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Alessandra Negrini vive mulher ambígua em espetáculo Sonata

A última passagem de Alessandra Negrini pelo tablado foi em A Propósito de Senhorita Júlia

Foto: Reprodução/ Instagram
Sonata Fantasma Bandeirante, no Sesc Ipiranga

A última passagem de Alessandra Negrini pelo tablado foi em A Propósito de Senhorita Júlia, que dividiu com Eucir de Souza o texto do sueco August Strindberg (1849-1912). A trama é transferida para o Brasil do século 21 por Eduardo Tolentino e coloca Alessandra no papel da filha de um deputado que seduz o motorista. 

Agora, como se entrasse em uma máquina do tempo, a atriz retorna ao século 17 para viver uma "mãe mulher branca", habitante do pobre povoado de São Paulo do Piratininga, em Sonata Fantasma Bandeirante. A atriz, que se debruça na personagem desde 2014, confessa que são intencionais todos esses estereótipos.

"Ela é oprimida pelo marido, mas também oprime seus escravos." Num jogo que parece se igualar, a personagem de Alessandra não se faz de vítima. A mulher mora com o filho e o marido, que a trai constantemente com as negras e as índias concubinas. "Ela é consciente disso, mas sofre diante da força de uma família comandada pelo homem."

Se no palco a personagem esmorece, fora dele, Alessandra luta. Nas últimas semanas, ela e outras artistas como Fernanda Montenegro, Andréa Beltrão e Marieta Severo estavam em pé de guerra contra empresas de telecomunicações, no caso da contribuição das teles. Em fevereiro, o sindicato da categoria obteve uma liminar que exime a contribuição conhecida como Lei da TV Paga. A alegação era de que as empresas não faziam parte da cadeia produtiva do audiovisual. "Isso é um absurdo!", brada a atriz.

"O que eles querem? Que exista apenas uma emissora de TV no Brasil e que o resto seja produção gringa? Como o cinema vai crescer assim?", questiona. Com mais de 150 assinaturas, o time de Alessandra apresentou um documento que contextualiza a força da produção audiovisual em todo o País. A contribuição serve para fomentar 80% do fundo setorial de produção independente. "Sempre vou defender o cinema, está no meu coração "

São casos como esse que afetam todo o cenário nacional. A atriz filmou recentemente o longa O Beduíno, do diretor Julio Bressane, mas o projeto passou por dificuldades financeiras para se concretizar desde 2011. Na trama, a atriz interpreta a mulher do próprio beduíno. Em alguns momentos, entretanto, eles não parecem se conhecer.

"Ela sonha constantemente com as mesmas coisas." Na proposta do diretor, a imagem é a de uma garota que é seguida por um navio próximo do porto. "Eles tentam compreender o mundo maluco em que estão vivendo", explica a atriz. 

Essa é a sua terceira empreitada com Bressane. Em 2007, Alessandra venceu o prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília por sua debochada Cleópatra. Ela contracenou com Miguel Falabella no papel do imperador Júlio César. Um ano depois, foi musa de Selton Mello em A Erva do Rato.

No filme, o casal que morava junto reúne fotos da mulher que, aos poucos, vão sendo devoradas pelo animal. Em 2011, mergulhou no caldeirão pop de 2 Coelhos, de Afonso Poyart. A frenética história de crimes se misturava às muitas referências de videogame, filmes do cinema americano e muitos efeitos especiais. "Foi uma delícia gravar."

Outras grandes paixão da atriz são o carnaval e o bloco Baixo Augusta, que neste ano lotou com a presença de Alessandra. Ela se tornou musa da folia de rua em São Paulo após fotos suas repercutirem nas redes sociais. "Carnaval serve para ser feliz. E eu quero é ser feliz!"

Na TV, seu mais recente papel foi o da vilã Susana, em Boogie Oogie (2014). Na novela, sua personagem era responsável por trocar dois bebês na maternidade, para se vingar do antigo amor Fernando (Marco Ricca), que havia a abandonado. Mas foi na minissérie Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados (1995) que a atriz teve seu primeiro trabalho destaque. 

Tal qual quando viveu a selvagem Isabel Olinto, em A Muralha (2000). No último capítulo, a guerreira que costumava capturar índios encarou o seu destino. Mesmo sendo branca, Isabel cultivava uma atração inconsciente pela mistério indígena. Com a ajuda do pajé, ela mergulhou na floresta e se transformou em uma onça-pintada.

Desta vez, seu papel no teatro ajuda a refletir sobre essa questão histórica. "No Brasil, os negros já têm pouca visibilidade. Mas e os índios? Não há quem os represente."

Vivos e mortos que movimentam o Brasil

É dentro de um baú que estão guardados grandes segredos, mentiras e revelações sobre a fundação do Brasil. São os chamados inventários dos bandeirantes que contêm testamentos deixados pelos homens durante suas expedições em busca de ouro e escravos. 

Os documentos reunidos foram abertos pela primeira vez pelo então governador paulista - e depois presidente do Brasil - Washington Luís (1869-1957). No palco de Sonata Fantasma Bandeirante, em cartaz no Sesc Ipiranga, esses documentos foram reproduzidos em tamanho real. "Estão descritos relatórios de bens e informações sobre a rotina das expedições, bem como das heranças deixadas", explica o dramaturgo e diretor amazonense Francisco Carlos. 

A montagem teve como ponto de partida Vida e Morte Bandeirante, de Alcântara Machado. Na obra dividida em cinco volumes, o autor faz uma reconstituição do passado de alguns municípios e de algumas personalidades entre os períodos de 1578 e 1700. 

A escolha do dramaturgo faz um recorte no século 1600 e se localiza no povoado de São Paulo do Piratininga, fundado em 25 de janeiro de 1554 por doze padres, entre eles Manuel de Nóbrega e José de Anchieta. 

O acampamento podia ser encontrado entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí. "Era um dos principais lugares. Lá, os bandeirantes também planejavam suas expedições", conta Carlos. O autor já desejava pesquisar os primeiros casos de conflito étnico ocorridos na fundação que matou indígenas e escravizou negros no Brasil. No entanto, Carlos conta, o ato de fazer essa revisão faz surgir nuances na narrativa. "Toda história é uma falsificação. São edições e hipóteses levantadas", afirma ele. 

Em sua perspectiva, Carlos resgata as lembranças de uma ambígua família, comandada pelo patriarca, vivido por Daniel Faleiros, e sua mulher, personagem de Alessandra Negrini. O papel do jovem filho é dividido por Begê Muniz e Daniel Morozetti. "Aos poucos, os vestígios vão surgindo e as memórias passam a assombrar como fantasmas", conta o autor.

Por meio de uma narrativa fragmentada, a Sonata revolve episódios de traição e morte. O marido evita a mulher, enquanto tem relações com as índias e as negras escravas. A mulher, em ódio, castiga. No palco, um filho hamletiano invoca a presença do pai que já está morto. Alessandra ressalta o empenho do diretor. "Fran tem um olhar muito cinematográfico, seu texto tem cortes secos e rápidos", analisa.

Autor da tetralogia Jaguar Cibernético, Carlos tem em seu repertório obras que procuram causar fricção pensando na tríade animais-homens-deuses. O resultado foi montagens intituladas Banquete Tupinambá, Aborígene em Metrópolis, Xamanismo The Conection e Floresta de Carbono - De Volta ao Paraíso Perdido. "São exercícios de mergulhar nessas épocas para, em seguida, criar um certo distanciamento e seguir na busca por compreender esse jogo de dominador e dominado."