Eu me lembro dos almoços de Semana Santa na minha casa velha, no Rio Vermelho, que muitos dos meus amigos conhecem, e fica em frente à praia de Santana e à casinha dos pescadores, palcos do grande presente a Yemanjá no dia dois de fevereiro.
Não lembro bem o que se comia, devia ser algo com peixe, mas lembro da família reunida, do vinho tinto com o qual era feita a garapa para as crianças – água, açúcar e um pouquinho de vinho – uma verdadeira transgressão, e da celebração, que basicamente era ter um almoço especial em família.
Mas era uma celebração que marcava o ano, definia pontos de finalização e recomeço.
Não era um feriadão ...
Na Sexta-feira Santa, embora não houvesse lá em casa as obrigações mais ortodoxas, se respeitavam alguns ritos.
Não se comia carne vermelha, não se falava palavrão (na verdade não se falava quase nunca), se assistia na TV os sofridíssimos filmes da Paixão de Cristo, se buscava viver um dia de respeito e harmonia familiar e não tinha esse negócio de sair para farrear.
Ah, e não tinha ovo de Páscoa.
Minha avó contava que na juventude dela nas rádios só se tocava música clássica, que as pessoas vestiam preto, que ficavam com as casas fechadas e cobriam os espelhos em casa.
Nunca comentou sobre o que se comia no almoço da Sexta-feira Santa, que já tem um tempo, virou dia de banquete.
Não tenho nada contra as formas que as pessoas escolhem para viver este momento do ano, que em Salvador chega com a mudança da estação e neste 2018 com as águas de março fechando o verão, só sinto que ele vem se transformando apenas num feriadão.
Ontem vi uma reportagem de jornal indicando “o que curtir no feriadão”.
Não é feriadão, é Semana Santa.
E tirando os que não têm religião ou não creem (e estão no seu direito de assim serem) ou professam sua fé em religiões que não têm como base o Cristianismo, não vejo porque não ser tocado por o que este momento do ano representa.
Para mim a Semana Santa é o ápice da trajetória aqui neste planeta violento de um “cara” – O CARA – que veio ao mundo para propor um novo código de conduta baseado no amor e no respeito ao próximo.
E foi tão revolucionário que no Ocidente, e com implicações no mundo todo, o tempo passou a ser marcado como antes e depois dele.
Além disso, eu acho que a gente tem mesmo de marcar nossas “estações internas” e alternar verões e invernos, primaveras e outonos existenciais dentro da alma, da cabeça.
E como a gente faz isso estando sempre em estado de farra?
Entendam que eu não sou especialmente religiosa.
Nasci e cresci numa família de base católica, com um pai presbiteriano que nunca nos levou à igreja dele, que era amigo de padre Antônio (pároco que construiu a igreja nova de Santana), e que ajudou muito a comunidade a conseguir recursos para essa construção.
Meu pai, além de locutor oficial das feiras e quermesses, enquanto negociava com seus clientes - era um vendedor premiado nacionalmente -, conseguia fundos para a construção da igreja.
Junte-se a isso o fato de nunca ter sido obrigada a ir à missa e de ver com muita frequência, e sem nenhuma repressão familiar, os presentes e manifestações do povo de santo na praia consagrada à Mãe d'Água.
Eu atravessava a rua e ficava sentadinha na balaustrada olhando, olhando...
Por isso me considero Católica Apostólica Baiana e tenho em minha casa imagens de santos católicos, sou apaixonada por Nossa Senhora, que eu coroei aos 11 anos na igreja de Santana no dia 31 de maio, dia do meu aniversário, mas tenho imagens de orixás e no dia dois de fevereiro ofereço a Yemanjá o meu trabalho jornalístico como oferenda e sou filha, com muito orgulho, de Oxum.
Guardo minha guia em lugar reservado e com muito respeito. Meu livro de cabeceira é o I Ching, grande portador milenar da sabedoria de base Taoista.
Sou uma confusão mística? Não.
Sou um ser humano que com muita sinceridade acredita que todos os caminhos levam ao senhor e que busca aprimoramento espiritual.
Tenho saudade da minha grande família.
Tenho muita saudade dos almoços na Semana Santa.
Infelizmente eles não acontecem mais em minha vida, especialmente depois da partida de minha mãe.
Levei alguns dias matutando sobre o que escrever nesta coluna, alternando saudade, sentimento que me machuca muito, com a alegria de boas lembranças, constatando que estou errada em deixar que o tempo e os tempos de hoje varram da minha vida e do meu filho esta marcação tão solene do ano.
Tenho de recompor isso, com minha família, com meus amigos.
Vou mudar isso no ano que vem... realizar uma ressurreição.
E para rebater, está lançado um desafio
Desafio você a me mandar histórias engraçadas e interessantes de sua família, para eu postar aqui todos os sábados.
Toda família, de perto, não é normal.
Lendo o livro de Rita Lee tive ainda mais certeza disso.
A minha família não fica atrás e tem histórias engraçadíssimas.
Então, eu vou começar mas vou cobrar participação.
E vou começar com meu pai, figura inteligente, culta, bem humorada, selvagem...
Meu pai sempre foi louco por bichos.
Tivemos gerações de micos estrelas nos quais ele colocava nomes como De Gaulle, Johnson, Mussolini, porque também adorava a história da Segunda Guerra Mundial.
Mas tivemos muitos gatos - um deles um gato do mato que quando se soltava fazia todo mundo correr para os quartos e trancar as portas - pacas e até uma coruja.
Os exageros do meu pai exagerado tiveram um limite quando ele tentou criar uma jiboia.
Minha avó – vivíamos com nossos avós - desmaiou quando viu a bichinha chegar lá em casa.
A cobra não passou da porta e foi entregue ao zoológico.
Mande sua história para mim, com fotos, se quiser, no e-mail dodo.pinheiro@dorispinheiro.com.br.
Garanto que todo mundo vai adorar.
E FELIZ PÁSCOA!
Que ela traga promessas de vida no seu coração.