Nascido de uma série que inicialmente se chamou “Tranças Afrodescendentes” - na época finalista no Black & White Photography Awards 2018 e classificada no mesmo ano em terceiro lugar na categoria Ensaio do Festival Paraty em Foco - o livro “Tranças Barrocas” é fruto de uma pesquisa sobre a tradição milenar dos penteados de trança, que começa a partir de registros e da observação do fotógrafo Robério Braga nas cidades de Cachoeira e em Salvador (nos bairros do Curuzu, Pelourinho e Ribeira); tendo ainda como inspiração a obra do nigeriano J. D. Okhai ´Ojeikere, cuja marca são fotos de penteados afros diante de um fundo neutro. “Fiquei hipnotizado pela força daquele trabalho e comecei a imaginar como poderia fazer algo sobre o tema, mas com a minha assinatura”, disse em entrevista ao site do Festival de Fotografia Documental (FotoDoc).
Mas, é a partir do encontro entre Robério Braga e a artista plástica, pesquisadora e trancista Mariana Desidério que essa proposta atinge um outro patamar de criação, parceria e autoria. Acompanhando o longo processo de trabalho no salão da artista, o fotógrafo baiano logo se encantou pela forma como ela esculpe os penteados de trança, ressaltando a “precisão, a simetria, o traço e a harmonia” de suas mãos habilidosas. E, nesse momento, foi além: refletiu sobre a diáspora africana, o regime escravagista e os movimentos de colonização europeus; gerando assim a sua concepção de diálogo e contraste da fotografia dessas tranças com a arquitetura das igrejas barrocas da capital baiana.
Como bem observa Eder Chiodetto, editor do livro, “Ao justapor as tranças usadas por pessoas negras e os altares barrocos de igrejas de Salvador, o artista criou, num golpe de vista, imagens de grande enlevo pictórico. Uma parábola visual que faz refletir sobre a complexa relação entre o catolicismo e a escravidão no passado”.
Uma outra abordagem sobre esse paralelo barroco, mas sobretudo identitário, histórico e cultural da obra, é o da pesquisadora Hanayrá Negreiros, mestra em Ciências da Religião pela PUC São Paulo, que também escreveu para o livro. “Cabe ressaltar a importância dos cabelos para a construção da autoestima de pessoas negras, sendo um elemento fundamental da identidade afro-brasileira e veículo para uma identificação positiva com as matrizes africanas”.
Ao tratar do processo criativo, técnica e composição das fotografias do livro, o fotógrafo - também em entrevista ao site do Festival FotoDoc - explica: “A luz barroca é quase sempre de fonte única. Porém, apesar de traduzir essa sensação, na realidade utilizei duas ou três fontes secundárias. Como se tratava de cabelo preto trançado, precisava imprimir brilho na superfície dos fios das tranças para que ficassem harmônicas e bem delineadas, separadas umas das outras. Olhando as fotos com lupa, vê-se que existem reflexos brancos nas curvas. São os softboxes refletidos no brilho de cada curva de trança”.
Robério Braga investiga e fotografa há 30 anos temas relacionados aos rituais e costumes da população afrodescendente da Bahia. Seu trabalho começou a despontar no início dos anos 1990 quando participou da Bienal do Recôncavo, em São Félix (BA) e da Mostra Nacional de Fotografia na Universidade Federal da Bahia. Em 2003, fundou a produtora de audiovisual Maria Bonita Filmes, realizando projetos para a televisão, documentários e longa-metragem. Ao longo dos anos produziu várias séries fotográficas que visam exaltar e dar visibilidade à potência da ancestralidade e dos saberes que perpetuam a cultura negra da Bahia e da África. O fotógrafo faz parte do acervo Permanente dos Museus Afro Brasileiro (Ibirapuera, São Paulo), MIS (São Paulo) e MACS (São Paulo), Fundação Carlos I (Portugal)
A versão audiobook do livro está disponível no youtube (https://bit.ly/3EJcLd3)
Instagram do autor: @roberiobraga