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"A reeleição do prefeito não está garantida", afirma vereador Gilmar Santiago

Confira a entrevista completa:

O vereador de Salvador Gilmar Santiago disse ontem que a reeleição do prefeito ACM Neto não está garantida, conforme propagam seus aliados. De acordo com ele, o processo de escolha do vice é uma estratégia fabricada pelo democrata para criar o factoide de uma candidatura imbatível, o que é uma marca do carlismo.

Ex-pré-candidato do PT à prefeitura de Salvador, Gilmar defende a construção de uma candidatura que congregue o PT, PSB e PCdoB. Questionado sobre o assunto, Gilmar nega ter se encontrado recentemente com a senadora Lídice da Mata para tratar sobre uma possível participação sua, na chapa encabeçada pelo PSB. O petista diz também que é um homem de partido e que está à disposição para atuar em “qualquer nível”.  Confira a entrevista completa:

Tribuna da Bahia - Como avalia o PPDU aprovado pela Câmara?
Gilmar Santiago -
Eu tive a oportunidade de participar de três PDDUs ao longo de minha trajetória na Câmara. O primeiro em 2004, liderado pelo prefeito Antônio Imbassahy; em 2011, do prefeito João Henrique; e agora do prefeito ACM Neto. Em todos esses momentos nós tivemos problemas com a participação popular. Eu considero que são inerentes também a uma crise, em minha opinião, de representação política, de participação da sociedade nos destinos no parlamento. Portanto, o grande erro é que o prefeito ACM Neto teve tempo suficiente para construir um processo diferente dos anteriores, do ponto de vista da participação. Ele apostou num processo engessado, que não trouxe a sociedade para o debate. Agora, no que se refere ao conteúdo do Plano Diretor, não tenho nenhuma dúvida em dizer que esse foi o pior Plano Diretor, comparado com os anteriores, que já tinham problemas. Esse atual agrava o processo de degradação ambiental, e reflete muito bem esse modelo de desenvolvimento defendido pelo prefeito ACM Neto. É um modelo de desenvolvimento que não leva em consideração a questão ambiental; não leva em consideração a qualidade de vida das pessoas, pela questão da sustentabilidade; e peca porque não ataca o principal problema de Salvador, que é a desigualdade social em função da concentração do desenvolvimento na região Iguatemi/Paralela. Então, o Plano peca por não apontar novas centralidades para que a cidade deixe de ser refém desse modelo, em que a cidade só desenvolveu para um lado. O restante da cidade ficou esquecido.

Tribuna - O processo anterior foi muito criticado e acabou na Justiça. Como vê as críticas ao processo atual?
Gilmar -
Esse Plano Diretor atual, diferentemente dos outros, em que o processo de judicialização aconteceu depois... esse, o Ministério Público, por meio de doutora Hortência, já iniciou o processo de judicialização já desde sua tramitação na Câmara, antes mesmo da votação em plenário, em função de um conjunto de irregularidades que foi identificado, inclusive por técnicos urbanistas. É bom dizer que O Ministério Público se baseou em estudos que foram feitos previamente para discutir o Plano Diretor. Eu não tenho nenhuma dúvida de que os debates promovidos pelo Ministério Público tiveram muito mais eficácia, muito mais profundidade do que os que foram promovidos pela Câmara de Vereadores. Portanto, da forma como ficou, o processo da votação, que teve irregularidades no dia da votação... eu não tenho dúvida de que a oposição não tem nenhuma alternativa que não seja reafirmar esse processo de judicialização que já foi iniciado pelo Ministério Público.

Tribuna – Espera tensionamento na tramitação da Louos?
Gilmar -
A Louos é o golpe final de todo esse processo. É a materialização dos interesses que permearam todo o processo do Plano Diretor. O Plano Diretor serviu para preparar o terreno para a Louos, que é uma matéria que tem um debate puramente técnico, porque dita as regras do uso do solo na cidade, diz o que pode e o que não pode; determina as alterações que vão acontecer, sobretudo no processo de verticalização. Então, a Louos é a materialização de uma diretriz desse plano, que foi aprofundar de forma extraordinária os processos de verticalização para garantir os interesses do mercado imobiliário.

Tribuna - O vereador Léo Prates argumenta que a verticalização atende ao cidadão que vai morar nesses imóveis, e que Salvador, até 2049, não vai suportar a expansão da cidade. Como o senhor avalia a avaliação que ele faz?
Gilmar -
O problema da verticalização é que a cidade só aumenta esse padrão construtivo em algumas regiões. Se você for olhar, toda a periferia de Salvador é horizontal. O limite no Vale do Matatu, por exemplo; de Bom Juá, de Nova Constituinte, no subúrbio ferroviário; em Águas Claras, na região de Cajazeiras; no Curuzu... então, o limite são três andares. Onde poderia de verticalizar, é tudo horizontalizado. São exatamente os lugares mais adensados. Então, esse processo de verticalização só beneficia uma parcela da sociedade, que tem acesso à vista para o mar, que tem acesso à paisagem mais aprazível, e gera desconforto para a maioria, como sombreamento da praia, que é o espaço de lazer mais democrático da nossa cidade. Tem também o desconforto do calor provocado pelo processo de sombreamento.

Tribuna - Como avalia o governo de ACM Neto? Qual o principal erro e o principal acerto?
Gilmar -
Ele se beneficia de uma tragédia que foi o segundo governo de João Henrique, que foi um governo hegemonizado pelo PMDB, pelos irmãos Vieira Lima, que eram os patronos do governo. E é bom lembrar que João Henrique apoiou ACM Neto em 2012. Portanto, Neto se beneficia dessa tragédia; se beneficia dos investimentos que foram iniciados no segundo governo Wagner, como o metrô e outras obras estruturantes na cidade. Pesquisas qualitativas feitas pelo governo conseguem detectar, por exemplo, que boa parte da população acha que essas obras são de responsabilidade do prefeito ACM Neto. Tem ações pontuais do prefeito, mas sempre com ênfase na Barra e nos bairros mais nobres, onde se foi gasto R$120 milhões, e deixou de ter investimento efetivo nas encostas. A gente pode ver aí a tragédia que aconteceu no ano passado, com 22 mortes. Portanto, Neto se beneficia dessa conjuntura, mas se você for fazer um juízo mais apurado do governo ACM Neto, você percebe que é um governo mediano. Mas se comparado com o segundo governo de João Henrique, dá essa impressão de ser um governo eficiente. Portanto, não existe nada de extraordinário nesse governo, a não ser na propaganda. Todo mundo gostaria de morar naquela cidade que ACM Neto divulga na televisão. 

Tribuna - Qual o principal erro e o principal acerto do governo ACM Neto?
Gilmar -
O principal erro é pensar Salvador a partir da ótica de uma cidade de negócios. Você vê, por exemplo, o leilão de 59 terrenos públicos. Isso lembra muito o período em que o avô dele foi prefeito de Salvador, quando a cidade perdeu 30% das terras públicas. Você tem hoje em Salvador quatro ou cinco latifundiários urbanos que detêm uma extensa propriedade de terra. E não somente isso. As intervenções que foram feitas em Itapuã e no Rio Vermelho, com a construção de novos equipamentos, mas expulsando ambulantes dessas regiões. Até mesmo em Cajazeiras a gente vê os conflitos que tem no cotidiano com ambulantes, porque não tem espaço para todo mundo dentro do mercado. O processo de urbanização da cidade feito pela Semop (Secretaria Municipal de Ordem Pública) é perverso, porque descaracteriza Salvador, que é uma cidade que tem uma economia popular muito forte. Nesses quatro anos de Neto, tem acontecido um processo de desafricanização (sic) da cidade. Esse modelo de organização dos espaços públicos, do ponto de vista da questão comercial, onde a prefeitura está expulsando camelôs se utilizando de uma guarda armada (Guarda Municipal). Já temos aí uma série de conflitos envolvendo essa guarda. Então, para mim, esse é o principal erro dessa administração: pensar a cidade para poucos em detrimento da maioria.

Tribuna - O fato de o PT não lançar candidato a prefeito de Salvador demonstra fragilidade do partido? Ainda é pré-candidato?
Gilmar -
Já me manifestei sobre isso desde o ano passado, quando percebi que lideranças importantes do partido que em outros momentos protagonizaram o processo de disputa pelo PT, como Pelegrino, que disputou quatro eleições, e Pinheiro, que disputou em 2008. Então, o PT nos últimos 20 anos apostou em duas lideranças nesse processo de disputa. Eu imaginei que com a negativa deles de se colocarem, estava aberto um processo não só de renovação política, e coloquei meu nome dentro dessa perspectiva de ter uma convicção da importância de o PT ter candidatura própria. Um partido que, com toda a crise que se abate sobre nós, com o massacre midiático, das elites, de setores importantes da mídia golpista, tem ainda em Salvador 21% da preferência do povo quando questionado sobre qual a legenda de sua preferência. O DEM aparece em segundo, com 13%. Salvador é uma cidade em que 70% da população está condenando o golpe contra a presidenta Dilma. Ela voltou a ostentar índices positivos com pessoas que querem seu retorno. Então, eu acho que esse seria o momento de o PT apresentar uma candidatura própria para defender seu legado e defender um projeto para a cidade. Mas essa tese não prosperou, e nós estamos em vias de apoiar uma das candidaturas colocadas por partidos aliados. 

Tribuna - Como avalia a articulação política do governo Rui Costa em Salvador? Vocês vão apoiar Lídice ou Alice?
Gilmar -
Eu acho que o ideal seria nós termos Lídice, Alice e o PT numa só chapa. São partidos que representam o mesmo campo de pensamento. O PDT, com a candidatura de Isidório; o PP, com a candidatura de Cláudio Silva; mais os outros partidos consolidariam aquele processo de pulverização que se atribui ao governador Rui Costa. Mas há uma possibilidade de esse movimento democrático popular se dividir em duas candidaturas. 


Tribuna - Onde está o impasse para se aliarem ou fechar a composição com uma das duas candidaturas?
Gilmar -
Não tenho mais acompanhado de perto essa discussão, mas a mídia tem divulgado que um dos componentes dessa discussão teria sido a questão das coligações proporcionais. Todos nós temos o princípio de que quem lidera o processo tem que garantir que haja a coligação proporcional. Pelo menos isso sempre aconteceu nas vezes em que o PT encabeçou chapa majoritária. Hoje nós temos vereadores que fazem parte da base de ACM Neto na Câmara, mas foram eleitos na coligação encabeçada por Nelson Pelegrino (em 2012). Então, esse é o preço desse modelo de organização eleitoral.

Tribuna - O senhor teria se encontrado recentemente com a senadora Lídice da Mata. Seria um indicativo de que pode ser o candidato a vice dela?
Gilmar -
Estive em Brasília acompanhando dirigentes de um sindicato de trabalhadores (tenho lutado para que eles obtenham sua carta sindical), e estive no Congresso conversando com os deputados federais Valmir Assunção, Jorge Solla e Afonso Florence (todos do PT) sobre política municipal. Em nenhum momento encontrei nem conversei com a senadora Lídice da Mata. Creio que nessa questão da vice, o PT vai fazer um processo de discussão tão aprofundado quanto está fazendo para escolha de uma das alternativas apresentadas pelo PC doB e pelo PSB. Sempre me coloquei como soldado do partido. Quando coloquei minha pré-candidatura para prefeito, muitas pessoas questionaram se não era mais acertado da minha parte brigar pela renovação do mandato (na Câmara Municipal), e eu disse que minha contribuição para o partido está colocada em qualquer nível. Portanto, sempre me coloco à disposição do PT para essa e qualquer possibilidade, embora eu ache que há outros nomes nesse momento... já foram colocados os nomes do deputado Afonso Florence, do deputado Solla, do próprio deputado Valmir Assunção... e poderão surgir outros nomes. O que não falta no PT são nomes competitivos. O PT tem também mulheres que podem compor essa chapa.

Tribuna - Como vê a disputa dos aliados do DEM para ocupar a vice de ACM Neto?
Gilmar -
Essa quantidade excessiva de candidatos a vice na chapa do prefeito ACM Neto é uma estratégia fabricada pelo prefeito para criar um factoide de uma candidatura imbatível, o que é uma marca do carlismo. Lembro muito bem de que todas as vezes quando o carlismo estava no poder e havia disputas eleitorais, eles anunciavam antes da eleição que iam ganhar com uma margem estratosférica de votos. Quando abria a urna, quando eles ganhavam a eleição, a diferença era muito pequena. Acho que essa quantidade de vices que está aí faz parte dessa estratégia de criar uma ideia de que é uma candidatura imbatível. O que não é. Acho que vai dar o PMDB. É óbvio que ACM Neto não vai correr o risco de ter problemas na sua base, sobretudo com os irmãos Vieira Lima. Eles já disseram pela imprensa que não abrem mão da vice. Portanto, acho que, apesar de todo esse barulho feito pela quantidade de secretários que o prefeito inventou, acho que vai dar o candidato indicado pelo ministro Geddel Vieira Lima.

Tribuna - Acredita que o prefeito terá uma reeleição tranquila, como as pesquisas feitas até agora apontam?
Gilmar -
Até então a gente só tem conhecimento de pesquisas divulgadas pelo Instituto Paraná. Ainda não vi nenhum outro instituto. Mas, enfim, pesquisa é retrato do momento. O favoritismo do prefeito ACM Neto está muito baseado na regra da reeleição, e também nas fragilidades apresentadas pela oposição ao longo desses quatro anos. E tem também o fato de eles estarem conseguindo fazer uma composição com muitos partidos, ter mais tempo de televisão. Mas eleição é igual a jogo de futebol, que é cheio de surpresas. E Salvador é uma cidade surpreendente. A reeleição do prefeito não está garantida. Ninguém imaginava que João Henrique ganharia a eleição de 2008, e ele ganhou. A gente já viu em outros momentos candidatos favoritos que perderam na hora H. Tem muita água para correr ainda por baixo da ponte. Temos aí uma eleição curtíssima, com 45 dias. Tudo pode acontecer.

Tribuna – O que derrubou a presidente Dilma? A política, a economia ou a roubalheira?
Gilmar -
A corrupção existe no Brasil desde que os colonizadores patrocinaram um processo de escravização que durou no Brasil mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Foram quase quatro séculos de escravidão. Esse país se ergueu sobre o sangue e o suor dos trabalhadores negros. O processo de colonização de uma elite branca que se perpetuou no poder até os dias de hoje. É essa elite que é dona das terras no Brasil. Por isso que até hoje não tivemos reforma agrária adequada. A corrupção tem origem nesse processo, e está permeada nas esferas de poder. O PT cometeu o erro de jogar com as mesmas ferramentas que sempre foram utilizadas por aqueles que nos antecederam no poder.

Tribuna - Isso não é um contrassenso, já que o partido sempre lutou para combater a corrupção?
Gilmar -
É bom destacar que o PT fez coisas extraordinárias nesse país. Tirou 40 milhões de pessoas da extrema pobreza, promoveu a condição para que filhos de trabalhadores pudessem ter chance de ir para uma universidade, e colocou o Brasil como a sétima maior economia do mundo. Não dá para jogar a água fora da bacia com a criança dentro. Eu acho que os petistas que cometeram erros têm que ser punidos, e estão sendo punidos. Está faltando punir os outros (de outros partidos) que cometeram crimes e até agora estão impunes. O que aconteceu é fruto da imperfeição dos seres humanos, que erram e acertam. A democracia é o remédio para que a gente possa aperfeiçoar esse processo.

Tribuna - O PT chega fragilizado nas eleições deste ano? Sairá menor da disputa em Salvador e em todo o país?
Gilmar -
Essa é uma aposta que está sendo feita pelas elites e está sendo massificada pela mídia. Mas é necessário fazer um acordo com o povo, porque quem vai definir isso não vai ser os meios de comunicação nem os partidos que assumiram o poder através de um gole parlamentar. Quem vai decidir isso é o eleitor. Eu acho que o tiro pode sair pela culatra. Esse é um processo em que o PT é obrigado a construir mecanismos de renovação. Ao mesmo tempo, o eleitor vai avaliar não só os erros cometidos pelo partido, mas os acertos também, e vai ver que num curto espaço de tempo, aqueles que apoiaram a ascensão de Temer têm defendido propostas extremamente conservadoras, como o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que defende aumentar para 80 horas a jornada de trabalho semanal.

Colaboraram: Fernanda Chagas e Romulo Faro.