Cinema

Onde está a obscenidade?

Nila Costa fala sobre o filme Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental

Foto: Divulgação
Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental

Vencedor do festival de cinema de  Berlim em 2021 o Romeno Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (sim é isso mesmo, este nome estranho) do jovem diretor Radu Jude,  foi filmado no período de confinamento.

Emi, professora de história de uma escola conservadora em Bucareste tem um vídeo caseiro vazado na internet, onde ela está fazendo sexo com o seu marido.

Dividido em três partes, a primeira apresenta o vídeo seguido de um caminhar de Emi pela cidade. Este caminhar não é acidental, a câmera nos leva a um passeio reflexivo e vagaroso pela cidade onde observamos o sexo sendo utilizado o tempo todo na comunicação, seja como propaganda ou como estética, assim como os diálogos “acidentais” desta caminhada que apontam para as pequenas (e grandes) corrupções.

A segunda inflexão: alegorias, frases, documentos históricos, conceitos, uma série de recortes que nos fazem refletir sobre a indecência. Sim, indecência, violência, ignorância, preconceito e todas as desgraças da humanidade em geral e da história da Romênia em particular.  Assim ele vai construindo sua argumentação.  Mas há uma espirituosidade no cinema de Radu, uma saída pelo humor que perpassa sua narrativa. Sem isso não seria possível tolerar tanta verdade.

Naturalizar o sexo não significa promiscuidade e  ele vai criando teias para mostrar isso

E por fim, o terceiro ato que me lembrou muito um filme iraniano espetacular chamado O Jarro ( Ebrahim Foruzesh 1992), não pela estética mas pela dinâmica de comunicação entre as pessoas e suas naturezas em convívio. Os diálogos são bárbaros em ambos os sentidos, tanto pela ignorância dos protagonistas como pela sagacidade  do diretor.  A Babel instalada no julgamento da professora em uma reunião de pais no conselho da escola, reitera agressões à vítima.  Um panorama muito atual onde as “certezas” denuncia o surreal das crenças e das perversidades cometidas em nome da moral.

Mas o autor ainda prega uma peça: permite que escolhamos um final....

Um filme critico, criativo e excepcionalmente inclusivo. Radu transforma tragédia em comédia sem perder o fio da seriedade do que importa.

Ninguém sai incólume desta exposição a hipocrisia generalizada.

O filme está sendo exibido no circuito sala de arte (Paseo).

Nila Costa é medica, psicoterapeuta e amante da sétima arte.