Doris Pinheiro

Histórias de mães contadas por filhos (e por elas)

Foto: pxhere/Creative Commons

Eu sou a melhor mãe do mundo e nada vai mudar isso.

E tenho um certificado emitido por meu filho já há vários anos para provar.

Ele fica preso no meu mural de recados, bem em frente a mim e eu olho para ele todos os dias.

Acho que vou colocar no Currículo Lattes.

Ser mãe é sem dúvida nenhuma a coisa mais importante da minha vida.

Mais complexa, mais  desafiadora, que mais me preocupa, que me mete mais medo, que me deixa mais cheia de dúvidas sobre se estou errada ou certa, que faz eu cuidar da minha saúde, que me faz ser ainda mais responsável, que me dá um enorme sentimento de realização, me orgulha, me deixa babaca e babona, me dá objetivo na vida, me faz feliz e me faz entender o que é amor.

E olha só como meu filho é lindo.

Quando meu filho nasceu, minha sogra francesa, Jeanine, me olhou nos olhos e disse em francês e eu entendi, mesmo sem saber falar a língua : compreende agora o que é amor ?

Sim Jeanine, compreendo.

Quando meu filho nasceu, um dia e meio depois, já era noite, eu estava deitada e começou a abrir no meu peito um buraco enorme, escuro, sem pontos de luz.

E foi abrindo, abrindo, abrindo, como o universo em expansão e de repente eu entendi: isso é o tamanho do amor que eu tenho por meu filho.

Minha voz falou dentro de mim.

Outro dia eu estava no shopping e vi uma mãe de mãos dadas com sua filhinha.

As duas estavam vestindo blusas iguais.

Imediatamente começou a tocar na minha cabeça “eu e você, você e eu, juntinhos!”, na voz de Tim Maia.

Quando meu filho era pequeno eu comprava camisas de malha iguais para mim e para ele a gente vestia e eu cantava esta música.

Chorei baixinho... de saudade, de gratidão pela vida, por ter ele, por ter vivido isto com ele.

Me veio a sensação da mãozinha dele dentro da minha, gordinha e forte e o sorriso que ele me dava quando saíamos os dois juntos para passear de mãos dadas.


Foto:pxhere/Creative Commons

Não acho que todas as mulheres têm de ser mães e acho essa coisa de instinto maternal automático uma maluquice.

Cada pessoa é uma pessoa, cada mulher é uma mulher e se for mãe, cada mãe é uma mãe.

Mas não existe posição mais cobrada, vigiada e criticada do que a de mãe.

Eu sou uma mãe meio diferente eu acho e acredito que meu filho também acha.

Segundo ele, às vezes eu sou tão criancinha, sou exagerada, nada minimalista, nerd velha guarda e sei lá mais o que.

Essas coisas que filho fala para pirraçar mãe.

Mas continuo sendo a melhor mãe do mundo.

E nos amamos e nos damos super bem, mesmo.

Não tem nada mais importante do que viver isso.

Essa música meu filho me deu de presente depois que ouviu uma conversa com um amigo meu que expressou preocupação sobre como seria sua velhice, quem cuidaria dele, já que não tem filhos.

Fiquei imensamente orgulhosa e emocionada com a reação de meu filho.

A música é “House of Gold”, da Twenty One Pilots, que é massa.

A letra traduzida é por aí...

“Ela me perguntou: Filho, quando eu envelhecer / Você irá me comprar uma casa de ouro? / E quando seu pai falecer /Você irá tomar conta de mim? / Eu irei fazer você rainha de tudo que você vê /Eu te colocarei no mapa / Eu curarei suas enfermidades / O dia em que sairmos dessa cidade /E virarmos nosso futuro do avesso / Faremos parecer que você e eu /Vivemos felizes para sempre”.

Eu podia ficar aqui escrevendo e escrevendo sobre o que sinto e sobre o que é ser mãe, e recordar momentos especiais que ficaram marcados em mim em vários momentos da minha vida com meu filho em nossas várias idades.

Mas esta coluna é para homenagear todas as mães do mundo, que têm com certeza seu álbum de recordações impresso bem no meio do peito.

Então eu colhi músicas, histórias e poesias, como um buquê de flores que todas as mães merecem receber no seu dia.

 
São três letras apenas, as desse nome bendito: Três letrinhas, nada mais... / E nelas cabe o infinito / E palavra tão pequena / Confessam mesmo os ateus / És do tamanho do céu / E apenas menor do que Deus!
-- Mário Quintana, poeta

Fui conversar com Perfilino Neto, etnomusicólogo que sabe tudo mesmo de música, para me queixar de que não tem no Brasil música sobre ser mãe.

Ele me deu uma aula, claro, e me provou que não é assim não...

Existe pelo menos uma centena de músicas brasileiras em homenagem às mães.

Dos anos 40 aos 50 do século XX  não havia cantor ou cantora de respeito que não lançasse uma música do gênero.

Copiei vertiginosamente os nomes das músicas e dos autores que ele foi de me ditando, depois de consultar a discoteca onde tem cerca de 25 mil LPs.

Ah! A rádio web de Perfilino Neto está no ar (http://www.eradoradio.com.br).

“Pra Você Mãezinha” (Ivani Oliveira e Carequinha), “Canção das Mães” (Mirabor, Carequinha e Jorge Gonçalves), “Uma Valsa para Mamãe” (Emanuel Jitaí, Luis Dantas e Sonia Delfino), “É Mamãe” (Irani de Oliveira, Getúlio Macedo e Carequinha), “Dia das Mães” (Maria Cecília, B. França, Elza Laranjeira e coral do Clube do Guri), “Canção da Mamãe” (Sivam Castelo e Blecaute), “Maezinha Querida” (Getúlio Macedo e Lourival Faisal), “O Amor Mais Puro” (Francisco Petrônio e Isis de Almeida Castro Dias).

E tem mais...

Quem deu o start nessa história de música em homenagem a mãe (e pais também) foi um cara chamado Miguel Gustavo, publicitário e compositor, criador do hino da Copa de 70, que criou um jingle para o Dia dos Pais e o negócio foi um sucesso e claro, tinha de ter para as mães, bombou no comércio e foi indo, foi indo, deu numa década de músicas temáticas de homenagem.

O jornalista David Nasser e o compositor e intérprete do Trio de Ouro, Herivelto Martins, compuseram em 1959 um bolero em elegia às mães, o “Mamãe”. Maior sucesso na voz de Ângela Maria e depois de Agnaldo Timóteo.

Muita gente vai lembrar.

Mas, com a chegada da Jovem Guarda e dos Tropicalistas, ficou careta...

 
Minha mãe dizia: ferve, água; frita, ovo; pinga, pia. E tudo obedecia.
-- Paulo Leminski, poeta

Mas mãe não é mãe se não exagerar na dose, ficar sem noção, babar e ficar abestalhada de amor.

O jovem jornalista Pedro Moraes me mandou uma história de amor de mãe para provar isso.


Pedro Moraes e a mãe

Olha o lanchinho
“Sou filho único por parte de mãe, então todos os “mimos” de criança ganhei da minha mãe, apesar de algumas dificuldades. Minha mãe tinha o costume de todos os dias levar meu lanche no colégio na hora do intervalo. No entanto, um dia não foi possível a entrada dela no colégio para entregar-me em mãos. Ela pediu que um aluno da série superior à minha fizesse esse favor. O “infeliz” interrompeu a aula de Filosofia e disse em voz alta “Pedrinho aqui está o lanchinho que sua mamãe pediu te entregar, bebezinho”, finalizou. Foi o suficiente para que todos os colegas caíssem na gargalhada. Virei o assunto da semana no Colégio da Polícia Militar. Mãe, a gente ama até nos micos que nos faz passar.”  

Perua
Outra história muito legal é a de Eliene Dourado Bina, nossa querida Leninha.

Olha o que ela conta de seu filho Caio, hoje homem feito.

“Em 1992 estava anunciando, na televisão, a novela "Perigosas Peruas". Meu filho mais velho, então com 7 anos de idade, perguntou:

- Minha mãe, o que é perua?

Eu respondi que neste caso aí é mulher que adora usar: roupas bonitas, bolsas com detalhes e alça dourados, muitas joias, sapatos com saltos altos e detalhes dourados.

Expliquei utilizando tom de voz gozador e pejorativo.

Ele me olhou e disse:

- Minhaaaa mãeeee adoro quando você vai para a rua "de" perua. 

Até hoje dou gargalhadas quando me lembro deste episódio."

E você que está lendo agora deve estar com histórias e imagens destes momentos passando pela sua cabeça.

Guarde bem, guarde todos, bem no meio do coração.

No paraíso

Essa é talvez a poesia sobre mãe mais conhecida por todos.

Confesso que ela sempre me deu certa angústia.

Mas vamos relativizar.

Coelho Neto, maranhense que era professor, romancista, contista, crítico, teatrólogo, memorialista e poeta nasceu em 1864...

Viveu bem até 1934 e foi durante um bom tempo o escritor mais lido do Brasil.

Mas eu continuo sem entender direito o que é este negócio de padecer no paraíso...

Ser mãe
Coelho Neto

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra 
o coração! Ser mãe é ter no alheio 
lábio que suga, o pedestal do seio, 
onde a vida, onde o amor, cantando, vibra. 
  
Ser mãe é ser um anjo que se libra 
sobre um berço dormindo!  É ser anseio, 
é ser temeridade, é ser receio, 
é ser força que os males equilibra! 
  
Todo o bem que a mãe goza é bem do 
filho, espelho em que se mira afortunada, 
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho! 
  
Ser mãe é andar chorando num sorriso! 
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! 
Ser mãe é padecer num paraíso! 

Vamos voltar para a música porque, apesar dos argumentos de Perfilino Neto, continuo insatisfeita com a produção musical brasileira sobre mães.

Merecemos muito mais...

Na verdade o meu sentimento é de que Marisa Monte, Maria Rita, Fernanda Takai e Vanessa da Mata nos devem músicas falando de maternidade.

Isso no barato.

A MPB de saias tá péssima nesse quesito.

Isso é um protesto público!

O site Equina Musical tem uma materinha bacana (http://www.esquinamusical.com.br/10-musicas-brasileiras-para-as-maes/) sobre músicas para mães.

Bom, para rebater, de poeta para poeta, vou agora de Vinícius de Moraes, que claro, deu um belíssima contribuição.

Minha mãe
Vinícius de Moraes

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão, que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.

Bom. E para terminar vou de Carlos Drummond de Andrade, que mais uma vez diz tudo.

Para sempre
Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permite
Que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite
É tempo sem hora
Luz que não apaga
Quando sopra o vento
E chuva desaba
Veludo escondido
Na pele enrugada
Água pura, ar puro
Puro pensamento
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio
Mãe, na sua graça
É eternidade
Por que Deus se lembra
- Mistério profundo -
De tirá-la um dia?
Fosse eu rei do mundo
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca
Mãe ficará sempre
Junto de seu filho
E ele, velho embora
Será pequenino
Feito grão de milho

Esta coluna é, assim como sempre será tudo que fizer parte dela em mim, uma homenagem à minha mãe.

Também à minha avó. 

Mesmo sendo uma pessoa muito diferente de mim, mesmo errando comigo (e claro que eu também errei com ela), minha mãe foi quem me deu neste mundo régua e compasso.

Quem a conheceu sabe o que estou falando.

Elegante, inteligente, sábia, sensível, ela sabia o que é amor.

Para ela, confessando que agora eu entendo, essa canção.

 

Para todas as que conheço e não conheço, Feliz Dia das Mães!