Cinema

Leia a resenha de Doutor Estranho: No Multiverso da Loucura

O filme é bom o suficiente?

Foto: Divulgação
Dr. Estranho

Assisti ao segundo filme do Doutor Estranho na pré-estreia, do jeito que se deve assistir a um filme da Marvel, numa sala entupida de gente, mas que dê para ouvir uma agulha caindo, tamanho o respeito e concentração, mas também que exploda de vibração nos momentos corretos. E assim foi, em determinados momentos, como também aconteceu em “Vingadores Ultimato” e “Homem Aranha: Sem Volta p Casa”. Parecia que eu estava diante de um gol do Brasil contra a Argentina numa final de copa do mundo.

Mas, passada a euforia, me senti dividido ao final de “Doutor Estranho: No Multiverso da Loucura”. Hoje em dia está muito fácil para a Marvel fazer sucesso. Após o estrondoso sucesso das chamadas fases 1,2 e 3, que culminou no filme evento “Vingadores Ultimato”, esse que é o filme mais lucrativo da história do cinema e de tantos outros recordes superlativos, a gigante Disney (dona da Marvel... e da metade do mundo, aparentemente) não parece se esforçar muito para lançar filmes que agradem a crítica, como se tivesse chegado numa zona de conforto. Então o meu lado crítico saiu meio desconfiado, enquanto o lado “nerd” e “fã” saiu saltitante e eufórico.

Essa sequência mostra o herói pouco tempo depois dos eventos do filme do Homem Aranha – Sem Volta Para Casa. Mesmo sendo o segundo filme do Dr. Estranho, já é a sexta vez que o ator Benedict Cumberbatch interpreta o Mago Supremo no Universo Cinematográfico da Marvel. Aqui, Stephen Strange e Wong precisam ajudar uma garota que viaja entre universos paralelos a fugir de uma ameaça que quer usar os seus poderes. Junta-se ao grupo a também heroína Wanda Maximoff, também conhecida como Feiticeira Escarlate.  

Por um lado, temos um filme colorido, divertido e empolgante. Personagens familiares e já queridos do público pipocando na tela; lutas explosivas e grandiosas; diálogos bem-humorados e que fazem referência aos já iniciados na cultura deste universo... Por outro lado, temos um roteiro cheio de facilitações narrativas e forçando a barra para trazer participações especiais.

Mas esse filme, até para a crítica, tem uma coisa muito boa que não dá para negar: O diretor. Sam Raimi é o nome do cara. Ele dirigiu os primeiros filmes do Homem Aranha, lá em 2002 com Tobey Maguire. Mas antes disso ele fez carreira com filmes de terror, sendo o mais famoso “Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio” (Evil Dead, no título original) e essa pegada de horror contribuiu muito para elevar o nível da produção. Ele foi o cara perfeito para a tarefa: Um filme com um personagem místico envolto em um conflito entre universos fantásticos cheio de criaturas bizarras. E ele fez o trabalho direitinho, mesmo com um roteiro fraco nas mãos. Dava para perceber a mão do diretor se divertindo com cenas de “Jump Scare” (susto de fazer pular) e com o sadismo para eliminar alguns personagens. Mas nada se compara a cena da “Batalha musical” entre Dr. Estranho e ... outro personagem (para não dar spoiler).

Outra parte gratificante são os já famosos “Fanservices”, coisa que a Marvel aprendeu a fazer, que é entregar o que o público quer, presentear os fãs mais fervorosos com referências, cenas extras, participações especiais etc. São aqueles presentes para a turma que acompanha o Universo Marcel desde o começo e até de antes, dos quadrinhos. E não há nenhum mal nisso, se for bem-feito. Claro que não é um bom sinal se o fanservice for o principal motivo da produção. É uma linha tênue.

Existe uma camada a mais aqui, que nos faz filosofar um pouco, e isso é muito bom. Toda vez que perguntam, em meio à toda pirotécnica, para o Dr. Estranho: “Você é feliz?”, a questão também é feita para o telespectador, toda decisão que tomamos nos dá uma direção na vida e não podemos voltar no tempo para mudar o que fizemos, pelo menos não na vida real. E o conceito do multiverso meio que brinca com esse conceito, toda decisão não tomada abre uma linha temporal diferente, um “universo” diferente daquele que estamos vivenciando. E, enquanto o nosso herói está fazendo feitiços e lutando contra monstros, ele também carrega o peso de ter escolhido a tarefa de ser o guardião da nossa realidade, abandonando a sua grande história de amor e, talvez, a própria felicidade.

Por fim, lembram que Martin Scorsese disse certa vez que os filmes da Marvel não são cinema e sim um parque de diversões? Bom, eu não estou aqui para discordar de Scorsese, mas posso afirmar que é cinema sim, mas com um objetivo prioritário, que é a diversão. E isso vem sendo realizado muito bem, mesmo que seja com dentro de uma fórmula de filmes que se conectam entre si e que não possuem, em boa parte, grandes ambições artísticas. 

“Doutor Estranho: No Multiverso da Loucura” peca na construção narrativa, no roteiro meio genérico e formuláico. Mas é atraente, épico, colorido, por vezes filosófico, divertido e cheio de “iscas” para quem gosta do universo de super-heróis. Traz um Sam Raimi que delira em cenas tiradas do cinema de horror e que faz a torcida gritar nos momentos mais alucinantes. É um filme muito bacana, mas poderia ser incrível, não fosse a obrigação de atender à fórmula Marvel e se podar para encaixar nesse universo.