"Aqui não entra bêbado, só sai” é o cartaz de um boteco no interior da Bahia e o dono me deu a explicação: “O cara toma todas em outros lugares e já chega aqui pronto, vai tomar mais uma e apronta, quer brigar e tudo”. Nessa mesma cidade há um biriteiro cujo apelido é Pano de Pia, porque está sempre encharcado. Você já viu algum pano de pia enxuto?"
Boteco é um bom lugar de se beber, quando o tira-gosto é bom e a cerveja é gelada. A alma do boteco são os amigos, ver quem passa na rua e deixar a vida andar. Acho que foi Martinho da Vila quem resolveu montar um boteco dentro de um shopping do Rio. Com cadeira de boteco, mesa de boteco, comida de boteco. O bar acabou fechando, pois faltou uma coisa: a alma da rua, que não cabe dentro de um shopping.
Dono de boteco geralmente é ranzinza, enjoado e não suporta fiado, acho que de tanto porrete que já tomou. O garçom, se tiver, ganha logo um apelido e vive pedindo emprego para a irmã ou a cunhada. Cardápio geralmente não tem e quando tem é improvisado numa folha de caderno ou num pedaço de papelão. Fui uma vez num boteco em Salvador onde havia escrito no cardápio de papelão: “Q. de Boi”. Perguntei ao dono o que era: “É culhão de boi, é porque se eu escrever assim vem mulher aqui e pega mal, não é?”. Por sinal, um excelente tira-gosto.
De tanto ouvir as histórias dos clientes todo dono de bar acaba virando contador de histórias também. Um respondia assim a quem perguntava o que havia de tira-gosto: “Tem pombo frito, costela de cabrito, mussum assado, sapo de ensopado e coruja ao molho pardo. E se você não gostou, ainda tem a galinha preta que o trem matou”.
Isso me lembra um garçom de um luxuoso restaurante de Salvador que me disse que o jantar deles era “frango atropelado” e explicava: “Rapaz, é um frango desgraçado, a gente nem sabe se é assado ou cozido, o bicho é ruim mesmo, vem aquela gororoba”.
Grande frequentador de botecos, um velho jornalista baiano me ensinou que “molhar a mão da cozinheira é fundamental, porque seu tira-gosto vai sair sempre caprichado”. Uma vez marquei com ele, que demorou de chegar, e a cozinheira me reconheceu, pois já tínhamos ido lá outras vezes. Peguei logo uma nota de 10 reais e molhei a mão da cozinheira, sem o dono perceber, e pedi um tira-gosto de ensopado de boi. Quando o prato chegou, não tinha mais onde botar carne. Ao meu lado – o bar era desses com banquinhos presos junto ao balcão – um senhor pediu um prato de ensopado para almoço. Vieram uns três pedacinhos de carne no prato dele. Esse cara, que não tirava o olho do meu prato, comia e resmungava: “Aí eu vi carne, aí eu vi carne”, e mostrava pra cozinheira o prato dele e o meu. Seu protesto foi inútil e eu morri de vergonha.
Outro amigo me conta que estava com um grupo numa barraca da rua onde moravam. Era Sexta-Feira Santa, quase meio-dia, o dono doido pra ir embora e a turma só pedindo mais uma saideira. Não havia mais nada de tira-gosto, até a bolacha cream-cracker acabou, quando alguém da turma teve uma ideia: o rolo de barbante. Aquele barbante branco que descia de uma lata presa no alto da barraca começou a servir de tira-gosto: “É só mastigar e depois jogar fora, porque ele tem um salzinho”. O dono só conseguiu fechar a barraca quando acabou o barbante.
Uma vez, num boteco, o dono me pediu pra assinar numa rifa, tipo Raid das Moças, e o prêmio era “uma galinha com seis pintinhos”. Quando vi o valor de uma assinatura na rifa, 50 reais, chiei na hora: “Mas que galinha cara é essa?” O dono foi lá dentro e voltou com um trezoitão enrolado numa flanela e seis balas: “Olha aqui a galinha e os pintinhos. É que se eu escrever revólver na rifa a Polícia vem atrás de mim”.