveis para a prevenção do contágio.
“Estamos vivendo um momento importante, no qual enfrentamos uma emergência sanitária sem precedentes”, diz Dominique Day, vice-presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes. “O que as mulheres negras exigem é nada além de justiça social, justiça racial e igualdade de oportunidades e qualidade de vida para si, para seus filhos, suas comunidades”.
Assim como os dados sobre a disseminação do vírus da COVID-19 no país, os números da violência doméstica nesse período também podem estar subnotificados.
Diante disso, diversas organizações e o governo federal têm lançado campanhas sistemáticas de conscientização, enfatizando os canais de apoio — como o Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.
Segundo dados do governo, em abril deste ano, no ápice do período de distanciamento social, a central registrou um aumento de 35,9% no relato de casos de violência contra mulher, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Além de serem as mais afetadas nos casos de agressão doméstica, mulheres negras também estão mais suscetíveis a sofrer outros tipos de violência: segundo o Atlas da Violência 2019, 60% de todas as mulheres assassinadas no Brasil eram negras.
“Nesse momento em que as pessoas estão falando sobre como realmente desmantelar o racismo sistêmico, temos que pensar nas intersecções que ocasionam a misoginia, a homofobia e todo tipo de vulnerabilidade em nossas vidas”, afirma Dominique Day.
Para que essas mudanças ocorram, é preciso empoderar mulheres negras como tomadoras de
decisão na sociedade, de modo que elas deixem de ocupar apenas o campo de beneficiárias de políticas públicas e ocupem também o campo da articulação — algo que ainda está longe de se refletir nos números.
O relatório Dívidas de Igualdade, publicado em 2018 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), mostra que em alguns países da região o índice de representatividade de mulheres afrodescendentes entre os legisladores dos parlamentos nacionais não chega a 1% em países como Colômbia, Costa Rica e Uruguai e Venezuela. Os números também são extremamente baixos em Brasil (1,3%), Peru (2,3%) e Equador (3,6%).
Valdecir Nascimento, do Instituto Odara da Mulher Negra, em Salvador (BA
Para Valdecir Nascimento, do Instituto Odara da Mulher Negra, em Salvador (BA).não existe mais espaço para a omissão. “É hora de quem acredita e apoia os direitos humanos caminhar junto com as mulheres negras, porque aí sim poderemos
dizer que estamos construindo um ‘novo normal’ de fato”, conclui.
“Acho importante o movimento da ONU em nossa direção porque tem sido um veículo estratégico para fazer ecoar nossas vozes, de nos colocar na cena. Isso é muito importante e precisamos que todos os setores da sociedade se engajem da mesma forma.”
“Como diz a (professora e filósofa norte-americana) Angela Davis, quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”
O coordenador-residente da ONU no Brasil, Niky Fabiancic, reforça que as mulheres afro latino-americanas, caribenhas e da diáspora são a chave para pensarmos novos sentidos para democracia, igualdade e justiça social.
“Reconhecer que nossas sociedades têm deixado mulheres negras para trás é um passo indispensável para que possamos tomar medidas práticas para combater o racismo e o sexismo”, afirma Fabiancic.
“A pandemia de COVID-19 deixou ainda mais clara a urgência de garantirmos que os esforços pelo desenvolvimento sejam inclusivos; não podemos construir um mundo mais justo, seguro e sustentável sem igualdade de oportunidades para todas e todos, principalmente quem está em situação vulnerável, como as mulheres negras.”
Adotado oficialmente no Brasil desde 2014, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e da Diáspora marca também uma homenagem a Tereza de Banguela, líder quilombola no século 18 e exemplo de luta, força e resistência da mulher negra contra a escravização e a opressão.