Violas Davis disse numa entrevista recentemente: “Que mensagem vamos passar para a máquina chamada Hollywood se não formos em peso assistir à “Mulher Rei” nos cinemas? Se não formos, mandaremos uma mensagem que mulheres negras não lideram as bilheterias. Então vão aos cinemas.” Meu amigo, é o seguinte, eu não tô aqui para discordar de Viola Davis, então eu obedeci prontamente, peguei minha pipoquinha e fui... E não me decepcionei. Pelo menos não totalmente, vamos falar a respeito.
Resumidamente, “Mulher Rei”, conta a história da general Nanisca (Davis) que, em 1800, treina um grupo de mulheres guerreiras para proteger o reino africano de Dahomey de um inimigo estrangeiro. Esse grupo de mulheres guerreiras é conhecido, na história, como as verdadeiras amazonas, chamadas de Agojie. Elas são um exército exclusivo do rei, têm privilégios, inspiram confiança e, recebem garotas que não “serviram” para o casamento, nem baixam as vistas para ninguém, para serem treinadas.
Após um breve letreiro explicativo, para situar o público, a história começa numa nota alta, com as Agojie mostrando o que aprenderam a fazer e combatem uma tribo inimiga com agressividade, habilidade e precisão, o que estabelece o motivo de tanta admiração e respeito que será explorado no restante do longa. A devoção é tanta que não é permitido olhar diretamente para elas.
O filme, quase sempre épico, mas também por vezes intimista, não tem medo de abordar temas sensíveis, como o patriarcado e, principalmente, o tráfico de escravos, o que vai causar uma controvérsia, se não é aprofundada pelo menos é abordada. Mostrar que o reino que está começando a combater a escravidão, enriqueceu com essa prática.
O design de produção e figurino são um dos pontos altos do filme, com cores vibrantes e reconstrução de épica, além da trilha sonora evocando os tambores tribais, coisas que vimos funcionar muito bem também em “Pantera Negra” (disponível no Disney plus) e as semelhanças com o filme da Marvel não param por aí, já que lá também temos um exército particular do rei formado apenas por mulheres guerreiras de elite, as DoraMilaje, assumidamente inspiradas nas Agojie.
Como era de se esperar o filme praticamente pertence à Viola Davis, as cenas em que ela batalha, ensina ou discursa para motivar a tribo são de tremer a tela. Mas aqui a concorrência é pesada. Temos pelo menos dois grandes destaques no elenco que são dignos de nota. Lashana Lynch interpreta “Izogie”, que é tão casca grossa quanto à Mulher Rei, mas também apresenta uma doçura que eleva a interpretação, e essa atriz já carrega o título de ter sido a primeira 007 mulher negra do cinema, em “007 – Sem Tempo Para Morrer” (disponível no Telecine/Globoplay). E Thuso Mbedu, que faz a aprendiz desbocada “Nawi” que encara sem medo Viola Davis (a personagem e a atriz).
Para não dizer que só falei de flores, todo o núcleo do personagem Malik me incomodou. Além de ser um arco óbvio, é apresentado e resolvido de forma muito simplista e, realmente, esse filme não precisava de um homem bancando o herói. Em outro ponto do filme, algumas cenas são apressadas, para criar algum vínculo com personagens que veremos nas batalhas e acaba prejudicando o peso dramático e o clima épico que se propõem a fazer. Além disso, é claro o reducionismo histórico para deixar a história mais fácil de assimilar, como se fosse necessário determinar de forma bem clara quem é malvado e quem é bonzinho.
Mas isso são pequenos tropeços diante do propósito maior desse filme. E a razão desse filme existir, foi a própria Mulher Rei que nos contou, em divulgação do filme pelo Brasil. E se ela falou, amigo... quem sou eu para dizer outra coisa:
“Não é sobre apenas escravidão, é sobre o que é ser uma mulher e como essas mulheres incríveis se conectaram, se apoiaram e sobreviveram. É uma história que não traz apenas uma mensagem política, não é apenas uma mensagem, você está sendo tocado pelos seres humanos retratados nessa história (...) seres humanos que normalmente não são humanizados e isso faz com que eles se sintam menos sozinhos (...) e essa é a base para qualquer mensagem política em que as pessoas precisam ser empoderadas”.