Com o auxílio luxuoso de Ana Caroline Gonçalves
Nossa secretária de Cultura, Arany Santana, se encontrou com no último dia 12 com quatro criadores de moda que carregam no sangue e na alma a missão de, além de tornar o mundo mais bonito e encantado com suas criações, levar a todos os lugares a riqueza da moda afro-brasileira com tudo que ela representa, desde a infinita lindeza dos seus símbolos até a força de afirmação que ela tem.
A questão colocada foi : “Moda Afro-Brasileira como patrimônio cultural”.
Na reunião, o coordenador da Anamab - Associação Nacional de Moda Afro-brasileira e também designer Renato Carneiro e as estilistas Carol Barreto, Goya Lopes (também da Anamab ) e Cllaudia Soares (do Setorial de Moda da Bahia) debateram com a secretária sobre a importância da moda no segmento da economia criativa, moda afro-brasileira como patrimônio cultural.
Sementes foram jogadas neste terreno fértil.
Ana Caroline Gonçalves entrevistou Renato Carneiro e Carol Barreto que contaram mais para a gente sobre a reunião.
Existe um grupo de designer em todo país que trabalha com segmento de moda afro-brasileira, e os criadores têm conversado para entender melhor a proposta dos próprios trabalhos e também o significado que estes trabalhos acabam tendo, para um universo além da moda, que é um universo da cultura no país.
“Existe uma associação, a ANAMAB Associação Nacional de Moda Afrobrasileira, eu sou o coordenador aqui da Bahia, que tem feito isso de forma mais sistemática, ou seja, com encontros que acontecem em diferentes estados”, diz Renato.
Numa conversa mais propositiva de encontrar pontos, eles discutem o que pode ser melhorado, estratégias para esse segmento de moda e se organizam em coletivos.
Para Renato é urgente que mais pessoas entendam que moda é um aspecto da cultura e portanto precisa ser tratado também como cultura.
“A gente reconhece que especificamente o que a gente faz, moda afro-brasileira, ela tem um valor que vai além do produto, ela tem uma importância de afirmação, de comunicar a história Afro-brasileira, ou seja, as heranças africanas que foram deixadas no Brasil, e que permanecem aí até hoje e que se expressam na forma de vestir e na forma pensar vestuário, e portando na forma de pensar moda no Brasil”.
Já Carol Barreto considera que a moda afro-brasileira é um conceito que precisa ser debatido e registrado, com as características da negritude brasileira, por conta da história, forma de resistência e que é necessário fazer com que a população negra se una e crie espaços únicos de arte, cultura e religiosidade.
“A gente discutiu com Arany Santana o entendimento da Moda afro-brasileira como patrimônio imaterial e cultural, cuja característica principal desse campo de criação é a manutenção e expressão do simbólico, diferente dos produtos inteiramente comerciais”, afirma Carol.
E por falar em Carol Barreto, a danadinha será nesta segunda, 23, às 16h, mediadora de um painel com quatro artistas internacionais no ICBA- Goethe Institut (na Vitória) e no dia 24, às 18h, faz performance artística da Coleção Asè, na galeria do ICBA, em meio a obras de artistas internacionais, oriundos dos quatro continentes do mundo.
Na sexta, 27, participa do Fashion Revolution.
E aí, começando uma série de postagens para discutir nossa baianidade nagô aqui na Modas e Modos, eu lanço a primeira provocação:
Você vai de branco na sexta-feira? Por que sim? Por que não?
Rosana Andrade (aluna linda do coração) – “Visto, mas, não todas as sextas. Além de homenagem a Oxalá, também é homenagem ao meu pai, que vestia branco todas as sextas-feiras (tudo branco da cabeça aos pés)”.
Ieda Dias (talentosa atriz e dançarina) – “Quando sinto o desejo. Acontece muitas vezes!”
Ivan Girafa (cara criativo) – “Em respeito a meu Pai Oxalá e ao Senhor do Bonfim”.
Dom Quixote (arrojado como o de la Mancha) - “Eu. Pq me dá na veneta!”
Cyzi Wagner (de coração fervoroso) - Oxalá, Meu Pai! Claro!
Lia Chaves (cantora fantástica) – “Eu sou viciada”.
Josi Costa (cada dia uma cor) – “Eu sempre visto blusa branca, minha mãe dizia que cada dia da semana, tem uma cor, dos orixás.”
Cinthia Pessoa Santiago (na vibração) – “Eu! Acho que vibra uma energia do bem, de pureza!”
Pedro Moraes (jornalista danado) – “Tradição misticamente é a cor da paz e paz todos precisamos”.
Silvana Moura (sabe das coisas) – “Visto em respeito a meu pai Oxalá. O povo do axé todo veste, na primeira sexta do mês então...”
A história explica
Historiador (e cantor maravilhoso), Carlos Barros explica para a gente que o hábito de usar branco na sexta-feira na Bahia (Salvador e Recôncavo Baiano) e em lugares onde as populações negras são mais presentes, como o Rio de Janeiro, tem tudo a ver com o Candomblé e a Umbanda.
E ele chama atenção para um equívoco importante : a ideia de que vestir branco na sexta-feira seja uma herança árabe. É verdade, e as pessoas não relacionam isso, que a cultura árabe é parte importante da cultura africana. Os africanos, em maior ou menor grau, tiveram influência islâmica desde o Século VI DC, revela Barros que ainda diz : “quando se fala assim parece que se está separando a África da cultura árabe, o que é uma incorreção”.
Carlos Barros, historiador
Mas ele prossegue afirmando que há influência islâmica sim no nosso modo de vestir, mas muito mais na indumentária, no tipo de roupa. “O abadá, os chapéus brancos são árabes, mas a relação com a cor branca na sexta-feira é uma história mais profunda e tem a ver com o respeito aos Orixás funfum, os que vestem branco : Orumilá, Ifá, que é o dono do destino e Oxalufã, senhor da criação”, ressalta ele me matando de orgulho.
“Dizer que é islâmico é contar uma parte da história. A utilização da cor branca veio a partir do calendário que se buscou formatar relacionando os dias da semana aos Orixás. Sexta ficou consagrada a Oxalá - Oxalufã e Oxaguian , dois Oxalás mais cultuados no candomblé e que têm em comum a utilização da cor branca. Isso é africano, é afro brasileiro, na sexta reverenciar, homenagear e respeitar a proibição de outra cor que não seja relacionada a Oxalá”, encerra, me deixando arrepiada.
Você vai de branco na sexta-feira? Por que sim? Por que não?
Andrea Costa – de santo - Quem é do Axé, como eu, veste branco em homenagem a Oxalá.
Pedro Archanjo – cara bacana diretor do MAB – “Às vezes visto branco, pq se tivesse uma religião séria do candomblé mas, não visto com regularidade, pq não consigo ter uma religião”.
Luciano Martins - produtor cultural foférrimo – “Sim. Na verdade sempre gostei da cor branca. Mas por razões religiosas trouxe esse hábito para as sextas, vestir branco. Às vezes é impossível, por causa do trabalho e outras atividades. Mas normalmente sempre as sextas visto uma peça branca. Asé! “
Fábio Cascadura – roqueiro maravilhoso – “Costume islâmico assimilado pelos adeptos dos cultos-naturais trazidos da África e que em seu amalgamento se tornariam o Candomblé, pela via da influência dos Haussás e Malês”.
Tereza Mendonca – amiga querida – “Não. Até meu jaleco é azul rsrs. Cansei de usar branco nem no ano novo”. ( ela é odontóloga )
Soninha Viana – produtora queridinha – “Uso quase todas as cores predominando o branco, mas por uma questão de superstição, na sexta, não uso preto nem marrom”.
Toyamma Lopes – psicóloga e minha amiga linda - “Não tenho dia específico pra vestir branco. Visto quando me dá vontade.”
Monica MIllet – percussionista e neta de Mãe Menininha – “Sim por que é sexta feira de Osalá”
Kithi – jornalista multitarefa – “Siiiiim! Eu visto branco na sexta-feira, mas nem todas! Tem sextas que Oxalá se faz presente no branco, outras se faz colorido por encantamento do arco-íris. Para vestir branco não existe dia, mas o dia de sexta é santo porque é reservado a lembrança do sagrado, da paz e da reverência a criação: síntese de todas as origens! É dia de conexão com o povo negro, tão importante para a nossa cultura! ”
Jô – minha costureira no Curuzu - “Eu não. Porque, não tenho costume de usar branco”.
Lá vem a turma de branco
Nossa secretária da Cultura, Arany Santana, conta que não consegue vestir outra cor dia de sexta-feira que não seja o branco. “Eu sou de candomblé sim, mas independente disso eu não consigo vestir outra cor de jeito nenhum. Eu podia quebrar esse tabu, mas é como se eu estivesse cometendo uma ofensa muito grande a Oxalá, que é uma divindade tão delicada, tão divina, tão suprema”.
Parando para refletir sobre o uso do branco na sexta, Arany diz que não sabe como é para as outras pessoas, que há quem diga que é uma coisa da tradição cultural, que não é da religião, que muita gente que não é iniciada no candomblé veste branco na sexta, e vai para a Festa do Bonfim de branco, mesmo sendo numa quinta-feira... e ela concorda.
E olhando para o passado recorda que vestir branco na sexta realmente transcendia a ligação com o povo de santo .
“Meu tio Luís, que jogava capoeira, era católico apostólico romano e vestia branco na sexta. Ela ia para a missa na Igreja do Bonfim, depois da missa ele jogava capoeira, vestido de branco.”
Arany conta também que há uns 30, 40 anos atrás vestir branco era algo normal, natural em Salvador “e a gente via muita gente na rua e nas repartições públicas vestindo branco. Hoje você vestir branco até assusta as pessoas”, acredita ela que lembra de quando andava pela Avenida Sete e já sabia que era dia de sexta, pela quantidade de gente vestida de branco na rua.
Hoje Arany registra olhares de soslaio, de censura por vestir branco na sexta, mesmo dentro do ambiente cultural.
Ela diz que está na Secult desde 2011, quando trabalhou com o então secretário de Cultura Albino Rubim e conta que quando ela, Cristiane Taquari e Andrea Montenegro chegavam para a reunião semanal de sexta com o secretário, estavam sempre vestidas de branco.
E que elas ouviam dentro da Secult “lá vem a turma de branco”.
Mas o negócio era tão forte que até Albino Rubim, ateu convicto, acabou por aderir e vestir camisas brancas às sextas.
Arany não perdeu tempo, então, e sentenciou : “e você tem cara que é de Oxalá, Albino”.
O secretário, branquinho e reservado, ficou vermelhinho...
Você vai de branco na sexta-feira? Por que sim? Por que não?
Patury – agitador cultural – “Eu visto branco toda sexta-feira”
Nina Cravo – amiga do peito – “Às vezes sim. Mas sempre no dia do Sr. do Bonfim e no dia de segunda-feira também.”
Francis Martins – jornalista guapa – “Sim visto branco por respeito e solidariedade a família Funfun, Oxalá, Oxaguian e Oxalufan. Funfun quer dizer branco en yoruba, sendo a cor de nascimento, de consagração e também de luto para o povo yoruba.
Monique Maione – publicitária bonita – “Não. Pq não tenho costume. Mas quando lembro meio que tento usar.Rs
Silla Maria – estilista que lacra – “Eu não penso muito nisso, quando vou me vestir para trabalhar, ao acordar para ir para a fábrica, eu pego a primeira peça que me vem à cabeça, às vezes é branco, às vezes é o que tiver limpo... Mas a comida com dendê??? Dendê é mais sagrado do que branco, pra mim, na sexta-feira. Kkkkkkkkk
Antônio da Lapa – o melhor administrador do mundo – “Esporadicamente. Acho que o branco as sextas está mais ligado ao candomblé. Embora eu não tenha fé religiosa, respeito todas manifestações, mas não uso com esse objetivo”.
Larissa Aragão – jornalista linda – “Visto não. Se vestir, é por mera coincidência, hahaha”.
Eugênio Afonso – caro colega - “Visto branco quando tenho vontade. Pode ser segunda ou domingo. Mas acho lindo nossa sexta-feira branca”.
Gabriela Braga – soteropaulistana – “Sou uma forasteira encantada pela Bahia. Talvez por isso tenha adquirido o hábito de vestir branco nas sextas-feiras. Não em todas, nem sempre dos pés à cabeça, mas o branco predomina nas minhas escolhas para agradecer pelo ciclo que se fecha. Isso ficou ainda mais forte depois que conheci a música cantada por Belô Veloso. Quando visto branco na sexta-feira, me sinto parte de um grande movimento de reverência às forças sagradas. Me sinto um pouco mais baiana.[ Em tempo: Uma moça já me bateu com a Bíblia no Shopping Barra por eu estar de branco numa sexta-feira.”
Genidalva Cardoso – colega querida – “Sempre visto alguma coisa branca às sextas-feiras. PQ? Nem saberia dizer. É um costume de muitos anos...”
Marcus Superbus – meu majestade – “Não. Branco na sexta, salvo melhor juízo, tem a ver com rito religioso”.
Presente de Goli
Eu pedi a Goli Guerreiro, antropóloga e blogueira respeitadona e antenadíssima, que me falasse sobre o nosso modo de se vestir. Aí ela me deu esse texto massa de presente... Que luxo !
Entre modos e culturas
Goli Guerreiro, antropóloga
A montagem do figurino é uma prática cultural que implica um processo criativo: escolher as peças, combinar as cores, definir os adereços. Esse figurino constrói a nossa imagem e transmite mensagens. O figurino é uma linguagem. E a linguagem é a alma da cultura.
Todo dia cumprimos o ritual do vestir-se, e este ato, em geral, está ligado não apenas à personalidade da pessoa; ao grupo social a que ela pertence, mas também aos padrões ditados pelo mundo da moda e, principalmente, as escolhas estéticas individuais estão ligadas à cultura do lugar onde se vive. Inclusive a religiosidade, uma das principais dimensões da cultura, tem relação com o modo que nos vestimos.
Essa conexão entre vestimenta e religiosidade é uma das marcas do estilo soteropolitano. São inúmeras as pessoas adeptas ou não de religiões de matriz africana que escolhem a cor da roupa de acordo com o dia da semana, dedicado ao Orixá. Os deuses do candomblé estão associados a cores que lhes representam. Assim, na quarta usamos vermelho – a cor de Xangô; sábado amarelo – a cor de Oxum e sexta feira, branco que é a cor de Oxalá.
Diversos estilistas que desenvolvem a moda afro se debruçam sobre o corte das peças, a paleta de cores e os adereços, a partir das diversas referências das culturas africanas que aportaram em Salvador durante séculos. Elas continuam influenciando o processo criativo dos designers, além, é claro, da internet que permite conhecer a estética africana contemporânea, altamente sofisticada. O mais bacana é que esta estética não está restrita às elites, ela vive não somente nos centros, mas principalmente, nas periferias da cidade.
Goli Guerreiro, soteropolitana, é antropóloga e blogueira. Pesquisadora independente, se debruça sobre repertórios culturais do mundo atlântico negro em vários formatos: palestras, oficinas, mostras iconográficas, coleções de moda, exposições, narrativas audiovisuais e literárias.
Você vai de branco na sexta-feira? Por que sim? Por que não?
Telma Pinho – pedagoga retada – “Sim. Como todo baiano para mim sexta é dia de saudar o pai de todos os baianos, Senhor do Bonfim e também Oxalá. Está na cultura da Bahia e no sangue dos baianos vestir branco.”
Luzia Santhana – apresentadora top – “Sexta-feira é o dia de Oxalá, o pai dos orixás, que veste branco. E sinto paz vestindo branco. Como se estivesse limpando a semana que termina”.
Diógenes Serra Moura (meu Didi) – melhor curador do mundo – “Algumas vezes. Quando estou pronto para vestir branco, sim. Nunca como uma obrigação. Nem como algo que possa parecer que sou "especial" porque, como estou vestido de branco, tenho fé. Minha fé é um tesouro privado, guardado a sete chaves”.
Fátima Martins - médica do bem – “Quase sempre visto Branco sexta feira porque é dia de OXALÁ”.
Joyce Pinho – foquinha descolada - “ Às vezes, só se for por acaso. Porque o jeito de me vestir está muito ligado ao meu humor no dia é isso inclui as cores, estampas, acessórios e tudo mais.
Bárbara Santos – tatuadora massa –“Não. É um dia comum para mim. Na verdade a maioria das minhas roupas são pretas, não acho que a cor interfira em algo.”
Ceres Santos – pessoa firme ! “Sim, por preceito religioso”.
Karina Baracho – garota simpática - “Não sou muito de vestir branco, mas quando uso não penso no dia.
Chico Araújo - descolado mas sem bússola rsrsr – “Doris... eu sou do tipo que erra as cores todos os dias. Tipo usar preto na sexta... erra o traje... é barrado por não calçar sapato... só lembra de fazer a barba tarde demais... e fala palavrão no lugar errado”.Clarindo Silva – quase um Orixá - Eu fiz uma promessa que começou com sete sextas- feiras. Deu certo eu vestir branco, em homenagem aos Senhor do Bonfim e a Oxalá, então há 40 anos o branco tornou-se meu traje predileto. Leve, me dá uma paz infinita. Calça branca, sapato, cueca, meia, camisa, cinto, todo de branco todo alvo.”