Natasha, de 33 anos, é uma das mais de 3,7 milhões de pessoas que deixaram a Ucrânia desde que a guerra começou em 24 de fevereiro. Ela passou por vários países antes de encontrar refúgio em Portugal, com a sogra e a filha de 4 anos.
A professora e o marido não acreditavam que a guerra iria acontecer. Após a o início da invasão, ela saiu de casa com a filha de 4 anos e não pode mais retornar.
Como homens entre os 18 e o 60 anos são obrigados a ficar na Ucrânia, o marido de Natasha não pode fugir com a família e ela teme nunca mais revê-lo.
24 de fevereiro: era uma típica quinta-feira de Inverno em Kharkiv, no leste da Ucrânia. Nataliia Vladimirova estava dormindo quando foi acordada pelo marido.
O parceiro a avisa que os ataques da Rússia haviam começado. Naquele momento, a ex-professora universitária e auditora sequer sabe o que colocar nas malas. A família de Nataliia, que prefere ser chamada de Natasha, não tem a menor ideia de quanto tempo o conflito irá durar. Sua preocupação inicial foi em levar o maior número possível de documentos e roupas para a filha Oleksandra, de apenas quatro anos.
Fuga repentina - Naquele mesmo dia, a família abandona o apartamento em Kharkiv – o marido tinha apenas a roupa do corpo, um traje esportivo.
Dúvidas e ceticismo permeavam as conversas de Natasha com o marido antes do ataque russo: ela havia até sugerido ao marido que comprassem passagens de avião para fugirem, antes mesmo da guerra. Mas ele não acreditava que a invasão russa pudesse de fato acontecer em pleno século 21.
De um momento para o outro, a vida do casal e da filha, tomou uma direção nunca antes pensada: o marido ficou na Ucrânia, enquanto Natasha e a menina Sasha conseguiram encontrar refúgio em Portugal. Foi em Lisboa, que a também fotógrafa contou a sua história para a ONU News. Mas até chegarem em terras lusas, a família passou por várias cidades.
Travessia pela Ucrânia - A primeira parada foi Dnipro, onde vivia um amigo. Mas logo no primeiro dia, as sirenes soaram: um sinal de que as explosões estão prestes a começar. Natasha conta que seu estado emocional foi rapidamente afetado: temendo o pior, decidiram ir para outra cidade.
Chegam em Odessa, com a meta de estarem cada vez mais perto das fronteiras. A família tem a confirmação de que o marido não poderá seguir com elas: os homens entre os 18 e o 60 anos são obrigados a ficar na Ucrânia. A mãe dele, Nataliia Rodenko, junta-se ao grupo, que segue então para Kvuyry Rih. Mais sirenes tocam e a pequena Sasha quer saber o que aquele barulho significa.
Uma criança no meio da guerra - Segundo Natasha, uma senhora explica à menina que ela deve tapar os ouvidos e abrir a boca. Da próxima vez que as sirenes soam, Sasha conta à mãe que já sabe exatamente o que fazer. Mas a especialista em economia nota que uma criança de quatro anos não deveria precisar aprender isso, nunca.
A família finalmente atravessa a fronteira de carro e chega à Romênia, onde permanece por quatro dias. Voluntários da Cruz Vermelha prestam assistência, ajudam as três a encontrar abrigo na capital Bucareste e ficam sabendo que o governo de Portugal está organizando um voo humanitário para refugiados ucranianos.
Ela pensa no clima ameno em Portugal, na proximidade com o mar e decide aceitar o desafio em buscar refúgio em um país onde nunca estiverem e onde não conhecem ninguém. Chegam no dia 14 de março e novamente, com a ajuda de voluntários, Natasha, a sogra e a filha foram acolhidas por uma família portuguesa que vive em Lisboa e que abriu as portas de casa para as ucranianas.
Solidariedade de desconhecidos - Natasha faz questão de contar que as roupas que ela e a sogra estão vestindo foram doadas por amigos da família que lhes ofereceu hospedagem. Gestos de bondade de desconhecidos que fazem toda a diferença em um momento delicado.
Emocionada, ela revela seu maior medo: não conseguir voltar a encontrar com o marido, com quem consegue conversar por videochamada duas vezes ao dia. A filha já está registrada como refugiada junto aos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, SEF, enquanto Natasha e a sogra estão no processo de conseguir a documentação.
Os próximos objetivos de Natasha são encontrar trabalho e vaga em uma escola para a filha. A ansiedade que sente quando vê as notícias sobre a Ucrânia é intercalada por momentos de alívio por saber que estão em segurança.
Entre os dias 24 de fevereiro e 27 de março, o SEF havia fornecido status de proteção temporária a mais de 22,7 mil ucranianos e cidadãos de outros países que estão morando na Ucrânia até a invasão russa. O governo português está facilitando a emissão de documentação para os refugiados e criou um site especial de apoio a essa população, o portal Portugal for Ukraine.
No vídeo
Natasha fala sobre a guerra
10 milhões fora de casa
Cerca de 10 milhões de pessoas já foram forçadas a sair de suas casas desde que a guerra na Ucrânia começou sendo que mulheres e meninas representam 90% dos deslocados. O número equivale a quase 25% da população ucraniana.
Os dados foram apresentados pela diretora-geral da ONU Mulheres. Sima Bahous faz um apelo ao fim imediato da guerra e destaca que as ucranianas estão “expostas a riscos relacionados ao gênero, como tráfico humano, violência sexual e acesso impedido a serviços e bens essenciais.”
Segundo Bahous, já existem relatos de que alguns desses riscos estão ocorrendo. Por isso, ela apelou por uma “resposta urgente da comunidade internacional para garantir prioridade aos direitos e necessidades das mulheres e meninas” deslocadas pelo conflito na Ucrânia.
Segundo ela, as mulheres de ONGs no país e em nações vizinhas estão qualificadas para ajudar, fornecendo todo o apoio para as ucranianas que estão arriscando suas vidas.
Comida, abrigo, assistência legal, apoio de saúde mental e ajuda para os que estão em fuga estão entre os serviços prestados.
A chefe da ONU Mulheres pede apoio a todas essas organizações e garantias de corredores humanitários, uma medida, que segundo ela, é “imperativa”.
Famílias ucranianas chegam a Berdyszcze, na Polônia - Foto: Tom Remp | Unicef
A ONU Mulheres reforçou o apelo do secretário-geral António Guterres por um cessar-fogo imediato. Além de fornecer serviços essenciais no terreno, a agência das Nações Unidas faz levantamentos para garantir que todos que trabalham na resposta ao conflito tenham os dados mais recentes e análises sobre as “dinâmicas de gênero durante a guerra e seus impactos” nos civis.
Os especialistas da ONU Mulheres têm “experiência em investigar casos de abuso ou violência sexual e de exploração de mulheres e de meninas no contexto da guerra” e estão, inclusive, trabalhando em conjunto com a Comissão de Inquérito das Nações Unidas sobre a Ucrânia, estabelecida pelo Conselho de Direitos Humanos.