DESATIVADO / Entrevistas / Política

"Deram golpe para frear a Lava Jato", diz Rui Falcão

Confira entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia

Presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, Rui Falcão acredita que o maior objetivo por trás do impeachment da presidente Dilma Rousseff é frear o combate à corrupção, e que a “trama” vem sendo planejada há anos por vários parlamentares contrários ao PT. Além disso, o petista é pouco otimista sobre o retorno da presidente Dilma ao Palácio do Planalto.

“Foi um golpe muito forte e muito apoiado pelas elites. Mas acredito porque há um descontentamento visível com as medidas que vêm sendo adotadas pelo governo usurpador de Michel Temer”, analisa.

Em entrevista exclusiva à Tribuna, Falcão também fala sobre os esquemas de corrupção envolvendo o PT, sobre a conjuntura político-econômica do Brasil e sobre o pleito municipal de 2016, além de comentar a antiga aliança com partidos que hoje apoiam o impeachment. Confira entrevista completa:

Tribuna - Presidente, como o senhor avalia o momento da política do Brasil? Tenso? 
Rui Falcão -
Estamos vivendo um golpe dado nos marcos da democracia, e por isso não parece golpe. Na verdade, depuseram a presidenta da República sem que ela tivesse cometido nenhum crime de responsabilidade, que é a condição para o impeachment, segundo a Constituição Federal. Esse golpe se deu por duas razões: primeiro porque um setor grande da classe dominante não tolerava os avanços sociais, políticos, econômicos e culturais que vinham sendo promovidos pelos nossos dois governos. Segundo, porque havia o interesse manifesto de estancar as investigações da Operação Lava Jato. É evidente que a Lava Jato tem alguns problemas, porque atropela alguns direitos fundamentais, como o habeas corpus, mas a ideia de combate à corrupção, que sempre foi apoiada por nós, era insuportável para esses setores que sempre se beneficiaram com negócios com o Estado e com empresas estatais. Por essa razão, com o apoio da mídia monopolizada, de setores do empresariado, do Judiciário e da Polícia Federal, criaram a possibilidade de afastar a presidenta da República. 

Tribuna - Como o senhor viu a destituição da presidente Dilma e o que levou a essa situação? Quebra de confiança da população, corrupção ou o agravamento da crise econômica?
Rui Falcão -
Já expliquei as razões que levaram ao impeachment. Agora, existem outros fatores que serviram de respaldo para isso. Impopularidade nunca foi motivo para impeachment, e a presidenta vem se recuperando nas pesquisas. A outra questão é a crise econômica, que é mundial, e nós temos tomado providências para minorar os seus efeitos. Mas essas razões não são a base para o impeachment. A base para o impeachment é o descontentamento com as ascensões populares, a possibilidade de o Lula voltar em 2018, de continuarmos os nossos projetos de transformação, e a ideia de estancar o combate à corrupção que vinha sendo feito pela Operação Lava Jato.

Tribuna - O senhor ainda acredita na volta da presidente Dilma ao Planalto?
Rui Falcão -
Acredito com um otimismo moderado, porque foi um golpe muito forte e muito apoiado pelas elites. Mas acredito porque há um descontentamento visível com as medidas que vêm sendo adotadas pelo governo usurpador de Michel Temer. Várias medidas de restrição de direitos, como o anúncio de mudanças na aposentadoria, de cortes na saúde e educação, o tratamento discriminatório dado à cultura, um ministério extremamente machista, integrado apenas por homens brancos e ricos… Enfim, tudo isso tem gerado um descontentamento na população, e isso se reflete nos senadores. Segundo, porque vários senadores disseram que votaram apenas pela admissibilidade do processo, mas não pelo seu conteúdo, pelo seu mérito. Então, com esse conjunto de fatores de descontentamento, com as manifestações populares crescentes, e a conversa com os parlamentares, tudo isso pode reverter dois ou três votos, ou pode nos propiciar cinco ou seis, impossibilitando que a oposição ao nosso governo alcance os 54 votos. 

Tribuna - O que a presidente não fez e precisaria fazer na primeira semana de sua eventual volta ao governo?
Rui Falcão -
A presidenta tem dado sinais que apresentará novas propostas na hipótese do seu retorno. Ontem mesmo [sábado], em uma entrevista para uma jornalista da Folha de S. Paulo, a Mônica Bergamo, ela disse que fará isso, seja no campo de medidas de política econômica, seja propor para debate, ainda que o Congresso não queira aprovar, a medida de reforma política e de democratização da mídia, que são necessárias para que a sua popularidade no campo popular se recomponha. 

Tribuna - O que o PT deveria fazer para voltar a ser o partido do combate às desigualdades e à corrupção no país? Isso será possível ainda?
Rui Falcão -
Nunca deixamos de fazer o combate à corrupção, nem tampouco de lutar para transformar a sociedade a fim de reduzir a desigualdade e tornar a sociedade mais democrática e popular. 

o Portal da Transparência, a praxe de nomear o primeiro indicado na lista do Ministério Público, o reaparelhamento e condições de trabalho para a Polícia Federal poder investigar… Enfim, são medidas que hoje permitem que haja tanta consciência na população sobre o combate à corrupção, e tanta gente sendo pilhada por ter corrompido.

Tribuna - E os casos de corrupção que atingem frontalmente o maior legado do PT?
Rui Falcão -
Nenhuma dessas gravações que estão sendo divulgadas mencionam pessoas do PT. E o nosso companheiro que está preso foi condenado sem nenhum tipo de prova, apenas com base em delações. Não há nenhuma informação que ele tenha se apropriado de recursos para fins particulares. O PT tem quase dois milhões de filiados, e é natural que, em um partido dessa dimensão, um ou outro militante possa transgredir; mas nos casos em que isso ocorre com comprovação, ele não pertence mais ao PT. Veja o nosso tratamento no caso do senador Delcídio do Amaral: quando vazou aquela gravação, dissemos que não deveríamos ter nenhum tipo de solidariedade, porque fazia aquilo por razões de ordem pessoal, e não partidária. E quando íamos abrir o processo necessário de comissão de ética para expulsá-lo, ele se antecipou e se desfiliou do partido.

Tribuna - O que dizer sobre a corrupção na Petrobras, que atinge o ex-presidente Lula e o núcleo duro do partido?
Rui Falcão -
Não há nenhuma prova contra o PT e o ex-presidente Lula. Sucessivas vezes ele já se manifestou nesse sentido e desafiou os seus acusadores a apresentarem qualquer tipo de prova das alegações que fazem.

Tribuna - O PT se julga responsável pelo governo Dilma ou ela não escutou o partido e levou o país a essa situação que hoje está?
Rui Falcão -
Não, ela é nossa presidenta, foi eleita com o nosso apoio. Temos a convicção que ela cumpria o nosso programa, e em alguns momentos tivemos divergências, como é natural na separação entre partido e governo. Até porque o governo da presidenta Dilma, apesar de ter o nosso apoio, era integrado por vários partidos, alguns dos quais nos traíram ao tramarem o golpe. 

Tribuna - O PT defendeu muitas bandeiras nesses 13 anos de governo, entre elas a reforma política. Por que elas ficaram pelo caminho?
Rui Falcão -
Ficaram no caminho pelo tipo de parlamento que temos no país. Quero lembrar que, em 2013, a presidenta mandou para o Congresso uma proposta de plebiscito sobre a reforma política. Essa proposta permanece engavetada, com 187 assinaturas, e não é pautado por aquele que hoje está afastado por denúncias de corrupção e contas no exterior, o deputado Eduardo Cunha. E, no governo Lula, duas ou três propostas, uma delas enviada pelo então ministro da Justiça Tarso Genro, também ficaram paralisadas no Congresso. Mas continuamos defendendo e achamos que seja vital para o país uma reforma política ampla, seja uma Constituinte exclusiva para a reforma, seja um plebiscito. Enfim, propostas que estão paradas no Congresso e que o movimento social, em conjunto com o PT, como a Frente Brasil Popular, defende. Mas, nesse momento, o que defendemos primordialmente é deter o golpe, impedir que a presidenta seja afastada definitivamente. 

Tribuna - Como o senhor vê o começo do Governo Temer?
Rui Falcão -
É um governo de desastre e que infelizmente confirma o que dizíamos. Um governo antipopular, que pretende privatizar todo o patrimônio público, que investe contra a Petrobras. E que tem uma diplomacia regressiva, porque cancela a multipolaridade e a multilateralidade dos governos de Dilma e pretende restabelecer a política de alinhamento automático com os Estados Unidos. No plano cultural, no plano dos costumes, também é altamente conservador. Enfim, é aquilo que se previa, um governo que tem no seu centro, quase como um primeiro ministro, o senhor Eduardo Cunha, que nomeia assessores da Casa Civil e o ministro da Justiça, seu ex-advogado. Um governo que tem como líder o deputado André Moura, que tem três inquéritos por corrupção e um por tentativa de homicídio.

Tribuna - E esse loteamento político que parece marcar o começo do governo do PMDB? Uma repetição de erros?
Rui Falcão -
É um governo que faz a partilha do butim. São deputados, alguns sem nenhuma expressão maior. O ministro da Educação, uma de suas primeiras audiências é com Alexandre Frota, um estuprador confesso. E basta isso para falar um pouco do perfil desse ministério, que não tem um negro, uma mulher e, aparentemente, paga os apoios para que o golpe se realizasse. 

Tribuna - O PMDB traiu o PT durante ou já no limiar do governo?
Rui Falcão -
As coisas começam a ficar mais nítidas, e eu não diria que é o PMDB todo, porque tem o PMDB do senador [Roberto] Requião. E há outros que não participaram dessa conspirata. Diria que é o PMDB de Michel Temer e Eduardo Cunha – esses conspiram desde o início do segundo governo da presidenta. E isso ficou mais nítido quando Eduardo Cunha, quando negamos a chantagem a que nos expôs, querendo que votássemos a seu favor no Conselho de Ética da Câmara, detonou [sic] o processo de impeachment. Depois teve também aquela carta do vice-presidente se queixando de ser uma peça decorativa. E como confessou, agora há pouco, um deputado do PSB, Heráclito Fortes, esse golpe vinha sendo tramado há anos com reuniões sucessivas feitas no [Palácio do] Jaburu, seja no apartamento dele ou de outros parlamentares.

Tribuna - Como explicar a mudança de posicionamento de partidos que antes integravam o governo Dilma e de última hora mudaram de lado?
Rui Falcão -
A traição deve ser explicada pelos traidores, porque os interesses são inconfessáveis, a meu ver. 

Tribuna - O senhor tem estado com a presidente Dilma? Ela é uma mulher amargurada ou ainda sonha em retomar o poder? O que pensa ela hoje?
Rui Falcão -
Ela é uma pessoa muito firme, muito forte. Tem trabalhado no Alvorada, recebido lideranças, e ela está muito convicta que pode retornar ao governo. Vejo nela um sentimento de indignação, de que foi injustiçada, mas não de fraqueza ou abatimento. 

Tribuna - Como o ex-presidente Lula tem se comportado internamente junto ao PT diante da mudança de governo e desse processo em curso no país?
Rui Falcão -
Tenho dialogado muito com ele, que tem interesse em participar dessa mobilização nacional pela volta de Dilma com muita determinação. Mas também com muita indignação pela sucessão de calúnias que propagam contra ele e cujo objetivo nítido é fragilizá-lo e impopularizá-lo, e impedir sua eventual candidatura em 2018. Apesar da bateria de ataques que vem sofrendo, ele continua liderando as pesquisas de opinião no caso de uma eventual eleição para presidente.

Tribuna - O senhor teme que a Operação Lava Jato atinja de alguma forma, e possa até prender o ex-presidente Lula?
Rui Falcão -
Já fizeram arbitrariedades contra ele, como aquela condução coercitiva sem nenhuma necessidade, visto que ele já fora voluntariamente depor quatro vezes para a Polícia Federal. Foi um ato de provocação e eventualmente podem tentar repetir. Mas não há nenhuma base para que ele seja sujeito a qualquer tipo de coerção porque não praticou nenhum delito.

Tribuna - Qual a opinião do senhor sobre o pedido de novas eleições presidenciais? É uma saída para essa situação de crise?
Rui Falcão -
Não. No momento, lutamos pelo fim do golpe, pelo “fora, Temer”. Em uma outra conjuntura, esse tema poderá ser debatido, mas não agora. 

Tribuna - O partido vai pagar um preço alto já na próxima eleição?
Rui Falcão -
Várias vezes já anunciaram a nossa destruição, o nosso fim, sem sucesso. As eleições municipais vão se dar em um quadro diferente de 2014. Primeiro, porque transcorrerão, pelo menos no seu início, sob o governo ilegítimo e usurpador. Segundo, porque transcorrerão sem aquele maldito financiamento empresarial que marcava o peso do poder econômico sobre as eleições. Então, com uma campanha que terá que ser feita com apoiadores voluntários, creio que as nossas chances aumentem. E podemos ter crescimento em vários municípios.

Tribuna - O PT da Bahia assume um destaque ainda mais importante na conjuntura nacional e do partido pela força que tem no Estado?
Rui Falcão -
Nosso partido está debatendo o início do processo eleitoral, as alianças, as candidaturas, sobretudo na capital. Tivemos na Bahia dois presidentes, primeiro Jonas [Paulo] e agora Everaldo [Anunciação], que vem conduzindo o PT rumo ao crescimento. Aumentamos o número de prefeitos e prefeitas no Estado e, pelo que tenho falado com o presidente Everaldo, a expectativa deste ano é termos novamente o crescimento. 

Tribuna - O senhor diz que o partido não vai se refundar ou mudar de nome, como fez o PFL (hoje DEM). O que vai mudar então para que ele reconquiste seu espaço?
Rui Falcão -
Na última reunião do diretório, iniciamos um diagnóstico e um debate sobre as razões que levaram ao golpe, sobre o que tem acontecido ao PT, sobretudo nesse último período de 13 anos que governamos. E esse processo de debate, de reflexão, de autocrítica e de projeção para o futuro deve ser concluído em novembro com a realização de um encontro extraordinário. Até lá, teremos, no final de julho, uma reunião de dois dias do diretório nacional ampliado para que essas ideias possam ser melhor debatidas no conjunto dos filiados e filiadas. E, em novembro, traçaremos não só esse balanço, mas a fixação de diretrizes para o futuro do partido.

Tribuna - O senhor defende que, em Salvador, o PT lance um candidato próprio, ou há espaço para compor com outros partidos uma candidatura da senadora Lídice da Mata ou da deputada Alice Portugal?
Rui Falcão
- Não quero avançar no debate a esse respeito porque o nosso diretório está fazendo a avaliação dessas possibilidades, seja de uma aliança apoiando a candidatura de um partido aliado, seja o lançamento de uma candidatura própria. Isso vai ser decidido no encontro promovido pelo diretório estadual. Estamos nessa fase prévia de decidir se vamos apoiar candidato de outro partido ou não. O que está claro é que não vamos apoiar candidatos golpistas, ou seja, ninguém que tenha votado a favor do impeachment, e ninguém que tenha se pronunciado publicamente a favor do impeachment. 

Tribuna - Qual a mensagem que o senhor deixa? 
Rui Falcão -
Uma mensagem de otimismo, de que é necessária muita mobilização nesse momento. 

Colaboraram: Fernanda Chagas e Guilherme Reis.