Quitandeiras
Nessas últimas semanas vimos, com tristeza, a suspensão do censo da população brasileira. A Constituição Federal (Artigo 21) obriga que ele seja realizado de 10 em 10 anos. O último foi em 2010, mas, diante da grave situação que a pandemia do Coronavírus desencadeou, ele foi transferido de 2020 para 2021. Infelizmente, será postergado por mais um ano, sendo deixado para 2022.
O censo é muito mais do que a contagem do número de habitantes de um país. Ele traz informações fundamentais sobre saúde, emprego, renda, escolaridade, saneamento básico, só para falar das mais importantes.
Com esses dados podemos calcular o Índice de Desenvolvimento Humano do país, o famoso IDH, que orienta os programas do governo, em todas as áreas. Tudo bem, talvez as coisas mudem e consigamos o nosso Censo 2021. Estamos torcendo para isso.
No período colonial, os censos demográficos não eram tão detalhados. Eles eram elaborados pelos capitães-gerais das capitanias e pelo governo-geral, com base nos registros das paróquias, mas simplificados e atendiam a determinado interesse do momento.
Por exemplo, os dados demográficos sobre a população baiana no século XVIII podem ser considerados como avaliações parciais, à medida que as informações são incompletas e os próprios limites da Capitania sofreram algumas alterações.
Na primeira metade do mesmo século não houve um levantamento oficial da população baiana. Além das dificuldades provocadas pela imprecisão dos métodos empregados nos levantamentos paroquiais e nos censos promovidos pelos governadores, era preciso definir os limites da cidade do Salvador.
Ao seu fundada, a cidade recebeu um termo de cerca de 36 km2 e um rossio que servia de pasto e local para apanhar lenha. O termo não foi modificado até o século XIX, quando já estavam incluídas sete paróquias rurais: Nossa Senhora da Conceição de Itapuã, São Bartolomeu de Pirajá, São Miguel de Cotegipe, Nossa Senhora do Ó de Paripe, Nossa Senhora da Piedade de Matuim, Sant’Anna da Ilha de Maré e Nossa Senhora da Encarnação de Passé.
Também faziam parte do termo de Salvador, até a Independência, as paróquias da ilha de Itaparica, Santa Vera Cruz e Santo Amaro, as dos povoados de Abrantes e da Mata de São João.
Eram 10 paróquias inseridas no que se poderia chamar de zona urbana da cidade: Sé, Conceição da Praia, Pilar, Carmo, Santana, São Pedro, Rosário, Brotas, Vitória e Penha, que englobavam diversos bairros.
O primeiro recenseamento foi elaborado pela Igreja em 1706. A partir de 1707 o recenseamento paroquial tornou-se obrigatório, e começou posteriormente a ser utilizado pelo governo a fim de facilitar o recrutamento e a fiscalização do patrimônio dos chefes de família.
A historiadora greco-brasileira Katia Mattoso, especialista em história econômica e social da Bahia, estudou e analisou os censos. A autora considera como dados mais aceitáveis que, em 1706, a população de Salvador era de 21601 habitantes.
Segundo estudo elaborado pelo padre Gonçalo Soares de França, a Capitania teria, em 1724, cerca de 80000 habitantes estando a maior parte dessa população, aproximadamente 80%, em Salvador e no Recôncavo.
Os dados se referem à população livre e à população escrava, apresentando como resultado, para Salvador, um equilíbrio entre o número de pessoas livres e escravas.
Apesar de não haver um levantamento sobre o número de pessoas que se fixaram em Salvador no período de maior produção de ouro, sabe-se que Minas Gerais recebeu aventureiros provenientes de todas as capitanias da colônia, como também de Portugal.
A afluência praticamente incontrolável dessa população trouxe graves problemas à economia açucareira do Nordeste. Provocou, também, o desabastecimento das cidades e vilas do litoral, pois as mercadorias, escravos e mantimentos eram desviados para as regiões de mineração.
Os profissionais dos mais diversos ofícios também ficaram escassos, o que aumentava o custo de vida em outras regiões da colônia.
O ciclo do ouro atraiu ao Brasil cerca de 500 mil portugueses entre 1700 e 1760, correspondendo a um fluxo anual de 8 mil a 10 mil pessoas. Além do fluxo representado por aventureiros brasileiros e portugueses, o aumento populacional registrado no século XVIII se deveu à ampliação do comércio de escravos com a África Ocidental, tanto para a região das minas quanto para a lavoura açucareira.
O Brasil, que contava com cerca de 300 mil habitantes no início do século XVIII, chegava ao fim deste com, aproximadamente, 3 milhões de habitantes, com uma população bem próxima à de Portugal.
Para a segunda metade do século XVIII, o recenseamento elaborado em janeiro avaliava a população de Salvador em 40922 habitantes. Estavam excluídos desses registros: os inocentes, crianças que não tinham atingido a idade de confissão, ou seja, 7 anos, os agregados e seus familiares, os migrantes, que ficavam poucos meses na cidade, e moradores que estivessem viajando.
Como importante entreposto comercial a afluência de uma população composta por marinheiros e navegantes era grande, podendo ser somada também a população escrava que era trazida para Salvador a fim de ser vendida e distribuída, os escravos de passagem. Assim, à população fixa, somava-se uma população flutuante cujos dados são praticamente inexistentes.
Em 1775, outro censo designa a população de Salvador tendo como parâmetro a cor da pele e a nacionalidade, apresentando-a composta de 36% de brancos, 12% de mulatos livres, 10,4% de negros livres e 41,4% de mulatos e negros escravos, perfazendo um total de 35253 pessoas.
Apesar deste levantamento ter sido descartado por Mattoso, pode-se ter uma noção da presença de negros e mestiços que, no século XVIII, já se apresentavam como maioria.
Em 1779, com o êxodo populacional em direção ao Sertão e o recrutamento de homens para as lutas no sul da colônia, havia uma indicação de 39209 habitantes.
Para o início do século XIX, o censo eclesiástico de 1805 apresenta como resultado 45600 habitantes. Em 1808, o número de brancos na Capitania cai para 20,4%, enquanto que o número de mestiços e negros livres aumenta para 44,3%.
A população escrava, composta de negros e mulatos alcança os 35,3%. Em relação a Salvador, são escassos os dados referentes à composição racial, mas sabe-se, pelo depoimento de viajantes, que o número de negros e mestiços sempre foi superior ao de brancos.
O primeiro censo geral do Brasil foi realizado em 1872, no reinado de D. Pedro II. Nele foram inseridos os escravos, elaborou-se um inventário das etnias indígenas e os imigrantes foram separados por nacionalidade. Registraram-se 10 milhões de habitantes, sendo que a população escrava correspondia a 15,24% desse total.
O Brasil estava dividido em 21 províncias, cada uma delas subdividida em municípios. A subdivisão dos municípios ainda era feita com base nas paróquias.
O levantamento teve como resultado geral que 58% dos residentes no país se declaravam pardos ou pretos, enquanto que 38% se consideravam brancos. Já os indígenas representavam 4%.
Os estrangeiros, cujas nacionalidades se distribuíam entre portugueses, ingleses, alemães, africanos livres e franceses, representavam 3,8% do total dos habitantes.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi criado em 29 de maio de 1936, com o nome de Instituto Nacional de Estatística. Mario Augusto Teixeira de Freitas, estatístico nascido em São Francisco do Conde, foi seu idealizador e primeiro Secretário Geral. Por mais de 80 anos o Instituto vem revelando o Brasil aos brasileiros, por isso devemos honrá-lo e desejar vida longa, e que venham muitos e muitos censos.
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Para saber mais
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava em Salvador; 1811-1860. São Paulo: Corrupio, 1988.
MATTOSO, K. Q. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. Salvador: Secretaria Municipal de Educação; São Paulo: HUCITEC, 1978.
SIMONSEN, R. História econômica do Brasil: 1500-1820. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.