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Governos e empresas mostram como sair do isolamento e recuperar a economia

As indústrias estão tomando medidas para garantir a segurança dos trabalhadores

Foto: Agência CNI de Notícias/Reprodução
Indústria
O reinício das atividades tem se dado em segmentos mais impactados pela crise e com menor risco de disseminação do vírus

Manter as práticas de distanciamento social e o uso de equipamentos de proteção. Checar a temperatura dos funcionários. Testar, isolar e rastrear contatos, desinfetar ambientes e restringir viagens de negócios.

Essas são as principais orientações adotadas pelos países que iniciaram, de maneira lenta e gradual, programas de reabertura da economia após as restrições impostas pela pandemia da Covid-19.

Respeitando as peculiaridades de cada segmento econômico e de cada região, as indústrias estão retomando sua produção, mas buscando garantir a segurança dos trabalhadores.

Não se trata de uma retomada imediata de todos os negócios, mas da redução dos bloqueios a setores ou atividades econômicas segundo a possibilidade de disseminação do vírus e o estado de vulnerabilidade em que se encontram as pessoas associadas à produção em cada setor.

Com base nas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o reinício das atividades tem se dado em segmentos mais impactados pela crise e com menor risco de disseminação do vírus. Após a avaliação dos resultados dessa primeira etapa, a abertura deve ser estendida aos demais, de forma a evitar uma segunda onda de contaminação. 
 
A redução das restrições exige que sejam respeitadas regras de higiene e de distanciamento social, com uso de máscaras e luvas, desinfecção constante de superfícies e objetos, limite do número de pessoas em um mesmo ambiente, incentivo ao teletrabalho e escalonamento do horário de trabalho, entre outras medidas.

De uma maneira geral, os critérios propostos pela OMS foram adotados pela Comunidade Europeia e pelos Estados Unidos, mas aplicados de maneira diferente em cada país ou região.

Na China, onde começou a pandemia, a reabertura da economia, iniciada em março, também ocorreu por fases e regiões. O uso de máscaras de proteção, medidas de higienização e distanciamento nos locais de trabalho foram práticas incorporadas à rotina dos funcionários de fábricas e do comércio como medidas preventivas.

A Volvo Car, pertencente à chinesa Geely, retomou, na primeira quinzena de março, as atividades em suas três fábricas de veículos e em uma de motores, localizadas em quatro cidades.

"Os protocolos elaborados por outros países estão sendo bem adaptados à realidade brasileira" - Flávio Calife, economista-chefe da Boa Vista SCPC

A reabertura na Europa aconteceu de maneira diferente em cada país, levando em conta, também, a situação regional e de cada setor econômico.

Na Alemanha, um dos países menos afetados pela Covid-19, as fábricas que haviam fechado começaram a reabrir no final de maio, mantendo o distanciamento entre os funcionários e o uso de máscaras, além da medição da temperatura e da aplicação de testes frequentes para detectar a presença do novo coronavírus entre seus trabalhadores.

Nas ruas, as medidas que evitaram a aglomeração de pessoas estão sendo reduzidas gradativamente rumo à normalidade, enquanto os gráficos mostram uma tendência de arrefecimento da crise por lá.

A França, por exemplo, estabeleceu 17 prioridades no processo de saída do confinamento, tais como a reabertura de escolas, a volta ao trabalho nas empresas, o funcionamento normal do transporte público, uma política de testagem em massa e o apoio a pessoas idosas.

Na Itália, bastante afetada pela Covid-19, o plano de saída do confinamento ainda tem diversas restrições ao movimento das pessoas. Embora as escolas devam permanecer fechadas até setembro, as fábricas, que haviam iniciado um processo de reabertura em abril, já funcionam na maior parte das cidades.

Estratégia americana

País mais afetado pela pandemia, os Estados Unidos elaboraram um plano de três fases para sair do isolamento, mas cada estado tem liberdade para decidir quando adota cada etapa.

A primeira fase prevê distanciamento social, a segunda libera o funcionamento de estabelecimentos e atividades não essenciais, como bares e viagens a turismo, e a terceira permite que pessoas dos grupos de risco voltem a circular em público.

Os princípios e critérios são muito semelhantes aos da OMS e da Comissão Europeia. Durante as três fases, recomenda-se a todos os indivíduos que mantenham boas práticas de higiene e permaneçam em suas residências o maior tempo possível.

Para as empresas, a orientação é manter as práticas de distanciamento social e o uso de equipamentos de proteção, o monitoramento de casos e a restrição de deslocamentos e contatos. 

Cidade com maior número de casos nos Estados Unidos, Nova York, “a cidade que nunca dorme”, começou a reabrir suas portas em 8 de junho, depois de mais de dois meses de confinamento e exatos 100 dias após o primeiro caso confirmado de Covid-19.

Pelo plano adotado na cidade, o primeiro dia de reabertura parcial permitiu o retorno da construção e das manufaturas.

As lojas podem fazer entregas nas calçadas ou dentro dos seus comércios, para clientes que tenham feito compras online. Bares e restaurantes só poderão abrir na fase três, quando também estarão autorizados a funcionar teatros e museus.

Isso, entretanto, ocorrerá possivelmente no fim de julho e com limitações na ocupação de cada local. 

Reabertura com cautela

Foi com base nas experiências de outros países que alguns estados brasileiros começaram, ao longo do mês de maio, a retomar ou planejar o reinício das atividades econômicas. Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo são alguns dos estados que já iniciaram, de modo cauteloso, programas de reabertura econômica.

Amilcar Tanuri, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende que a quarentena já cumpriu o seu papel e conseguiu achatar a curva de casos.

“A quarentena perdeu a força. É preciso uma nova estratégia, como vários governos estaduais estão tentando” 

Segundo Tanuri, entretanto, é preciso fazer isso analisando a situação caso a caso. “A queda de incidência da doença tem que ser acompanhada de uma maneira muito mais precisa pelos órgãos, inclusive com estudos para medir a incidência quinzenalmente. É preciso um plano responsável de abertura”, opina o professor da UFRJ.

Virologista-chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da instituição, Amilcar Tanuri também recomenda uma reabertura gradual, como a adotada na Europa, desde que os casos sejam monitorados.

“Cada cidade deve testar amostras aleatórias da sua população para identificar se há crescimento da epidemia a tempo para que novas medidas sejam adotadas”, explica Tanuri.

“É preciso se antecipar”, diz o professor. Ele considera, entretanto, que os programas de testagem deveriam adotar o sistema RT-PCR (reação em cadeia de polimerase em tempo real), considerado por ele como mais eficiente. Esse teste usa amostras de secreção do nariz ou da garganta, em vez do sangue. 

Flávio Calife, economista-chefe da Boa Vista SCPC, avalia que o processo de reabertura da economia brasileira já incorpora parte da experiência internacional.

“Os protocolos elaborados por outros países estão sendo bem adaptados à realidade brasileira. Sabemos que manter o distanciamento, evitar aglomerações, usar máscaras e aumentar as medida de higiene funciona”. O maior desafio, entretanto, é o processo de abertura na cidades maiores, onde há maior aglomeração de pessoas, diz ele.

Dados no RS

Em vigor desde a primeira quinzena de maio, o modelo de distanciamento controlado do Rio de Grande do Sul estabeleceu protocolos de prevenção à disseminação do novo coronavírus conforme a cor da bandeira que indica o risco em cada uma das 20 regiões em que o estado foi dividido num programa de monitoramento.

Os municípios foram classificados entre as bandeiras amarela (risco baixo), laranja (médio), vermelha (alto) e preta (altíssimo). Em todos os casos, entretanto, são obrigatórios o uso de máscaras de proteção, os limites de ocupação nos estabelecimentos e o distanciamento de dois metros entre as pessoas. 

Gilberto Petry, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), explica que a elaboração do plano de distanciamento controlado contou com a participação do setor privado.

“O governo pediu uma série de informações dos setores produtivos e, antes do plano ser anunciado, fomos consultados para avaliar e apresentar sugestões”, conta o dirigente. Desde então, todos os sábados, o governo avalia se é necessário algum ajuste, atualiza a bandeira de cada região e  define o que pode continuar funcionando, explica Petry.

Segundo ele, o plano levou em conta não apenas as especificidades de cada setor econômico, como ter mais contato com o público (comércio e serviços) ou não ter contato direto (indústria), mas também as características individuais de cada segmento industrial (maior proximidade ou não dos trabalhadores). 

Petry destaca que alguns setores, considerados essenciais mesmo durante a pandemia, não tiveram as atividades interrompidas. “Na minha empresa, por exemplo, produzimos e fazemos manutenção de caldeiras para vários clientes, entre eles hospitais.

Como os funcionários já trabalham isolados, adotamos outra medidas preventivas e estamos fazendo a testagem. Até agora não deu nenhum positivo”, diz o presidente da FIERGS.

Segundo ele, sua empresa também distribuiu material para os funcionários sobre os sintomas da Covid-19 e os cuidados que deveriam ser adotados em casa e fora do ambiente de trabalho.

“O gaúcho é muito obediente. Mandou fazer uma coisa, fica todo mundo em casa. Nós conhecemos o inverno. Todo ano tem aquela questão de doenças como gripe e resfriado. Aqui o sujeito fica gripado, ele sabe que vai ter que ficar em casa um ou dois dias, senão não cura”, explica Petry. A conscientização da população, lembra o executivo, é fundamental para que os novos casos de Covid-19 não fujam do controle, e cita como exemplo a máscara de proteção, que passou a ser usada por todos no estado quando se tornou medida obrigatória.

O caso mineiro

Em Minas Gerais, onde o governo estadual lançou o plano de reabertura Minas Consciente, ao qual a adesão dos municípios é voluntária, Fernando Passalio, secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico, diz que não foi elaborado um programa de flexibilização, mas sim um plano de convivência harmônica com isolamento.

“Imagine que você está em casa, dando uma de eletricista e pega dois fios desencapados. Você passa fita isolante. Eles estão juntinhos, mas estão isolados. É mais ou menos esse o conceito”, explica Passalio.

"O programa Minas Consciente funciona em plena harmonia entre o desenvolvimento econômico e a proteção à saúde" - Fernando Passalio, secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais

O Minas Consciente classifica as atividades na onda verde (atividades essenciais), na onda branca (baixo risco), na onda amarela (médio risco) e na onda vermelha (alto risco).

Elas são liberadas de forma progressiva, conforme os indicadores de capacidade assistencial e de propagação da doença.

"O objetivo é salvar vidas”, diz o secretário. Segundo ele, “o programa funciona em plena harmonia entre o desenvolvimento econômico e a proteção à saúde".

A mudança de uma onda para outra só acontece após avaliação do governo estadual, que mantém uma atuação coordenada com os municípios.

Assim como o programa adotado no Rio Grande do Sul, o plano mineiro também traz regras específicas para cada segmento econômico. Passalio diz que, a cada semana, há uma avaliação dos pedidos de abertura de novos segmentos econômicos.

Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), afirma que o diálogo do governo com o setor privado foi importante para elaborar uma  proposta de abertura consciente.

“Tivemos que preparar a estrutura hospitalar e difundir a utilização de máscaras e álcool em gel. Vi, dentro das empresas, as melhores práticas em relação à área de saúde”, conta o dirigente.

Com isso, diz ele, “foi possível uma retomada econômica em conjunto com a saúde humana”. Roscoe lembra que, em Minas, a indústria foi considerada uma atividade essencial desde o início da pandemia e que o setor não registrou muitos casos de coronavírus até aqui.

O presidente da FIEMG até considera que a manutenção das atividades da indústria pode ter contribuído para o aumento do conhecimento dos trabalhadores sobre a Covid-19.

“Aqui em Minas, no segmento industrial, o trabalhador recebeu muita informação a respeito da pandemia. Recebeu também máscara e álcool em gel. Além disso, as empresas adotaram medidas preventivas e, quando necessário, ampliaram o isolamento dentro das fábricas”, relata Roscoe.

Esse movimento de reabertura, entretanto, deve ser implementado com muita cautela. Gonzalo Vencina, professor da escola de medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que as regras de retomada das atividades devem considerar que o Brasil ainda pode estar num momento de crescimento de casos de Covid-19.

“Discutir o assunto é positivo, até para que cada um veja qual o seu papel. Afinal, nós não vamos sair dessa crise só com a ação do Estado. Tem que ter ação das empresas e ação das pessoas”, diz Vencina, mas ele lembra que ainda não é possível dizer que a pandemia passou. 

Segundo ele, cabe ao Estado assegurar que seja mantido o distanciamento social, evitar aglomerações e ampliar o número de testes do novo coronavírus.

“Essa questão da testagem é uma coisa muito importante. Acho que a maioria das pessoas não entendeu o que é; o Estado não entendeu o que é”, afirma. Vencina defende que todos os sintomáticos devem ser testados.

“Se o sujeito tem sintoma, tem que testar e isolar. Deu resultado positivo, tem que testar cinco contatantes dele. Se um desses cinco der positivo, tem que testar cinco contatantes desse positivo e ir até acabar os contatantes positivos”, explica o professor da USP, que também prefere o teste RT-PCR.

O papel das prefeituras

No Mato Grosso, onde a suspensão de atividades econômicas ficou a cargo dos prefeitos devido a uma decisão da justiça estadual, as empresas industriais estabeleceram protocolos de segurança com o apoio do Serviço Social da Indústria (SESI).

“Esses protocolos ajudaram a reduzir os casos em fábricas de alimentos e outras indústrias que não puderam parar”, afirma Gustavo de Oliveira, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT).

Em um segundo momento, esses protocolos foram reconfigurados para atender outros segmentos industriais.

Hoje, segundo ele, há protocolos estabelecidos para todos os segmentos industriais e para todos os portes de negócio.

“De uma maneira básica, os protocolos priorizam a segurança de todos que acessam o ambiente industrial: os trabalhadores, os clientes e os fornecedores”.

Esses protocolos, explica Oliveira, “visam não só cuidar do ambiente de trabalho e da pessoa no ambiente de trabalho, mas também destacam a importância do comportamento e de hábitos seguros”.

Ele afirma que a experiência tem mostrado que é fundamental a estratégia de acompanhamento e conscientização pública.

Em Cuiabá, capital do estado e cidade mais afetada no Mato Grosso, o diálogo com a prefeitura foi fundamental para retomar algumas atividades inicialmente suspensas.

“A prefeitura decretou o fechamento de muitos setores econômicos, entre eles as indústrias não essenciais, mas mostramos, com base no número de trabalhadores por setor e por bairro, que tínhamos protocolos de atuação e mecanismos de monitoramento. Sem essa estratégia, a reabertura não seria possível”, explica.

Na avaliação de Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil tem estados e regiões em diferentes situações em relação à pandemia do novo coronavírus e isso dificulta saber exatamente em quais locais essa retomada é possível hoje.

Segundo ele, o momento é de preservar a vida e a saúde das pessoas, mas também é preciso planejar essa volta com base em dados e critérios técnicos, sem uma politização do tema.

“Acho que a gente tem que planejar o retorno das atividades econômicas segmentando por regiões, segmentando por setores da indústria e levando em conta o número de contaminados”, afirma.

Baseada nas experiências internacionais analisadas pelo SESI, a CNI manteve funcionários em grupo de risco trabalhando em home office, mas os demais já retomaram suas atividades presenciais na sede, em Brasília.

Para entrar no prédio, é preciso antes limpar o calçado em um tapete especial, além de passar por uma medição de temperatura. O uso da máscara é obrigatório na entrada e durante todo o horário de trabalho.

Em todos os andares, foi disponibilizado álcool em gel em vários pontos e nos banheiros só uma pessoa pode entrar por vez. Além de campanhas de comunicação, a distância entre as estações de trabalho foi ampliada para dois metros.