Construída há mais de quatro séculos, sendo também, um dos primeiros acessos de subida e descida entre as cidades Alta e Baixa, a Ladeira da Preguiça passou por um longo período de desgaste físico, e esquecimento do poder público, com o crescimento da cidade indo em outras direções – fator que levou ao seu abandono e aos diversos problemas sociais, tornando a ladeira um local propício para a venda e uso de drogas, ocorrências de roubos e estupros, além da prostituição. Mas, desde junho de 2013, a rua tem passado por um processo de transformação que tem ajudado a reconstruir a identidade desta que é uma das três ladeiras mais antigas de Salvador.
A ideia de transformar a Preguiça – e combater o estigma que a ladeira enfrenta há várias décadas – surgiu após um desejo coletivo de mudança dos moradores, segundo explica o agente cultural e residente da região Marcelo Teles. “Depois de várias reuniões, nós conseguimos nos articular, e dar início às mudanças através de pintura e grafite das residências”. Assim, a nova decoração nas casas e na calçada foram os primeiros passos para fazer da abominável “cracolândia” um berço cultural, que renasce das cinzas, e que hoje, além de uma aparência física melhor, também fomenta a cultura através de oficinas, atividades esportivas, bazares e apresentações musicais e teatrais.
A maior parte das atividades é fomentada através do Centro Cultural “Que Ladeira É Essa?”, administrado por cinco moradores, entre eles o próprio Teles. Por meio de três imóveis, eles realizam aulas de jiu-jitsu e capoeira, percussão, sediam um cineclube e executam oficinas de expressão. Todas elas agregando um grande público infanto-juvenil. Uma iniciativa completamente comunitária, segundo explica Marcelo. “Não recebemos nenhum tipo de apoio ou incentivo financeiro de qualquer instituição do poder público. Todas as nossas atividades são realizadas com a ajuda conjunta dos moradores”.
Por esta mesma razão, não há uma periodicidade para a maioria das atividades, nem um número certo do público de alunos e frequentadores dos três espaços físicos que servem às atividades do centro cultural. “As atividades, na maioria das vezes, são feitas em parceria com artistas de outras regiões da cidade, e que se comprometem por interesse próprio a executar oficinas e o cineclube”, comentou o agente cultural. As pinturas mais recentes nas fachadas das casas foram obras de contribuição de artistas de outras partes do país e do mundo – uma prova, explica Teles, de que o projeto está conseguindo crescer e se fazer visto.
Preconceito com a região vira respeito aos moradores
Moradores como o marinheiro Oberdan dos Santos apoiam a iniciativa do “Que Ladeira é Essa?”. Residente da via da Preguiça desde quando nasceu, Oberdan se acostumou com o preconceito gerado pelo estado de abandono da vizinhança, e agora, após todos esses anos, vê a possibilidade de uma real mudança. “Já tive problemas até mesmo com táxi, que se recusava a subir a ladeira, por receio de alguma ação criminosa”, relatou ele.
A comerciante Ânia Moraes, que mora no local a dezesseis anos, também afirma que houve uma melhora significativa na região depois das frequentes ações culturais pela ladeira. “A gente vê que hoje está havendo um respeito maior pelos moradores daqui, e as pessoas estão se sentindo mais à vontade para ir e vir”, ela comenta. Os planos do centro cultural é colocar a ladeira de forma definitiva na rota turística da capital baiana. Uma tarefa que tem sido difícil devido ao estigma que o local sofre.
Mas, quanto aos problemas sociais, Marcelo Teles explica que estes diminuíram consideravelmente, e mesmo em relação aos usuários de drogas que ainda frequentam a ladeira, existe uma relação de mútuo entendimento entre eles e os moradores, para que o aspecto da ladeira sempre seja o melhor possível. “Dessa forma, os próprios usuários têm ajudado na manutenção da ladeira, ajudando a recolher o lixo espalhado pelas calçadas”, explicou ele.
Para fomentar ainda mais a Ladeira da Preguiça como espaço cultural, a entidade usa cada vez mais dos meios digitais, principalmente com a divulgação de atividades e eventos por meio das redes sociais. Através do site oficial (www.queladeira.com), e uma página no Facebook, o “Que Ladeira é Essa?” já tem chamado a atenção de artistas dos diversos cantos do mundo gerando um interesse coletivo de pessoas que querem ver de perto a transformação executada pelos moradores. Um resultado que, mesmo discreto, revela o poder do esforço coletivo, para transformar a ladeira secular.