Outro dia perguntei pra minha filha Isadora (3 anos): "Quem é o amor do papai?" Ela me respondeu: "A Zazá (irmã), a vovó, o vovô, o Agusto (vizinho), o Luizão (zelador), a Ana (prima), o Tutu (primo), o tio Diego, o padrinho Rodrigo, e a lista não parava.
Senti um frio na barriga. Não era fome, já tinha jantado. E bastante. Porque quem ama, ama de verdade. Por inteiro. Ama todo mundo. Só uma criança para me lembrar disso. E me dar essa lição.
E cabe relatar a entrevista que assisti, há um tempo, que o finado comediante Agildo Ribeiro deu ao jornalista Roberto D´Avila. Ele se emocionou ao falar da mulher, que havia morrido. Seu grande amor. Falou com tanto carinho dos filhos. Disse que acredita que quando acaba por aqui: é zéfini. Deu como exemplo aquilo que sai da boca de um dos muitos personagens de William Shakespeare, algo mais ou menos assim: "Agora o silêncio absoluto". Ou seja, não acredita na vida após a morte. Acredita na vida. A morte pode esperar, né? Mas os olhos ficam marejados, tristes, brilhantes, quando o jornalista pergunta se ele gostaria de encontrar alguém, hipoteticamente, poeticamente, depois... "Só se for pra encontrar minha mulher". A atriz Didi Barata Ribeiro, com quem foi casado por 35 anos.
E eu pensei em Johnny Cash & June Carter, que em determinado momento (no fim de um documentário da vida de Cash), é dito que eles ficaram juntos até o fim. Passaram juntos todas as noites depois que se casaram. Até que um deles morreu. E depois o outro. E pensei em mim e na Ju. Juntos. Todas as noites. Com estrelas e sem. Com a barra pesando ou em águas tranquilas. Na tempestade ou em céu de brigadeiro. Desde que nos conhecemos foram poucas as noites que não dormimos juntos.
E pensei nas filhas Valentina e Isadora que a gente levou pra escola hoje - elas foram de mãos dadas com a gente. Falam, falam e correm pelas calçadas me pedindo para pegá-las e riem e perguntam tudo. E eu, pobre de mim, não sei de nada, coisa nenhuma. "Nem todas as respostas cabem num adulto".
Pensei na canção "It Ain't Me, Babe", do Bob Dylan, mas sentindo o oposto do que ela (a canção) quer dizer. A arte tem esse poder, essa autoridade, não é?, de fazer (permitir) a gente sentir o contrário, o oposto, o avesso da gente... Alterar em algum grau a nossa sensibilidade, percepção. De ver luz quando se está no escuro. De ver saída quando nos jogam na rua sem saída, no labirinto do fauno. De encontrar Deus depois de tanto buscar no vazio alguma ajuda. De se libertar da raiva, mais que isso: de ser capaz de amar quando se ouve o grito genuíno, primordial. De ver que é com a gente, mesmo quando se fala repetidas vezes: "Não, não, não sou eu". Mas sou eu mesmo. Esse eu aqui. Essa mania que a gente tem de rasgar o peito pra vida.
No momento em que começo a desenhar esse texto em minha cabeça, ouço de minha filha Isadora: -"Papai, papai: eu 'quelo' comer aquele algodão doce do céu" - apontando para uma nuvem branca que se destacava no céu de brigadeiro.