Cassiano Antico

A Covid-19 me separou do mundo (mas tenho outros mil em mim)

"Eu te amarei eternamente, papai. Até depois do infinito e também em todos os universos paralelos" - diz minha filha de 5 anos.

Como pode? Como posso ficar ileso? Como não reparei melhor em tamanha beleza antes. Sinto vontade de chorar. E choro escondido. A covid-19 e o influenza me separam do mundo neste exato momento. Mas carrego outros mil e tantos mundos inteiros dentro de mim. E Bruce Springsteen canta: "Às vezes é como se alguém pegasse uma faca afiada e cega e fizesse um pequeno corte no meio do meu crânio. À noite eu acordo com as fronhas ensopadas. E um trem de carga passando pela minha cabeça".

Além da doença, da dor, sinto-me quebrado em outras partes nos refúgios de minha alma. E me lembro de meus triunfos, minhas tragédias, minha vergonha, meus tombos, meus sonhos, minha coragem, meu nada. 

É, hoje estou isolado. Meu corpo está tão  quente e eu sinto tanto frio, irmãos! Porém, nestes momentos, quando estamos doentes, podemos fazer uma reflexão mais profunda da vida.  Nietzsche escreveu: "Aquilo que não me mata só me fortalece". E o Coringa arrematou: "Aquilo que não me mata só me deixa mais estranho". Corajoso é quem derrota a si próprio, e não aquele que derrota outro homem. 

Tudo isso, reflexões, doenças: deveriam atemorizar-me, não é? Mas é um deleite, um retorno. São os caminhos tortuosos que me trouxeram a meu secreto centro.

Cada ínfimo instante do ontem e dos ontens do mundo, as caminhadas por Nápoles, Pompéia, Herculano, com minha filha Valentina tão viva e segurando minhas mãos... Eu lembro... Vimos o vulcão, a arte grega, a cidade dizimada. O mar tão azul. Juntos!

Qualquer destino, por mais longo, curto, e complicado que seja, vale apenas por um único momento: aquele em que a gente compreende de uma vez por todas quem é... Mortal, poeira de estrela, luz, trevas, amor, nada. 

Ah, o Cassiano que escreve neste sitezinho da Bahia iluminou-se? Como alguns chegaram a se referir ao portal de notícias da cidade natal do meu amigo Tarcisio Buenas (site este que sempre me respeitou, me permitiu pensar e respirar). Não, de forma alguma. Estou cada dia mais ciente de nossa vasta escuridão.

Será que quando eu for publicado por aquela editora gigante e famosa e for entrevistado por Bial, Fátima Bernardes, Datena, serei um ser humano melhor? Receberei a admiração e a consideração de bípedes tão indiferentes e pernósticos que nem sabem que eu existo mesmo quando me olham nos olhos? Claro que não! E nem estou interessado!

O que vejo é instigante, monstruoso, perturbador e libertador. Fecho os olhos mais uma vez e escuto as palavras de minha filhinha; e o faço como quem ouve a mais bela melodia... A criança!

Estou tranquilo, pronto para receber mais uma facada no meio do crânio, no meio da alma, no meio da noite. Vai, Springsteen! Por favor, não para... Take me higher, higher.