Se você deseja morar em Buenos Aires e possui muito dinheiro, é uma péssima ideia pedir ao seu corretor de imóveis que compre uma área no local com o metro quadrado mais caro da capital argentina (onde um espaço pode custar até US$ 250 mil, ou cerca de R$ 750 mil).
Por que você irá parar na Avenida Junin, 1760, e o que existe lá é um cemitério. Pior ainda: diferente dos outros, no Cemitério da Recoleta, inaugurado em 1822, os mortos (quase) podem ser vistos.
Os caixões ficam à mostra, em vários dos 4.800 sepulcros e mausoléus particulares, mais de 90 destes tão importantes, do ponto de vista arquitetônico, que foram considerados Monumento Histórico Nacional.
O Cemitério da Recoleta ocupa 54.843 metros quadrados e está aberto à visitação pública todos os dias, das 7 às 18h. A entrada é gratuita.
Uma guia vai lhe oferecer um mapa – custa 20 pesos argentinos, ou em torno de R$ 6. Vale a pena comprar (o dinheiro é revertido para a manutenção do espaço).
Há serviços gratuitos de guia, mas os estrangeiros podem dispensá-los, porque eles falam muito de personalidades locais, que para moradores de fora da Argentina nada significam.
Prefira fazer o passeio por conta própria, usando o mapa como orientação.
O túmulo de Evita Perón
Os túmulos são verdadeiras obras de arte, alguns tão grandes quanto pequenas igrejas, mas alguns deles devem ser visitados mais pelas histórias em que se encontram envolvidos.
Localize no mapa a quadra C-7 e, nela, o mausoléu da Família Duarte. É ali que está o túmulo de Eva Perón, mulher do presidente Juan Domingo Perón e quase uma santa para muitos argentinos.
Comparado com os outros mausoléus, o de Evita é simples, e fica em uma quadra estreita, facilmente passa-se por ele sem notá-lo.
Já recebeu multidões de visitantes, hoje atrai menos a atenção.
1 - A noiva e seu cão
Liliana Crociati de Szaszak nasceu no dia 10 de março de 1944 e casou-se com um austríaco em 1970, aos 26 anos. Foi passar a lua-de-mel na Áustria. No dia 27 de fevereiro, uma avalanche atingiu o quarto do hotel em que estava hospedada. Seu marido foi resgatado vivo em menos de 15 minutos, mas Liliana ficou soterrada durante quase uma hora. Foi reanimada, mas acabou morrendo. Conta-se que no mesmo dia seu cachorro de estimação – Badu – morria na Argentina.
O túmulo de Liliana Crociati, na quadra D-9, reproduz seu quarto de dormir e atrai multidões, no Cemitério de Recoleta. À frente do mausoléu, uma estátua de Liliana (com o vestido de noiva e o anel de casamento) ao lado de seu cachorro.
Liliana e Sabu - Foto: iG Bahia
Abaixo das estátuas, uma placa exibe um poema (em italiano), escrito pelo pai de Liliana, o poeta José Crociati.
À minha filha
Somente me pergunto o porquê
Tu te foste e deixaste meu coração destruído
O qual apenas te queria, por quê?
Por quê? Apenas o destino sabe a razão, e eu me pergunto: por quê?
Porque não podemos ficar sem ti, por quê?
Tu eras tão bonita que a natureza, invejosa, destruiu-te. Por quê?
Apenas me pergunto por que, se há um Deus, ele leva-te em Seu nome.
Porque ele nos destrói e nos deixa numa eternidade de tristezas!
Por quê? Eu acredito no destino, não em Você. Por quê?
Porque apenas sei que sempre sonho contigo, por que isso?
Por todo o amor que meu coração sente por ti.
Por quê? Por quê?
Teu Papai
Quase todos que visitam o sepulcro passam a mão no focinho de Badu. Há duas versões para isso: uma diz que traz boa sorte; outra, que garante um retorno a Buenos Aires.
2 - A Dama Branca
Rufina Cambaceres era uma adolescente solitária, filha do escritor Eugenio Cambaceres. Em 1902, no dia em que completava 19 anos, foi encontrada caída, em seu quarto. Estava morta, garantiram três médicos. Foi levada para a quadra E-9 do Cemitério da Recoleta.
Dias depois, funcionários perceberam que a tampa do caixão estava partida. Ao ser aberto, descobriu-se o corpo da jovem retorcido, e marcas de unhas na parte interior da tampa. Rufina Cambaceres havia sido sepultada viva.
Em seu mausoléu vê-se um anjo abrindo a porta e garante-se em Buenos Aires que o fantasma de Rufina – conhecida como a Dama Branca – vagueia pelas quadras, à noite, solitário.
3 - Separados para sempre
Salvador Maria del Carril foi vice-presidente, governador e ministro. Era casado com Tiburcia Domínguez del Carril. Brigaram. Ficaram mais de 30 anos sem se falar.
Ele morreu. Sua mulher mandou construir um dos mais imponentes mausoléus do Cemitério da Recoleta, na quadra K-3. No alto, uma estátua do marido, confortavelmente sentado.
Tiburcia morreu 15 anos depois. Seu corpo foi levado para o mausoléu, e sua família fez-lhe o último desejo: o de colocar um busto seu de costas para o do marido.
Desunidos para sempre. Um ódio eterno.
4 - O descanso do coveiro
David Alleno era coveiro do Cemitério da Recoleta. Seu sonho era ser sepultado ali, mas para isso precisaria economizar a vida inteira. Foi o que fez. Guardou cada centavo, até que em 1910 tinha o suficiente para comprar um espaço no cemitério.
Nesse dia, avisou à administração: “Não vou mais trabalhar aqui”. Foi para casa, onde se matou, com um tiro.
Em seu túmulo, na quadra F-3, há uma estátua com um regador, um molho de chaves e uma vassoura.
5 - A noiva do Rio da Prata
Elisa Brown, de 17 anos, era filha do almirante Guillermo Brown e estava noiva do comandante Francis Drummond. Pai e noivo lutavam na Guerra Cisplatina, contra o Brasil, onde Francis acabou morrendo.
Desesperada, Elisa enlouqueceu, e oito meses depois se jogou nas águas barrentas do Rio da Prata, morrendo afogada.
Um dos canhões do navio usado pelo noivo na guerra foi fundido e com ele se construiu a urna onde estão os restos mortais de Elisa Brown, na quadra I-9.
Depois do cemitério
Ao sair do Cemitério da Recoleta quase certamente você será abordado por pessoas que lhe convidarão a ir a um dos restaurantes em frente. Você vai pagar cerca de 100 pesos argentinos (pouco mais de R$ 30) por uma entrada, um prato principal e uma sobremesa (alguns incluem também uma bebida).
A comida é ruim. Há um shopping center à direita, onde é possível garimpar coisa melhor.
Seguindo pela esquerda, a partir da saída, chega-se a uma pequena loja com objetos de decoração e a uma grande área verde. Atravessando o gramado e virando à esquerda, encontra-se a imponente Faculdade de Direito.
Do outro lado da rua fica o Museu de Belas Artes, com obras de Rodin e quadros de pintores famosos. A entrada é gratuita.
Floralis Genérica - Foto: iG Bahia
Ao lado da Faculdade de Direito, na Praça das Nações Unidas, há uma obra do arquiteto Eduardo Catalano, a "Floralis Generica", também conhecida como "A Flor", de alumínio e aço, com quase 20 metros de altura, 16 de diâmetro e pesando 18 toneladas.
Ela se abre todas as manhãs, às 8 horas, e se fecha ao anoitecer, copiando os movimentos de uma flor real.