Bahia / Segurança

Polícia Federal investiga morte de líder quilombola em Simões Filho

Filho de Maria Bernadete também foi assassinado, em 2017

Maria Bernadete Pacífico Moreira foi morta a tiros

A Polícia Federal da Bahia abriu inquérito nesta sexta-feira (18 de agosto) para investigar o homicídio da liderança quilombola Maria Bernadete Pacífico Moreira, morta a tiros na noite de ontem dentro de casa no Quilombo Pitanga dos Palmares, no município Simões Filho (BA).

A Superintendência da PF na Bahia informou que também é responsável pela investigação do assassinato do filho de Maria Bernadete, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, mais conhecido como Binho do Quilombo, assassinado há quase seis anos, no dia 19 de setembro de 2017.  

Em nota, a PF disse que “todos os esforços estão sendo empregados para a devida apuração da autoria dos homicídios e as investigações seguem em sigilo”.  

Integrantes dos governos Federal e Estadual se reuniram, na manhã desta sexta-feira (18), na sede da Secretaria de Segurança Pública do Estado, em Salvador, para estabelecer medidas conjuntas a serem tomadas.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) da Bahia disse que as informações preliminares indicam que dois homens, usando capacetes, entraram na casa da vítima e efetuaram disparos com armas de fogo. O órgão pede para que denúncias sobre o caso sejam enviadas, com todo sigilo, ao telefone 181 (Disque denúncia da SSP).   

Maria Bernadete era também coordenadora-executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). A Conaq vinha denunciado ameaças, perseguições e intimações aos moradores do Quilombo Pitanga dos Palmares. Os membros coordenação dizem acreditar que a disputa por terra e água em torno do quilombo tem motivado a violência contra as lideranças locais.  

O filho de Maria Bernadete Pacífico, liderança quilombola assassinada nessa quinta-feira (18), acredita que a morte da mãe foi um crime encomendado por quem tem interesse no território ocupado pelo Quilombo Pitanga dos Palmares.

Em entrevista à TV Brasil, o filho dela, Jurandir Wellington Pacífico, informou que a mãe era ameaçada de morte desde 2016 e avaliou que o assassinato dela é uma consequência da impunidade do assassinato do irmão dele e filho de Bernadete, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, mais conhecido como Binho do Quilombo, morto também a tiros em 2017.

“É crime de mando, crime de execução, não tem para onde correr, igual ao de Binho do Quilombo”, afirmou o filho da vítima. “Eu já perdi meu irmão, já perdi minha mãe, só resta eu, eu sou o próximo”, concluiu.

Jurandir fez um apelo ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para que eles deem uma resposta à sociedade.  

Questionado sobre quem estaria por trás do assassinato, Jurandir respondeu: “Especulação imobiliária, grilagem de terra, política, grandes empreendimentos, tudo isso aí”. 

Segundo o filho de Bernadete, o crime ocorreu enquanto ela via televisão.

“Ela estava sentada no sofá assistindo com dois netos e mais duas crianças. Os dois meliantes adentraram na casa, botaram as crianças no quarto e executaram minha mãe com mais de 20 tiros”, relatou.  

O filho de Bernadete destacou que a família sempre liderou a comunidade e que Bernadete há mais de 40 anos representava o quilombo, além de participar de movimentos sociais ligados à cultura e ao movimento negro.   

“Ontem, Simões Filho perdeu uma das maiores representantes da cultura do município. Chamava-se Mãe Bernadete. Uma das maiores representantes do movimento negro da Bahia, do Brasil e do mundo”, lamentou.  

Jurandir confirmou que a mãe estava no programa de proteção à testemunha e, por isso, havia câmeras em volta da casa, mas que os policiais só visitavam o local por 20 ou 30 minutos por dia, não ficando de prontidão na comunidade.  

“Os meliantes sabiam os horários que eles [os policiais] iam e atacaram. Tanto que na hora que executou minha mãe, cadê a proteção? A única coisa que ficou foram as câmeras que gravou”, afirmou.

O território Quilombo Pitanga dos Palmares é formado por cerca de 290 famílias e tem 854,2 hectares, reconhecidos em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A comunidade tem um histórico complexo de disputas e conflitos fundiários.

Levantamento da Rede de Observatórios de Segurança, realizado com apoio das secretarias de segurança pública estaduais e divulgado em junho deste ano, já apontava a Bahia como o segundo estado do Brasil com mais ocorrências de violência contra povos e comunidades tradicionais. Atrás apenas do Pará, a Bahia registrou 428 vítimas de violência no intervalo de 2017 a 2022.  

Lula e Rosa Weber

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber se manifestaram nesta sexta-feira (18) sobre o assassinato de Maria Bernadete Pacífico.

Pelas redes sociais, Lula disse que soube do crime com “pesar e preocupação” e lembrou que Bernadete cobrava justiça pelo filho assassinado, em 2017. O filho de Bernadete, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, mais conhecido como Binho do Quilombo, foi assassinado há quase seis anos, no dia 19 de setembro de 2017. 

“Bernadete Pacífico foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho e cobrava justiça pelo assassinato do seu filho, também um líder quilombola. O governo federal, por meio dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania, mandou representantes e aguardamos a investigação rigorosa do caso. Meus sentimentos aos familiares e amigos de Mãe Bernadete”, disse Lula. 

O crime também foi lamentado pela ministra Rosa Weber, que esteve com Bernadete a menos de um mês, em 27 de julho. “Mãe Bernadete, que me falou pessoalmente sobre a violência a que os quilombolas estão expostos e revelou a dor de perder seu filho com 14 tiros dentro da comunidade, foi morta em circunstâncias ainda inexplicadas”, disse Weber, em nota.  

A presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acrescentou que o crime deve ser esclarecido com urgência, “a fim de que sejam responsabilizados aqueles que patrocinaram o covarde enredo e imediatamente protegidos os familiares de Mãe Bernadete e outras lideranças locais”.  

Rosa Weber concluiu que “é absolutamente estarrecedor que os quilombolas, cujos antepassados lutaram com todas as forças e perderam as vidas para fugir da escravidão, ainda hoje vivam em situação de extrema vulnerabilidade em suas terras”.  

O Comitê Inter-religioso da Bahia, que agrega representantes de diversas religiões, divulgou manifesto em que espera uma ação das autoridades responsáveis pela elucidação do crime.