Direita ou direta, surge logo essa dúvida. Em primeiro lugar, nada a ver com direita se antepondo a esquerda, ou seja, lados diferentes; também nada a ver com certa, alinhada, não. Tem a ver com direta de um lugar a outro.
Nas cidades de fundação portuguesa, rua direita era uma designação utilizada para a rua principal de um lugar.
Segundo Câmara Municipal de Lisboa, antes da cidade se expandir para os lugares vizinhos já lá existiam as antigas Ruas Direitas, de que hoje ainda sobrevivem quatro: a Rua Direita da Ameixoeira, a Rua Direita ao Lumiar, a Rua Direita de Palma e a Rua Direita de Marvila.
Rua Direita do Lumiar, início do século XX
No Brasil, não foi diferente. Logo no início da colonização, na cidade do Rio de Janeiro, o caminho entre o Morro do Castelo e o Morro de São Bento recebeu o nome de Rua Direita, a que conduzia direto de um morro ao outro. Nela se construiu a capela de Nossa Senhora do Ó, que não existe mais, e depois o Convento do Carmo. Nela se instalaram um açougue e um trapiche e mais tarde a Casa dos Governadores (hoje Paço Imperial) e mais duas igrejas, a de Santa Cruz dos Militares e a da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmo.
Rua Direita, Rio de Janeiro, século XVIII
Recife também teve suas ruas direitas: a Rua Nova ou Rua Direita que vai para Santa Cruz; a Rua Direita da Cadeia Nova e a Rua Direita das Cinco Pontas. Todas elas receberam novos nomes.
Em Salvador, a primeira rua direita foi a Rua Direita do Palácio, também chamada de Rua Direita dos Mercadores, elemento eminentemente urbano, que fez parte da fase inicial da cidade e teve os seus limites claramente definidos: da Praça do Palácio até a Porta de Santa Luzia. Nela, além dos ricos sobrados, havia o comércio ao varejo de roupas, calçados e outras mercadorias importadas da Europa.
Em 1902 recebeu seu nome atual em homenagem à Marinha de Guerra do Chile. Dez anos depois, ela foi alargada no projeto de modernização de Salvador do governo de José Joaquim Seabra.
Rua Chile, em Salvador, após o alargamento
A Rua Direita de Santo Antônio, antiga Rua Joaquim Távora, entretanto, nasceu do caminho que saía da Porta do Carmo, ainda no final século XVI, a caminho da ermida do Monte Calvário e, depois, até a ermida de Santo Antônio.
Portanto, a consolidação da Rua Direita de Santo Antônio se fez com a fixação de particulares, impulsionados pelas duas ermidas.
Mesmo com o seu adensamento, ainda no século XVII a área tinha mais características rurais que urbanas. Além do Convento e da Igreja da Ordem Primeira do Carmo, irmandades construíram as igrejas da Ordem Terceira do Carmo, do Santíssimo Sacramento do Passo e de Nossa Senhora do Boqueirão.
A rua desemboca no Largo de Santo Antônio Além do Carmo que, além da bela vista da Baía de Todos os Santos, abriga o Forte de santo Antônio Além do Carmo e a igreja de mesmo nome.
Rua Direita de santo Antônio
Como bem coloca Helder Carita, historiador e pesquisador português, “na quase totalidade, a denominação de direita evoca não só um sentido de direcção mas igualmente um eixo de desenvolvimento urbano.” As ruas direitas adquirem grande importância hierárquica na estrutura da cidade e assumem o topônimo do principal elemento urbano que lhe dá sentido.
O Mosteiro de São Bento e o Convento dos Capuchinhos da Piedade foram elementos fundamentais para a expansão até o Forte de São Pedro. Do convento até o forte esboçou-se a terceira “rua direita”, até hoje denominada de Rua Direita da Piedade.
Para a esquerda, tomando-se ainda como ponto de referência o convento, outra rua de grande importância para a ligação entre os bairros mais internos já estava a se definir, a Rua das Trincheiras, atual, Avenida Joana Angélica.
Rua Direita da Piedade, em Salvador
Essas três ruas direitas foram as primeiras, ainda consolidadas no período colonial, mas a tradição de denominar ruas importantes com o topônimo do principal elemento que lhes dá sentido se manteve.
Temos, então, as Ruas Direitas de Cassange, de São Cristóvão, da Gomeia, do Cruzeiro e, mais, a Rua Direta do Uruguai.