A pandemia de Covid-19 tem implicações que vão além das questões de ordem biomédica e epidemiológica, provocando efeitos, também, nos campos social, econômico, político, cultural e histórico.
É com o olhar voltado para todos esses aspectos que pesquisadores de diversas instituições de pesquisa do país estão envolvidos em um estudo que irá investigar os impactos da doença sobre a população.
A pesquisa terá como foco os profissionais de saúde e grupos vulneráveis, como idosos em isolamento social, motoristas de aplicativos, pessoas que trabalham com entregas em domicílio e profissionais do meio artístico.
Encomendado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o estudo está sob coordenação dos pesquisadores Jean Segata, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Denise Nacif Pimenta, da Fiocruz Minas.
O projeto intitulado A Covid-19 no Brasil: análise e resposta aos impactos sociais da pandemia entre profissionais de saúde e população em isolamento integra a Rede Covid-19 Humanidades, criada para mobilizar cientistas de diferentes áreas das ciências sociais e humanas e de institutos e universidades de diversas regiões do Brasil, visando produzir conhecimentos que permitam compreender os impactos da pandemia no Brasil.
Também fazem parte dos núcleos da Rede os pesquisadores Gustavo Matta, da Fiocruz; Marcia Grisotti, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Brasil Plural-UFSC; Marko Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e Dalton Lopes Martins, da Universidade Federal de Brasília (UnB).
O estudo será realizado em diversas cidades, distribuídas em onze estados do país, com o intuito de verificar as diferentes formas de como a doença é vivenciada.
“Uma das questões fundamentais de se pensar é que, quando se fala que é a pandemia é vivida em escala global, não significa que ela seja vivenciada de forma igual, homogênea, universal. A despeito de a Covid-19 ser uma doença com uma mecânica biológica padronizada, a maneira como a doença se revela socialmente é diferente e depende de uma série de questões. E este estudo, por estar na área das ciências humanas sociais, é uma oportunidade interessante para buscar entender as diferentes experiências da população em relação à doença”, explica o pesquisador Jean Segata, da UFRGS.
Segundo Segata, a base da Rede Covid-19 Humanidades, que está responsável por este estudo, é a Rede Zika Ciências Sociais da Fiocruz, criada em 2016, em decorrência da epidemia de zika.
Dessa forma, é composta por pesquisadores que já vinham trabalhando em parceria e trazem um acúmulo de experiências que será importante para a realização de uma pesquisa com essa abrangência.
“Temos, nessa Rede, um contingente de pessoas que já estavam organizadas e que já contam com uma forte competência instalada em pesquisa em diversas localidades. Boa parte da cobertura dos 11 estados onde o estudo vai ocorrer será por meio da Fiocruz, que conta com pesquisadores de ciências humanas em suas diversas unidades do país. Então, a pesquisa não poderia acontecer se não fosse por uma rede. Não seria possível fazer um estudo com essa abrangência, se não houvesse esse espírito cooperativo. Ciência se faz por meio dessas parcerias interinstitucionais”, destaca.
Dois eixos
A pesquisa será divida em duas frentes de trabalho. Uma delas estará voltada para os profissionais de saúde, tendo por objetivo verificar os efeitos da pandemia em diferentes contextos de atuação e níveis de exposição à doença.
“Um dos objetivos do projeto é mapear e compreender a difícil e complexa realidade pelo qual os profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, agentes comunitários em saúde, agentes de combate às endemias, agentes de saúde indígena, dentre outros estão se articulando em diferentes contextos e territórios para fazer frente à pandemia. Almeja-se desenvolver estratégias de fortalecimento da Atenção Primária em Saúde, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) na resposta à Covid-19, focando em seu papel de translação do conhecimento biomédico e social. Além disso, aspectos éticos, relações de gênero, etnicidade e interseccionalidades também serão explorados”, explica a pesquisadora Denise Nacif Pimenta.
A outra frente está voltada para os grupos vulneráveis, que inclui idosos, motoristas de aplicativos, entregadores em domicílio e profissionais do meio artístico.
No caso dos idosos, o estudo pretende focar naqueles que tinham uma vida social ativa e que, diante da pandemia, estão com a rotina alterada devido ao isolamento social.
Em relação aos motoristas de aplicativos e entregadores em domicílio, a intenção é jogar luz sob este grupo que já vivia em uma situação de precariedade do trabalho mesmo antes da pandemia, com rotinas produtivas que duram até 15 horas.
Já no que se refere aos artistas, o objetivo é avaliar os impactos da pandemia entre os que ficaram sem trabalho, os que estão precisando se reinventar e também entre os que já têm uma carreira consolidada e estão desenvolvendo ações para aliviar as tensões, por meio de lives.
Iniciado no mês de junho, o estudo terá duração de 20 meses, contando com o aporte financeiro de 2 milhões de reais. Para realizá-lo, devido às medidas de isolamento social, estão sendo empregados instrumentos e técnicas de pesquisa que não exigem a presença física ou a interação face a face.
Tais metodologias para pesquisas em ciências humanas e sociais em meios digitais já vêm empregadas nas últimas duas décadas e têm demonstrado serem adequadas para a realização de pesquisas dessa natureza.
“Dos 11 projetos encomendados pelo MCTIC, este é o único que irá se dedicar integralmente à pesquisa em ciências humanas e sociais para análise e compreensão dos impactos sociais da pandemia no Brasil. Por meio desta Rede de antropólogos, psicólogos, historiadores, sociólogos, dentre diversos outros campos das ciências humanas, se fortalecerá parcerias para não só desenvolver pesquisas, mas sobretudo, envolver a sociedade civil na produção do conhecimento científico e criação de políticas públicas mais justas para a mitigação do impacto social da pandemia”, destaca a coordenadora.