Nordeste

Marisqueiras pedem energia solar

A atividade pesqueira do marisco é determinante para o litoral piauiense

Foto: Carolina Simiema
As marisqueiras se queixam do tamanho dos mariscos, cada vez menores

Bem-humorada, Luiza dos Santos, 63, fundadora da Associação das Catadoras de Marisco de Ilha Grande, no Piauí, separa os landuás (pequena rede de pesca) e pega seu chapéu. Enquanto passa o filtro solar, dá instruções para a filha e para o marido, que guiará o percurso até chegar em determinado ponto do Rio Parnaíba, onde a cata do marisco será realizada.

O trajeto dura cerca de 10 minutos de canoa. Sai do Porto dos Tatus, ainda no município de Ilha Grande, que fica a 348 km da capital Teresina e 14 km da cidade de Parnaíba. O percurso é feito quase todo em silêncio. Luiza, sentada ao fundo da canoa, olha atenta para o rio e, assim que se aproxima do local, faz um gesto com as mãos sinalizando o momento de parar. Ao chegar, a pescadora faz tudo com muita precisão e conhecimento, adquiridos em mais de 50 anos de mariscagem.

A Associação das Marisqueiras existe desde 2009 e surgiu de uma observação criteriosa de sua fundadora. Luiza se incomodava com o comportamento de turistas e empresários que circulavam pelo rio com suas canoas e lanchas. “A Associação surgiu quando a gente estava no porto, cheia de mariscos, e a gente brigando com todo mundo porque o pessoal passava por nossas canoas e não tinha a consciência de diminuir a velocidade”, relembra.

Apesar do “muito que se tem feito” e do reconhecimento do trabalho, depois de 15 anos, a Associação, bem como a atividade das marisqueiras, ainda enfrentam muitas dificuldades, que vão da ação predatória do turismo, passa pelo agravamento das mudanças climáticas, à insuficiência de recursos financeiros e técnicos para manutenção da produção.

“Antigamente as marisqueiras eram desvalorizadas, não tinham espaço, não tinham voz, não tinham vez. Agora com a Associação, são as mulheres mais bem representadas de Ilha Grande, mas é muito difícil, eu mesma dou continuidade porque é o sonho da mamãe”, desabafa Joelma dos Santos, 31, a caçula de cinco filhos de Luiza e, atualmente, presidente da Associação.

O trabalho das marisqueiras é passado de geração a geração. Os cinco filhos de Luiza “estão todos no marisco”: “todos pegam, mas tem uns que estão trabalhando nas lanchas, mas quando não têm serviço, eles acompanham no marisco”, diz Luiza, referindo-se aos dois homens da família.

A atividade pesqueira do marisco foi – e continua sendo -, determinante para o litoral piauiense, e consiste em capturar os moluscos nos rios e mangues da região. É realizada quase que exclusivamente por mulheres, muitas vezes, esposas e filhas dos, também, pescadores do local.  No litoral do Piauí, existem as marisqueiras de “água salgada” e de “água doce”, como elas mesmas se autodenominam. No primeiro grupo, estão as catadoras de sururu, no segundo, as de marisco.

Na Associação das Marisqueiras, também conhecida como Casa das Marisqueiras, Luiza faz questão de mostrar toda a sua produção orgânica. Além da coleta e preparo do marisco, essas pescadoras também trabalham na agricultura orgânica, como meio de subsistência e como forma de geração de renda.

Ao todo, cerca de 55 mulheres, entre 30 e 70 anos,  fazem parte da Associação, mas, segundo a presidente Joelma, “apenas 15 ou 20 estão na ativa” na coleta do marisco ou no cultivo orgânico de alimentos. “Tem muitas que estão aposentadas ou com alguma dificuldade ou doença, como diabetes ou pressão alta”, relata. 

De acordo com a marisqueira, aquelas que já não conseguem ir à cata, se dedicam a outras atividades, como a agricultura, artesanato, crochê. Tudo nas suas próprias casas: “a gente tem várias coisas: banana, couve, alface, tomate-cereja, coco, rúcula, macaxeira, cajá, goiaba”, enumera Joelma. 

No entanto, mãe e filha relatam as dificuldades pelas quais o processo produtivo passa para se manter sustentável. Depois de cerca de 5 horas imersas na água, o grupo de marisqueiras volta da coleta levando para a Associação uma média de 70 kg de marisco. Na sede, o marisco passa por diversas lavagens, cozimento e, então, é separado um a um e retirada a casca, uma espécie de concha, que envolve o molusco. 

“A gente lava várias vezes, tira de dentro da bacia cheia d’água e vai catando na peneira, vai botando para o lado. Aí depois vai lavar de novo. A gente gasta muita água pra lavar o marisco. Se for congelar, temos que usar os freezers. Tudo isso gasta”, conta Luiza, que enfatiza a principal dificuldade nesse processo: pagar o consumo de água e energia. 

Para driblar essa dificuldade, as marisqueiras diversificaram os serviços da associação, como forma de aumentar a renda. Fazem encontros para crianças, mães, estudantes da universidade, brechó, artesanato, crochê, e até mesmo criaram a trilha das marisqueiras, para onde elas levam um grupo de pessoas para conhecer todo o trajeto e viver a experiência da cata do marisco. “Não fazemos sempre, mas de vez em quando sim. É a forma que encontramos pra poder ajudar na renda”, explica Joelma. 

Luiza ainda complementa: “E outra também, nós temos que pagar água e luz, que tá tudo caro. A água aqui a gente nem tá usando e tem que pagar R$ 110! Que diabo é isso? Tanto que até cortou agora, antes de chegar os dois talões, eles já cortaram”, reclama. 

A solução, segundo ela, seria minimizar o custo da energia para poder usar a bomba que puxa a água do poço. Assim, não precisaria contar apenas com a “água da rua, que tá com três dias que não vem”. 

“A energia solar beneficiaria e muito. Até porque a gente já tem o poço ali, daí a gente já mandava cortar essa água que tá vindo nesse preço monstro e já fazia uma ligação direta pra cá. Porque não tem condição de pagar a energia para a bomba funcionar o dia todo. Se tivessem as placas de energia é só puxar do poço, que eu já vi por aí. Eu sei que funciona”, afirma.

* Este conteúdo faz parte de uma série de três reportagens produzidas a partir de seleção do Plano Nordeste Potência, iniciativa que promove a transição energética por meio de fontes renováveis de forma justa e inclusiva. O Plano Nordeste Potência é construído por quatro organizações civis brasileiras: Centro Brasil no Clima (CBC), Fundo Casa Socioambiental, Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e Instituto Climainfo, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).