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Fiódor Dostoiévski
Quando minha filha Valentina era mais nova (e olha que mês que vem ela completa seis anos; ela devia ter uns três) me pediu pra assistir "Alvin e os Esquilos" (coisa que faço até hoje) com ela. No começo achei a voz do carinha, do animalzinho, do esquilo/menino: chata. Mas minha filha parecia estar tão feliz ao meu lado, que eu até passei a gostar da voz do personagem, como por um passe de mágica.
Não vale ficar olhando pro celular, pro meu pensamento triste, pro relógio, não vale ficar longe dela. Ela se certificava toda hora: "Papaie"... Tão doce, tem tanta bondade, pureza, inocência que me quebra as pernas. Ela quer que eu seja feliz. Quer que o papagaio, que o amigo do Alvin, que a velha maldosa, que a mãe: que o mundo inteiro seja feliz. Que sinto o meu coração acelerar de um jeito descompassado, acelerado, me mostrando a urgência da vida. Até eu achar que não vou mais suportar...
E, de repente, o tambor do lado esquerdo do meu peito volta a bater calmamente, suavemente: me proporcionando paz e tranqüilidade. Vontade de amar, perdoar tudo e todos. Perdoar de novo. Sete mil vezes. E quem sabe, até me perdoar. Pois é. Me permitir tal proeza.
Quem sabe? Ela quer que eu esteja aqui, junto. Que eu esteja presente. Senão é melhor nem "ir", né? Ela sabe que eu não sou nenhum daqueles bonecos de plástico, de pelúcia, que não sou uma Polly e muito menos um Cat Noir.
Ele já viu um machucado no meu pé. Sabe que eu sangro. Dá mais importância pro brincar comigo do que pro presente. O presente fica sem sentido, sem importância, fica em segundo plano. Eu sou o pai dela. Fala isso como se isso representasse algo ou alguém realmente importante. Como se fosse a maior honra do mundo o "mala" aqui sentar no chão ao seu lado. "Fica no meu quarto comigo, papai". "Senta no chão, papai". E fica feliz da vida com um gelinho de cinquenta centavos da loja da Chinesa.
Meus Deus! E a gente come com as mãos. E a gente monta um pequeno escorregador. E a gente fica imaginando que uma pequena caixa azul é uma piscina enorme e que podemos até nadar ou mergulhar nela com aqueles brinquedos todos que estão pelo quarto. Nossas simples invenções, criações.
Alí somos deuses. E o mundo inteiro é nosso. E a nossa casa é em todo lugar. Pode ser até embaixo da mesa, ou atrás da porta, ou no meio do corredor segurando velas apagadas. A bela definição de Rubem Alves: "As crianças não têm ideias religiosas, mas têm experiências místicas. Experiência mística não é ver seres de um outro mundo. É ver este mundo iluminado pela beleza".