O Nordeste registrou, em 9 anos, uma redução de 16,9% de casos de crianças expostas ao HIV, a maior queda entre as regiões do país.
Dados do Ministério da Saúde, analisados pela Agência Tatu, apontam que em 2015 foram 1.903 casos notificados de crianças nascidas de mãe infectada ou que tenha sido amamentada por mulheres infectadas pelo HIV, enquanto em 2023 contabilizou 1.581.
Por outro lado, a região teve um aumento de 18,2% nos casos de gestantes infectadas pelo vírus, o terceiro maior índice do Brasil.
Na comparação, o Sudeste aparece em segundo lugar com uma redução de 16,8%, percentualmente quase empatado com o Nordeste. O Sul também reduziu 3,2%. Na contramão, o Centro-Oeste apresentou um aumento de 9,7% e o Norte de 28,2%.
Gestantes
Enquanto a quantidade de crianças infectadas pelo vírus reduziu, o Nordeste apresentou o terceiro maior aumento do número de gestantes infectadas com HIV entre 2015 e 2023. No primeiro ano foram notificados 1.720 casos, já no ano passado foram 2.034 gestantes, um aumento de 18,2%.
A região fica atrás do Centro-Oeste que viu o número crescer em 28,2% e Norte em 24,7%. Apenas a região Sul reduziu os casos em gestantes em 17,8% no mesmo período.
O infectologista Fernando Maia atribui o aumento de casos de gestantes com HIV ao maior acesso aos testes para o diagnóstico. “É um reflexo da estratégia de fazer testagem rápida na população. Nas gestantes acontece rotineiramente no início e final da gestação. Ou seja, aumenta o número de diagnósticos e permite que se inicie o tratamento precocemente, evitando a transmissão vertical, quando o vírus é passado a partir da infecção da própria mãe”, explica o médico.
O especialista atua no Hospital Escola Dr. Helvio Auto (HEHA), ambulatório que oferece tratamento regular para diversas doenças infectocontagiosas, e alerta que há muitos casos em toda população, mas que ainda não entraram na estatística pela falta de testes. No caso de gestantes especificamente, ele recomenda a testagem em mulheres que planejam engravidar e as que já estão grávidas.
“Caso tenha alguma infecção, inclusive do HIV, o tratamento pode ser feito de imediato para que siga com a gravidez segura e que não tenha a transmissão para a criança. Assim, o risco é muito pequeno da mãe transmitir HIV para o filho. O objetivo é zerar esse tipo de transmissão”, enfatiza Fernando Maia.
A Campanha Dezembro Vermelho é uma mobilização nacional na luta contra o vírus HIV, a Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). O Ministério da Saúde chama atenção para a prevenção, a assistência e a proteção dos direitos das pessoas infectadas com o HIV.
Outra análise da Agência Tatu constatou que o número de pessoas em tratamento contra o HIV no Nordeste aumentou em 170% nos últimos 10 anos. A reportagem também apresenta a diferença entre HIV e Aids, além de detalhar como funciona o tratamento.
O número de pessoas infectadas com o vírus HIV que estão em tratamento regular tem aumentado ao longo dos últimos anos. O total de pessoas em terapia antirretroviral (Tarv) aumentou 112% na última década, em todo país, e na região Nordeste a evolução foi ainda maior, de 170%.
Dez anos atrás, em 2014, das 87.419 pessoas vinculadas aos cuidados do HIV e da Aids no Nordeste, 69% (59.891) estavam em ‘terapia antirretroviral’ (Tarv) — quando estão fazendo a retirada correta dos medicamentos, sem atraso, ou com atraso inferior a 60 dias —, enquanto 14% (12.457) estavam em ‘perda de seguimento’ — aqueles pacientes em tratamento, mas que estão com atraso superior a 60 dias na retirada dos medicamentos.
Já outros 17% (15.071) estavam em ‘gap de tratamento’, ou seja, as pessoas que estão vivendo com HIV ou Aids, mas que ainda não iniciaram o tratamento antirretroviral.
Em 2024, 81% (161.540) das pessoas vinculadas ao cuidado do HIV e da Aids estão em tratamento antirretroviral na região, enquanto 17% (33.085) estão em perda de seguimento e 2% (5.604) estão em gap de tratamento.
Desta forma, é possível perceber que, na última década, houve uma redução na proporção de pessoas com HIV que não iniciaram o tratamento, assim como também houve um aumento de pacientes que estão realizando o tratamento corretamente.
Quando se trata do número de casos de Aids identificados, na região Nordeste, houve uma redução de 4% entre 2013 e 2022, que é o último ano com dados completos anuais. Em 2013, 9.234 pessoas foram diagnosticadas com Aids, enquanto em 2022 o número foi de 8.812 pessoas com a doença, na região.
Segundo os dados do Datasus, o estado do Nordeste que registrou o maior aumento de casos de Aids, entre 2013 e 2022, foi Sergipe, que teve 327 casos no primeiro ano e 414 em 2022, representando 26,6% de crescimento. Por outro lado, Pernambuco teve a maior redução, de 24,6%, uma vez que possuía 2.055 casos em 2013 e 1.549 em 2022.
Diferença entre HIV e Aids
Existe uma diferença entre HIV e Aids. Enquanto o HIV é o vírus que ataca o sistema imunológico e deixa o organismo sem defesa contra outras infecções, provocando a imunodeficiência humana, a Aids é o nome da doença causada pelo vírus, quando ele vai incapacitando o sistema imunológico da pessoa, permitindo que outras doenças — chamadas de oportunistas — se desenvolvam.
Desta forma, uma pessoa que possui o vírus HIV pode não desenvolver a Aids, uma vez que a doença se manifesta nos casos mais avançados, por exemplo, quando a descoberta do vírus é tardia ou quando o soropositivo não realiza o tratamento com a frequência correta.
As forma de contágio do vírus envolvem fazer sexo vaginal, anal e oral sem usar preservativo; receber transfusão de sangue contaminado; compartilhar instrumentos perfurocortantes sem esterilizar antes, como seringas e alicates de unha; ou da mãe para o filho durante a gravidez, o parto e a amamentação.
Diferente do que muitas pessoas pensam, é possível uma pessoa ser soropositivo e não transmitir o vírus por meio de relações sexuais. Esse é o caso das pessoas que fazem o tratamento com antirretrovirais corretamente e têm a carga do HIV indetectável — também conhecida pela expressão “I=0” — em exames durante seis meses, no mínimo.
Segundo o médico infectologista Renée Oliveira, a transmissão do vírus tem uma relação direta com a carga viral, que é uma maneira de medir a quantidade de vírus que o paciente tem e que está circulando.
“Uma carga viral alta faz com que a pessoa transmita o vírus numa relação sexual, por exemplo, independente dessa pessoa ter ou não a Aids. (...) Quando a carga viral é baixa, aí não transmite, mas se for de 1.000 para cima, essa chance de transmissão é muito alta. Por isso, o paciente precisa começar o tratamento o mais rápido possível. Uma das finalidades é essa, de não transmitir. A outra é de ter uma qualidade de vida", explica o médico.
Como funciona o tratamento
O tratamento do HIV é feito por meio de medicamentos antirretrovirais (ARV) que impedem a multiplicação do vírus no organismo, além de ajudarem a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico.
Segundo o Ministério da Saúde, desde 1996 o Brasil distribui gratuitamente os ARV a todas as pessoas que vivem com HIV e necessitam de tratamento.
“O tratamento busca eliminar o vírus da circulação, aquele vírus que está provocando dano no sistema imunológico da pessoa e, com isso, fazer com que a carga viral caia para níveis indetectáveis. Se o paciente tomar corretamente, a resistência aos medicamentos não aparecerá. Então, o paciente pode ficar anos tomando o mesmo remédio sem problema nenhum", relata o médico Renée Oliveira.
A evolução nos medicamentos para o tratamento do HIV nos últimos 20 anos, conforme explica o médico, os tornou mais seguros e com menos efeitos colaterais.
"Desde que os primeiros casos de HIV e Aids apareceram, tivemos um progresso muito, muito bom. Hoje, o paciente tem pouco efeito colateral, que dá tranquilamente para tomar os medicamentos e, seguindo os trâmites de qualquer pessoa que busca uma saúde boa — como praticar atividade física e manter uma alimentação saudável —, ter uma qualidade de vida. Em comparação com o que tínhamos há 20 anos, com certeza hoje nós estamos em uma situação bem melhor", afirma o especialista.
Onde buscar tratamento ou testagem
O diagnóstico de HIV é feito a partir da coleta de sangue venoso ou digital (ponta do dedo), por meio de testes rápidos ou laboratoriais, que detectam os anticorpos contra o vírus. No caso dos testes rápidos, é possível obter um resultado em cerca de 30 minutos.
Para realizar a testagem ou obter o autoteste basta procurar uma unidade básica de saúde da rede pública, ou os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA).
O Sistema Único de Saúde (SUS) também disponibiliza os medicamentos necessários para o tratamento da Aids, conhecidos como "coquetel". Para ter acesso, o paciente precisa ser devidamente diagnosticado por um médico, de preferência infectologista, e, com a receita em mãos, se cadastrar em uma unidade de saúde para realizar a retirada dos medicamentos na frequência correta.