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Pentágono admite que EUA vão se aliar ao Talibã no Afeganistão

Americanos e aliados têm trabalhado para recalibrar seu relacionamento com o Talibã

Foto: Sargento Daryn Murphy/Força Aérea dos EUA
Afegãos são retirados do país

O chefe do Estado-Maior dos EUA, general Mark Milley, disse na quinta-feira, 1º, ser possível que os americanos coordenem com o Talibã a luta contra a facção afegã do Estado Islâmico. Milley, porém, se recusou a fazer previsões sobre uma possível aliança com o novo regime do Afeganistão. "Na guerra, você faz o que se deve fazer, mesmo que não seja aquilo que gostaria de fazer", disse o general.

Quando questionado se os EUA cooperariam com o Talibã contra o Estado Islâmico Khorasan, o braço afegão do EI, também conhecido como Isis-K, o general disse que há essa possibilidade. A capacidade de o Talibã controlar o grupo tornou-se uma questão de grande preocupação internacional, depois que o Isis-K assumiu a responsabilidade por um ataque ao aeroporto de Cabul que deixou 170 civis e 13 militares americanos mortos nos últimos dias da retirada dos EUA.

Comandantes americanos trabalharam com o Talibã para facilitar a retirada de mais de 124 mil pessoas do Afeganistão nas últimas semanas. Tanto os EUA quanto o Talibã veem no Estado Islâmico uma ameaça comum: o grupo terrorista islâmico considera o Talibã muito moderado e tem nos EUA um inimigo declarado.

Americanos e aliados têm trabalhado para recalibrar seu relacionamento com o Talibã - um grupo que permanece nas listas de vigilância de terroristas em todo o mundo. Nas últimas semanas, os EUA cooperaram com o grupo para garantir a segurança do aeroporto de Cabul e oficiais de defesa admitiram que existe a possibilidade de a ameaça representada pelo Isis-K exigir um trabalho conjunto no futuro.

Uma crescente crise humanitária e econômica pode levar ainda mais afegãos a buscar uma saída. Os preços dos alimentos mais básicos, como ovos e farinha, dispararam. Os alimentos de emergência que as Nações Unidas distribuem a centenas de milhares de afegãos devem acabar até o fim do mês. A ajuda externa foi interrompida. As longas filas em agências de banco são diárias.

Na quarta-feira, as principais autoridades do Pentágono expressaram cautela sobre continuar a trabalhar com os líderes do Talibã. O secretário de Defesa americano, Lloyd Austin III, disse que, embora os EUA tenham atuado com o Talibã em um conjunto restrito de prioridades, era, segundo ele, difícil prever se essa cooperação continuaria no futuro.

Outros governos estão trabalhando para traçar uma parceria com o Talibã ou com atores regionais para retirar os civis restantes que desejam sair de Cabul. O chanceler do Reino Unido, Dominic Raab, esteve ontem em Doha, no Catar, para discutir com autoridades locais a situação no Afeganistão e como garantir uma passagem segura para os que permanecem no país. O Catar já hospedou líderes do Talibã e foi o local das negociações de paz entre a milícia e o governo Trump, no ano passado.

Raab disse que o Reino Unido não reconhecerá o Talibã no futuro próximo, mas também não descartou a possibilidade de manter contatos com o grupo. "Vemos a necessidade de um envolvimento direto", disse o chanceler britânico. Ele afirmou ter conversado com líderes do Catar sobre a possibilidade de manter o aeroporto em Cabul como rota para afegãos que correm alto risco e ainda querem fugir.

Segundo o governo britânico, Simon Gass, enviado especial para a transição do Afeganistão, manteve conversações nos últimos dias com representantes políticos do Talibã.

Rebeldes resistem

As forças do Talibã e combatentes leais ao líder local, Ahmad Massoud, lutavam no Vale do Panjshir, nessa quinta-feira (2), mais de duas semanas após a milícia islâmica tomar o poder. Enquanto isso, os líderes do Talibã na capital Cabul trabalham para formar um governo. 

Panjshir é a última província a resistir ao domínio do Talibã, que retomou o controle do país conforme as tropas norte-americanas e de seus aliados se retiravam, depois de 20 anos de conflito iniciados com os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. 

Os dois lados disseram ter provocado grandes danos e fatalidades.  

"Começamos as operações após a negociação com o grupo armado local fracassar", disse o porta-voz do Talibã Zabihullah Mujahid.

Guerrilheiros do grupo entraram em Panjshir e tomaram o controle de partes do território, segundo o porta-voz. "Eles [os inimigos] sofreram perdas pesadas."

Um porta-voz da Frente Nacional de Resistência do Afeganistão, por sua vez, afirmou que o grupo rebelde tinha total controle de todas as passagens e entradas da região e que havia repelido as iniciativas pela tomada do distrito de Shotul.

"O inimigo fez múltiplas tentativas para entrar em Shotul, a partir de Jabul-Saraj, e fracassou em todas elas", disse, em referência a uma cidade na província vizinha de Parwan.