Escritos

A cabeça nunca é uma página em branco

Escrever é um exercício de dor, mas que acalenta

Jana Cambuí
Jana Cambuí - @janacambui

O despertar da inspiração na madrugada. É a maldição dos que escrevem por ofício. Pelo menos, a minha. O dia, com a sua avalanche de realidade, mostra que a gente tinha mesmo era que ser uma ostrinha, ficar parado eternamente, fechado, remanejando palavras, descobrindo palavras, inventando palavras... que um dia virassem pérolas.

Enquanto afago o gato, eu penso que escrever é um exercício de dor, mas que acalenta. Não procure lógica. A sensação é que a gente carimba numa página o que fica moendo e triturando dentro, a palavra-sentimento que se quer jogar fora. E até nas preposições, pasmem, moram uns engasgos. Entende quem escreve; e acho que entende você que lê: cada página virada é um novo sonho. No caso de textos que moram em códigos, como este aqui, cada parágrafo é uma luta, enquanto as mensagens chegam.

Então, começo a preencher este espaço aqui olhando pela janela outras tantas janelinhas iluminadas, que se intercalam irregulares com outras apagadas, fazendo o desenho da noite agora. O desenho que brilha, que é a vida, florescendo ou minguando, de cada apartamento. Essas luzes me dizem: escreve, que teu coração bate.

Escrever é verbo anarquista

Eis que eu fico preocupada – enquanto digito no fluxo das ideias –, com os compromissos de amanhã. E a inspiração evapora que nem uma calefação. E a água do chá ferve. E eu fico satisfeita com algumas poucas linhas espontâneas. E isso é literatura. E vida.

Escrever é verbo anarquista. E ninguém sabe o que pode nascer de um texto. Pode ser um dia mais bonito, pode ser uma ideia; pode ser, até mesmo, um outro texto - e é bem comum que o seja. E é assim que escrevo: com o intuito de drenar a necessidade da cabeça aqui de falar e falar e falar. Sem querer esgotar assuntos; de jeito nenhum e muito pelo contrário: a ideia é fazer perguntas, jogar os assuntos no ar, como pontos de interrogação insistentes martelando: tem alguém aí?