Cinema / Escritos

Resenha: longa A Felicidade das Pequenas Coisas

Filme do Butão, o pioneiro no conceito do FIB (Felicidade Interna Bruta)

Foto: Divulgação
A Felicidade das Pequenas Coisas

À primeira vista, “A Felicidade Das Pequenas Coisas” (Butão, 2021) parece demasiado simples e, com certeza, existirão aqueles que dirão que “nada acontece” nesse longa... e aí é que está, dentre outras coisas, a alma e o propósito deste que foi o indicado do Butão para o Oscar de filme estrangeiro de 2022 (não levou. Perdeu para “Drive My Car”, como era esperado): A simplicidade e como nós deixamos de perceber a beleza e a felicidade que está ao nosso lado, já que, muitas vezes, nos armamos de condições para alcançar a nossa plenitude. Condições estas que crescemos ouvindo e incorporando como fundamentais.

 Então quem diz que nada acontece aqui, será que não é porque também precisa abrir os olhos para o essencial? (e aqui eu parafraseio a raposa do Pequeno Príncipe, que disse que o essencial é invisível aos olhos).

O Butão foi o pioneiro no conceito do FIB (Felicidade Interna Bruta), onde os indicadores de sucesso não são econômicos e sim psicológicos e sociais, em contraponto ao PIB (Produto Interno Bruto).

O que conta é educação, cultura, relação com o meio ambiente etc.  Mais tarde a ONU também abraçaria esse conceito para o resto do mundo, fazendo assim, anualmente, o ranking dos lugares mais felizes. E, com esse conceito como pano de fundo, e tendo a educação como a força motriz da narrativa, essa história nos transporta para a escola mais longínqua do mundo, onde um professor, por obrigações com o governo, deve ensinar durante alguns meses uma turma de crianças, antes do inverno chegar e tornar impossível qualquer possibilidade de acesso à comunidade de Lunana.  

O cinema já mostrou muitos professores que transformaram a vida dos alunos com uma nova visão de mundo e de futuro (“Sociedade dos Poetas Mortos”, “Coach Carter”, “Mentes Brilhantes”, “Adorável Professor”, “Ao Mestre com Carinho” ... e tantos outros), e cada um desses mestres eram supertalentosos e faziam, à sua maneira, a transformação nos estudantes. Aqui a história é um pouco diferente. O professor em questão se acha medíocre, sem talento para lecionar e não entende o que ele pode oferecer de tão bom para aquela minúscula comunidade.

Então assim começa a “Jornada do Herói” do protagonista. Muito a contragosto, ele segue para a escola que fica a oito dias de caminhada do último lugar acessível por algum meio de transporte, ao invés de seguir aquele que seria o seu objetivo de felicidade: ser cantor na Austrália. E o início da jornada é uma verdadeira tortura, física e psicológica, para ele.

O caminho é só de subida, eles precisam dormir em barracas, não tem onde carregar o celular para ouvir música (o jovem professor faz questão de ficar sempre com o fone de ouvido, se isolando ao máximo daquele novo ambiente), além dos rituais de tradição e religiosos, que faz questão de ignorar. E ser tratado como uma celebridade só o perturba ainda mais. Se ele mesmo não se valoriza, nem o seu ofício, claro que vai se incomodar com quem o faz.  

Na comunidade, então, a transformação silenciosa acontece. Com um cotidiano o mais distante possível do seu, Ugyen Dorji presencia a vida de pessoas que não possuem quase nenhum bem material e ainda sim vivem em gratidão e harmonia. A sensação é que não falta nada para aquelas pessoas.

Gente que vive da terra, “oferece música para todos os seres”, tem os animais como sagrados e se sentem bem e importantes dessa forma. E, enquanto tenta exercer sua função com as crianças, aos poucos, vai-se quebrando a espessa camada de autoproteção e alienação em que vive o jovem professor. Entendendo que o pouco para alguns é muito para outros e que pequenos gestos podem mudar a vida de uma comunidade.

O design de produção é minimalista, mesmo expressando muito. O espetáculo é todo por conta da fotografia, mergulhada em cores claras; e das paisagens, com montanhas exuberantes que tocam as nuvens e os vastos campos onde se desenvolve a principal atividade do local: A criação de Iaques, os bois selvagens da Ásia. A única escola do local fica no alto de uma dessas montanhas e, quando funciona, pode trazer grande alegria para os moradores.

A aparente simplicidade do roteiro é exatamente o que o filme busca transmitir como mensagem, as pequenas coisas e como estamos dispostos a percebê-las. Então, é possível sairmos da sessão tocados com aquele tipo de vida pacata e plena ou então indiferentes, dependendo de como estamos abertos ao que nos foi apresentado.  

Em determinado momento do filme, ouvimos uma canção: “O coração é tão puro, que mesmo que a xicara de porcelana quebre, o leite permanece leite”, uma mensagem aparentemente óbvia, e que pode estar tão distante de tanta gente. Hoje, podemos perceber uma busca por fórmulas complexas para alcançar a paz interior.

Estudos e mais estudos para conseguir viver bem, segredos do universo para fazer o indivíduo enxergar a si mesmo, ao próximo e à natureza... E, uma comunidade como essa de Lunana, que não tem nem energia elétrica, parece já saber disso desde que nasceu. O jovem mestre vai presenciar e sentir essa transformação interna, justamente ao começar a entender o impacto que pode causar na vida das pessoas e vai se questionar, e nos fazer questionar também, o que é a felicidade e onde é que ela está... se é que está em algum “lugar”.