Os primeiros passos que o dia dá, são para trás.
O alarme de incêndio substitui o peru do 707, que ontem foi para a quarentena do natal.
A síndica com sua imunidade de isenta foi em Porto Stroessner comprar muamba.
Dona chica, a professora de acordeon, levou um tombo e conserta os braços no SUS.
Marco e Pinguim, o casal felicíssimo do sexto, passa lua de mel na Califórnia.
Sonia, a pitonisa das cartas marcadas, tá de amigação nova e dormiu ontem na tenda do cigano Mansur.
A família palavrão antecipou o veraneio em Muritiba.
O porteiro, Paulista, faltou mais uma vez por problemas no cartão do celular.
A Otis condenou de vez o elevador social – o de serviço é apenas um fosso convidando suicidas pra voar no escuro.
Ser morador da cobertura em qualquer almanaque Capivarol, é ser o barão do pedaço; no meu caso, é apenas um experimento meteorológico: já desisti há tempos de acompanhar o canal 18 – as câmeras já não mostram o que se passa nas escadas, levando minha inspiração de escritor fofoqueiro, para as janelas longínquas do minhocão verde do São Raimundo.
Mas, vamos ao que interessa: as chamas já estão assando o andar de baixo, e nem sinal de bombeiros; os meus móveis de madeira, minha cara de pau e todos os derivados de petróleo sorriem ao me verem com frio no topo do mundo.
E eu que não matei Joana Darc, nem nunca usei camisa de Vênus, me sinto com asas de Ícaro, mas como meu pai vaticinou e prometeu: acorrentado aos meus livros, protejo-os com o corpo, e já chamuscado faço planos de Phoenix: quero renascer melhor, digo menos inflamável e com o corpo de amianto, e quem sabe com um coração de tungstênio ou pelo menos com o saco de fibra de carbono.
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O cineasta (roteirista e diretor) José Araripe Jr. (Arara) apresenta personagens em crônicas, contos e sinopses; sempre acompanhadas de uma ilustração de sua lavra e uma narração coloquial em viva voz.