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Secretário de saúde defende que criação do Aedes vire crime

Confira entrevista exclusiva

Em entrevista exclusiva à Tribuna, o secretário de Saúde da Bahia, o médico Fábio Vilas-Boas, defendeu a aprovação de uma lei para tornar crime ambiental permitir a existência de criadouro de larva de mosquito da dengue dentro de casa. Para ele, além da importância de que a população se una para combater o Aedes aegypti, considerado por ele o “inimigo número um da saúde pública do Brasil”, é necessário uma maior rigidez no controle, levando em conta os altos índices.

“Não tem agente de endemia e nem Exército que consigam dar conta da necessidade de cobertura. Cada um precisa proteger o seu quadrado, a sua área. Vamos propor uma lei para tornar crime ambiental ter criadouro de larva de mosquito dentro de casa”, frisou. Ainda, ao fazer um raio-X da saúde pública no país, ele dissse que “hoje, no Brasil inteiro, a maior dificuldade do sistema é garantir que ele continue de pé diante das dificuldades financeiras que o país atravessa”. E arrematou: “A CPMF ou qualquer outra forma de financiamento tem que vir, pois  não tem como sustentar o sistema de saúde pública e gratuita do Brasil sem novos recursos”.

Confira entrevista completa:

Tribuna da Bahia – Quantas são as carências ainda no setor de saúde pública? Qual foi o maior avanço e onde é preciso investir mais esforços para obter resultados mais satisfatórios?
Fábio Vilas-Boas -
Hoje, no Brasil inteiro, a maior dificuldade do sistema de saúde é garantir que ele continue de pé diante da dificuldade financeira que atravessa o país e, consequentemente, o sistema de saúde. O sistema de saúde foi concebido para ser universal e gratuito, e para um país pobre como o nosso, um estado pobre como a Bahia, manter essa universalidade e gratuidade é muito difícil. Nós temos um sistema que vem evoluindo e avançando. São 25 anos de funcionamento do SUS. Existia uma categoria de pessoas chamada de indigente. Quem não tinha Inamps [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social], quem não era empregado, não tinha plano de saúde. Todos viviam às custas dos hospitais públicos, que eram poucos, ou dos universitários ou filantrópicos, como o de Irmã Dulce, que atendiam de graça sem receber nada. Na Bahia, sem nenhum exagero, nos últimos dois governos [Jaques Wagner] nunca se investiu tanto em saúde. Não havia hospitais estaduais no interior do estado. Todo o atendimento de alta complexidade da Bahia era feito na capital, na Região Metropolitana e em Salvador. Wagner construiu hospitais em várias regiões do estado e descentralizou esse atendimento. E a proposta do governo Rui Costa é seguir nessa direção de descentralizar e regionalizar a assistência.

TB – Qual maior avanço neste um ano e dois meses à frente da Sesab?
FVB –
Enxergo a capacidade de profissionalização da gestão e das cobranças por metas que empregamos, que permitiu fazer com que a Secretaria continuasse a crescer em investimentos, sem levar o Estado à falência. Temos hoje um controle de custeio da pasta, com um acompanhamento de uma série de indicadores, que fizeram com que conseguíssemos ajustar a gestão para que não continuássemos a representar para o Tesouro do Estado um grande peso. Os custos da Secretaria estavam muito além do recebimento do que vinha do Ministério da Saúde. Eram quase R$ 500 milhões por ano do que a gente recebia. Tínhamos um estoque de passivos, e isso virou uma bola de neve. 

TB – Qual a atual situação financeira da Secretaria de Saúde?
FVB –
A falta de recursos é relativa. O recurso não deixa de faltar, porque você tem um mínimo constitucional que você é obrigado a cumprir. Toda a vez que faltar recurso para chegar a esse mínimo, o Estado vai aportar esse recurso. O problema é que existe uma diferença entre o que você precisa fazer e o que você pode fazer. Quanto menos recursos tivermos, essa distância se tornará maior. Hoje, o governador nos autoriza que nós evoluamos para 13%. Nós trabalhávamos com um orçamento de 12%, que é o mínimo constitucional, no final do ano sempre executávamos mais do que isso, 12,7%, mas isso não era orçamentário. Agora, nós partimos de um orçamento de 13%, o que para a Secretaria é uma coisa muito boa, porque nós conseguimos nos planejar orçamentariamente, ao invés de estar correndo atrás de recursos suplementares. 

TB – Quanto isso representa?
FVB –
Em torno de R$ 250 milhões a mais de financiamento de recursos para a Secretaria. Existe uma prioridade do governador em alocar recursos para a Saúde, e isso garante a ampliação dessa assistência no interior do Estado, e é o que estamos fazendo. Então, tendo dedicado um ano inteiro para uma série de ajustes, a gente consegue entrar em 2016 podendo fazer o que eu aprendi a fazer na minha vida privada, que foi trabalhar em cima de orçamento. Tem que fazer um planejamento orçamentário e financeiro, senão você vive naquela situação de faltar dinheiro hoje, pega dinheiro de outra rubrica, realoca e vira essa confusão. No final do dia você já não sabe de onde está tirando o dinheiro. É uma gestão de crise. Temos um setor orçamento e financeiro. Todos os setores da Secretaria têm cotas. Ele não vai simplesmente gastando e o pai rico pagando. Ele sabe qual é a mesada dele e ele tem que se enquadrar naquilo. E isso é uma coisa que nunca foi cobrada aos gestores públicos. Os diretores que estão nas unidades, 75% eu mantive. É gente que está na Secretaria há vários anos. Eles não tinham essa cultura de serem cobrados por resultados. Qual é o custo do serviço que ele presta? Qual o tempo médio de permanência de um paciente no hospital? Quanto é que ele fatura no Ministério da Saúde? O que você produz, preencher todos os papéis e mandar para o Ministério, ele te paga. Mas, no serviço público, Município, Estado, as pessoas não enxergam isso. Acham que fazendo ou não, o dinheiro vem de qualquer maneira. Mas o dinheiro vem muito menos do que poderia vir. Um hospital fatura R$ 2 milhões, mas ele gasta R$ 3,5 milhões, e essa diferença é arcada pelo Estado ou pelo Município. Se eu faturar tudo que eu poder faturar, após três meses, o ministério revê o teto do Estado ou Município e passa a pagar o que está sendo gasto efetivamente. Essa cultura de se fazer faturamento junto ao ministério existia muito pouco. 

TB – Quais são os principais gargalos da Saúde?
FVB –
O principal hoje é conseguir manter o sistema funcionando pela dificuldade financeira. Esse é o grande gargalo. Todo o mês precisamos fazer uma ginástica para poder conseguir pagar todos os hospitais e todos os servidores. Apesar de todos os ajustes que a gente fez, hoje recebemos menos do que a gente gasta. Esses dois meses do começo do ano são sempre piores. O Estado nesses dois meses arrecadou menos do que arrecadou no ano passado. O gargalo é dinheiro, é a falta de recursos. Na área técnica, o maior gargalo é conseguir garantir acesso à população em todo o estado. Temos um estado muito grande, com distâncias muito grandes. Os hospitais estão muito longe das pessoas. 

TB – E qual a solução para esse gargalo?
FVB –
Uma das soluções possíveis de serem implantadas é rever, primeiro, o funcionamento desses hospitais todos. A Inglaterra, a Espanha, Portugal, todos quando criaram seus sistemas públicos reviram todos os seus hospitais. Não é possível você ter quatro hospitais pequenos em uma cidade e todos funcionando no vermelho. E hoje é o que você tem em algumas cidades. Ou várias cidades pequenas de 10, 20 mil habitantes com hospitais, todas juntas uma das outras e todos os hospitais funcionando no vermelho. Um processo que precisamos enfrentar é rever todos os hospitais de pequeno porte do interior do estado e revocacioná-los. Um hospital com centro cirúrgico pode deixar de ser um hospital e virar uma maternidade apenas, ou virar um clínica de especialidades ou uma UPA [Unidade de Pronto Atendimento]. E naquela região, pego o melhor hospital, o mais estruturado, pegamos os recursos da região e investimos, e os outros se tornam estruturas de baixa complexidade e de baixo custo, sem porta aberta, funcionando 24 horas. A outra coisa que precisa-se fazer, e nós já começamos a fazer, é criar consórcios. Os consórcios de saúde são uma forma inovadora de se fazer o SUS funcionar. No papel, o SUS funciona perfeitamente. Ele tem um sistema de pactuação entre os municípios e o Estado em que um município pequeno compra o serviço do município maior, e ele paga esse serviço. Só que ele paga pela tabela do SUS.

TB – Muito se fala da necessidade de acesso a UTI por parte da população. Existem informações que em grandes hospitais se fecharam UTIs nos últimos dias. O que temos de informação sobre isso? 
FVB –
Não é verdade. Não houve nenhum fechamento de leito de UTI público no Estado da Bahia. Pelo contrário, houve ampliação. O Hospital Roberto Santos tinha uma UTI de adulto com 22 leitos, no papel, mas funcionava com 18 leitos. E para isso se tinha três médicos, porque a recomendação é um médico para dez leitos. Por ter 22 leitos no papel se tinha três médicos. Eliminei dois leitos e passou a precisar de dois médicos. Reestruturei a equipe com dois médicos e oficialmente 20 leitos, então, hoje, a UTI adulta foi aumentada em dois leitos. Tínhamos uma UTI pediátrica que estava em reforma a um tempo, concluímos e entregamos. A UTI pediátrica era de 15 e passamos para 20 leitos. Fizemos investimentos, ampliamos e a nossa intenção é ampliar ainda mais. Fiz uma determinação para a equipe que onde for possível nos nossos hospitais passar de 10 para 20 leitos, nós vamos fazer. Porto Seguro já está com essa ordem para poder fazer isso. Porto Seguro tem cinco leitos de UTI e vamos passar para 10 leitos, imediatamente, com uma obra rápida, e vamos construir mais 10 leitos de UTI para cárdio e neuro. 
 

TB – O que vai representar a inauguração do HGE 2 e quando ele será entregue?
FVB –
O HGE 2 ainda não foi entregue porque ele não está pronto. Toda a obra, ainda mais de um hospital, tem uma série de detalhes que precisam ser vistos. Por mais que se preveja no projeto, mas se descobre pequenas falhas. Coisa simples. Colocaram um ponto de lógico e esqueceu de colocar o ponto de energia. E você só descobre isso quando você vai instalar o monitor. Esse é um exemplo. Mas tem vários detalhes que fomos identificando na hora de tentar abrir o HGE. E a ordem do governador é só abrir quando estiver tudo pronto. Ele não quer obra lá dentro. O HGE 1 levou dois anos para ficar pronto depois que foi inaugurado. Ele foi sendo inaugurado aos poucos. O governador quer que a gente termine tudo. Tem obra de ajustes que estão sendo feitas lá dentro. A cozinha, por exemplo, está sendo comprada. Todos os equipamentos industriais estão sendo licitados. O HGE 2, inicialmente era para ser um anexo, depois virou um hospital e, em função disso, não foi previsto abrigo de resíduos lixo. Como vai se produzir muito lixo, tem que se construir um abrigo. Tivemos que construir uma nova estação de energia para poder alimentá-lo, e isso envolveu puxar uma rede de energia separada. Tudo isso para não correr o risco de inaugurar o hospital e, na hora que ligar o botão, dar uma pane nos dois prédios. 

TB – Nunca houve preocupação com esses detalhes?
FVB –
Houve, mas, como todo hospital, é assim. Um hospital é um empreendimento bastante complexo. 

TB – Existe a questão da necessidade de se ter ordenamentos internos e necessidade de cada unidade, mas muito tem se falado em recriar a CPMF como forma de financiamento da saúde pública. É a única solução?
FVB –
Claro que não. Se você não tem dinheiro, e isso serve para qualquer pessoa ou empresa, você tem que rever seus gastos. Pode até não gastar menos, mas se você estiver gastando com ar-condicionado e está faltando dinheiro para a comida, você terá que desligar seu ar-condicionado para poder comer. E isso serve para o sistema de saúde. Você tem que buscar mais eficiência. A palavra mágica para qualquer gestor público de saúde é eficiência. Se você não tiver eficiência, não vai ter dinheiro. Você tem que fazer mais com a mesma coisa, ou fazer a mesma coisa com menos. Não tem outra alternativa no momento. Não podemos ficar esperando que Estado, com as dificuldades financeiras que tem, esteja lá o tempo todo disponível para suplementar meu orçamento e eu ser uma pessoa perdulária. Se partimos do pressuposto de que devemos expandir o sistema, gerar serviços e depois apresentar a conta para o secretário da Fazenda pagar, os gastos da saúde são tão grandes que pode quebrar o Estado. A responsabilidade é muito grande. Temos o segundo maior orçamento de secretarias do Estado. São R$ 5 bilhões. 

TB – E A CPMF?
FVB –
A CPMF ou qualquer outra forma de financiamento ela tem que vir. Não tem como sustentar o sistema de saúde pública e gratuita do Brasil em entrar recursos. Existe uma PEC 01 [Proposta de Emenda à Constituição] que prevê um aumento do percentual de contribuição da União para o sistema de saúde. Essa PEC vai ser ineficaz se não vier acoplado com o dizer de onde é que o dinheiro vem. Os deputados têm que entender que é preciso suplementar o sistema de saúde. Está faltando dinheiro para vacina, para medicamento. Nunca faltou. O Orçamento do Ministério da Saúde para vacina é R$ 200 milhões menor do que era o ano passado.

TB – A gente vive uma epidemia de dengue, chikungunya e zika. O Estado está fazendo um enfrentamento muito forte, já que tem incomodado tanto a população? 
FVB –
Desde janeiro do ano passado, já entramos na secretaria com um projeto de enfrentamento dessas arboviroses. Encomendei ao meu subsecretário, o professor Badaró, em dezembro de 2014, um plano de enfrentamento para os arboviroses porque em setembro de 2014 havia chegado à Bahia a chikungunya. Tinha a intenção de fazer um grande projeto de contenção dessas arboviroses. Chamamos o centro americano para controle de doenças, levamos três meses em estudos, mas, lamentavelmente, o ministro anterior [Alexandre Padilha] não quis que o nosso projeto fosse utilizado. Ele não concordava e não ofereceu os recursos que nós precisamos, que era de R$ 16 milhões, para financiar esse projeto. Em abril e maio tivemos a entrada da zika, os casos de guillain barre, e sabemos a história toda que se sucedeu a isso. Hoje, os fundamentos da Organização Mundial de Saúde estão no mesmo projeto que a gente fez no começo do ano passado e envolve o uso de repelente, telar as casas, barreira mecânica, isolar os contatos. E é o que nós estamos fazendo hoje. O Aedes é o inimigo número um da saúde pública do Brasil. O Brasil tem que se dedicar a combater esse vetor, que é responsável por essa doença e por várias outras que não chegaram ainda e que podem voltar como a febre amarela urbana, pode voltar a qualquer momento, febre do nilo ocidental, doença de mayaro, cefalite, uma série de vírus que esse mosquito consegue transmitir e que podemos ter a qualquer momento introduzidos no Brasil e a gente não sabe. Não sabíamos o que era a chikungunya, a zika, hoje em dia são duas doenças que estão aí, fora a dengue. Essa é uma batalha que só será vencida pela sociedade e por uma geração. É um momento do Brasil provar-se como nação. Não tem agente de endemia, nem Exército que consiga dar conta da necessidade de cobertura, cada um precisa proteger o seu quadrado, a sua área. Vamos propor uma lei para tornar crime ambiental ter criadouro de larva de mosquito dentro de casa. 

TB – Microcefalia no estado. É possível dizer que existe ligação com os casos do zika vírus? 
FVB –
São 770 casos. Primeiro que esses números são exagerados. Microcefalia existe por várias outras coisas: sífilis congênita está explodida no Brasil por falta de penicilina e por falta de atenção básica; as gestantes não fazem pré-natal e  isso causa microcefalia. Citomegalovírus, toxoplasmose, uma série de outras doenças que estão jogadas no rótulo de zika. As crianças que chamamos de PIG, ou seja, Pequeno para a Idade Gestacional, são filhos de pessoas com cabeças pequenas e nascem com a cabeça pequena. Nem todo mundo com 32 milímetros tem uma microcefalia patológica. Agora, que existe relação e que esse excesso de casos estão relacionados à zika, não tenho a menor dúvida. Cientificamente, a associação precisa ainda unir algumas pontas, mas os dados epidemiológicos e as evidências existentes até o momento são muitos fortes para se acreditar que o vírus está associado à microcefalia. Colaboraram David Mendes e Fernanda Chagas.