
O ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello criticou decisões de Alexandre de Moraes, questionou as recentes medidas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, criticou a competência da Corte para conduzir o caso, classificou algumas determinações como censura e alertou para o impacto dessas ações sobre a imagem do Supremo.
Para compreender o que está por trás das decisões de Moraes, seria necessário levá-lo ao psicanalista, disse o ex-ministro. “Eu teria que colocá-lo em um divã e fazer uma análise talvez mediante um ato maior, e uma análise do que ele pensa, o que está por trás de tudo isso. O que eu digo é que essa atuação alargada do Supremo, e uma atuação tão incisiva, implica desgaste para a instituição... A história cobrará esses atos praticados. Ele (Moraes) proibiu, por exemplo, diálogos. Mordaça, censura prévia, em pleno século que estamos vivendo. É incompreensível.”
Especialistas ouvidos pelo UOL também avaliam que decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes abre espaço para uma leitura dúbia sobre censura prévia, nas medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
"A regra geral é a seguinte: as pessoas são responsabilizadas pelo que dizem e fazem, mas não podemos impedi-las de dizer", ensina Davi Tangerino, jurista e professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
"[Moraes] exagera porque envolve terceiros que não estão no tipo penal e nem como suspeitos no inquérito", afirma Wálter Maierovitch, jurista e colunista do UOL.
Origem equivocada
As restrições determinadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro por Alexandre de Moraes são indevidas, no entendimento do ex-ministro Marco Aurélio e o processo, ainda segundo o ex-ministro, tem origem equivocada, uma vez que a Constituição delimita a competência do STF, que não inclui o julgamento originário de cidadãos comuns ou ex-ocupantes de cargos como presidente da República, deputado federal ou senador.
Ao citar o caso do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que respondeu a processos criminais na 13ª Vara Federal de Curitiba, o ex-ministro afirmou que a legislação não mudou e, portanto, é incoerente que Bolsonaro esteja sendo processado diretamente no Supremo. Para ele, esse caminho compromete o devido processo legal e fere a Constituição. Ele defendeu que é preciso agir com equilíbrio e evitar a censura prévia, prática incompatível com o estado democrático de direito.
Questionado sobre quais pontos configurariam censura, ele citou a proibição do ex-presidente de utilizar redes sociais, dialogar com terceiros e a imposição do uso de tornozeleira eletrônica. Considerou essa medida como uma penalização antecipada e humilhante para um ex-chefe de Estado, sem justificativa plausível como o risco de fuga. Na sua avaliação, essas restrições violam a dignidade da pessoa humana e não se harmonizam com os princípios constitucionais.
Ao comentar o andamento dos processos no STF, o ex-ministro criticou mudanças regimentais que transferiram a competência para julgar ações penais do plenário para as turmas da Corte. Segundo ele, em seus 31 anos no tribunal, nunca viu processos penais serem analisados fora do colegiado completo. Avaliou essa mudança como sinal de distorções institucionais.
Sobre as motivações por trás das decisões de Moraes, o ex-ministro evitou fazer juízo psicológico, mas afirmou que a atuação excessivamente incisiva tem provocado desgaste ao STF. Disse ainda que as condições impostas a Bolsonaro se assemelham a de um condenado, embora ainda não exista decisão judicial definitiva.
Espírito de corpo
O ex-magistrado também criticou o que classificou como “espírito de corpo” entre os ministros da Corte, apontando que isso compromete a independência dos julgamentos. Destacou que, durante seu período no STF, manifestava seu entendimento de forma autônoma, independentemente da posição dos colegas.
Marco Aurélio Mello chamou atenção para a centralização de processos relacionados ao ex-presidente nas mãos de Moraes, relator do inquérito das fake news, o que, segundo ele, viola o critério democrático da distribuição processual.
O ex-ministro expressou preocupação com o possível impacto das medidas sobre a liberdade de imprensa e alertou para o risco de censura e intimidação, afirmando que nem mesmo durante o regime militar houve restrições semelhantes. Classificou a situação atual como “extravagante” e defendeu que a Corte retome os julgamentos coletivos, com os 11 ministros deliberando em plenário, garantindo independência e transparência.
Ele também manifestou preocupação com a hostilidade enfrentada por Moraes e sugeriu que, diante das reações da sociedade, o ministro deveria refletir sobre os efeitos de seus atos.