Cassiano Antico

Lição de criança para adultos à procura de uma estrela-guia

Foto: pxhere/Creative Commons

Valentina (6 anos) veio até nosso quarto, um pouco antes da hora de dormir, com um pequeno caderno aberto sobre as mãos e nos leu o seu primeiro poema. Ela não precisava fazer nada. Ela é a própria poesia. E ainda nem foi alfabetizada. Será ano que vem, quando irá para a primeira série. Mas já conhece o alfabeto, escreve cartas, tem um diário. E ver minha filha ali, lendo pra gente, sob a frágil luz do abajur: foi emocionante. Como se o branco do teto do quarto se transformasse num céu estrelado, um jardim encantado.

E aquela criança falava sobre o dilema de um outro ser vivo que mora no mar e que gostaria de ser humano: "Para poder andar e correr". E quando tem êxito, acaba não curtindo a experiência porque "Os humanos não conseguem respirar e nem conversar debaixo d'água". E conclui: "Não, não gostei de ser um humano".

 
Eu estou aqui/E não tenho nada a dizer/E estou dizendo/E isto é poesia
-- John Cage

Empatia! Valentina, apesar da tenra idade já é capaz de se colocar no lugar do outro. Foi isso que me comoveu. Não foi toda articulação que ela tem e que encanta todo mundo. Não foi aquele sorriso que parece ter sido esculpido pelas próprias mãos de Deus. Não foi só tudo isso. Foi seu coração. Coração generoso. Sua capacidade de colocar num pedaço de papel sentimentos contraditórios.

Porque vendo a terra fora da terra, de longe, do alto: percebemos facilmente que não há nenhuma separação aqui embaixo. Nenhuma bandeira, cercado, máquina de tortura, feio, bonito, alto, baixo, nenhum passaporte. Nenhuma separação entre nós e a natureza.

Minha mulher tem muitos livros de arte, de fotografia, de astronomia. E fico observando nosso planeta pelas imagens, por diversos ângulos, variadas "lentes" que encontro transpostas nos livros. E daqui debaixo, muitas vezes, me pergunto: O que está acontecendo? A gente não sabe.

A alma tem seus tornados, redemoinhos assustadores onde tudo se mistura, o céu, o mar, o dia, a noite, a vida, a morte, de maneira incompreensível. É o tio que você tanto ama que fecha a conta, que morre, que dá o fora. É o amigo esmagado naquele acidente fatal. É o câncer terminal sem aviso prévio mudando sua agenda. 

 
Esta vida é uma estranha hospedaria. De onde se parte quase sempre às tontas, pois nunca as nossas malas estão prontas. E a nossa conta nunca está em dia
-- Mário Quintana

O real, muitas vezes, deixa de ser respirável. Somos esmagados por coisas nas quais não acreditamos. O nada se torna um tsunami japonês. O infinito nos bate na cara. Ficamos desnorteados. Desejamos uma estrela-guia... Por favor! Ou que um dos três reis magos: Belchior, Baltazar ou Gaspar nos diga o que fazer, nos mostre o caminho certo. Nos dê um help. Não é assim? Nos aponte a luz. Como se tais coisas existissem: caminho certo, pisca-pisca indicativo, placas de destino, hora de chegada.

Sinto que a viagem está acontecendo agora, neste exato momento... Tem um tíquete só de ida no bolso de cada um de nós e um coração de criança que nos faz lembrar quem somos. Que façamos valer a jornada!