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“Na hora da comunhão você não pode pegar na hóstia, pois se pegar ela vira sangue”. Tinha tanto medo na hora de comungar que botava as mãos para trás, fechava os olhos e abria a boca para receber a hóstia.
Cartão de ponto do Ginásio de São Bento
Estudei no Ginásio de São Bento, talvez o único em Salvador a adotar o cartão de ponto para os estudantes. A gente batia ponto de segunda a sábado e no domingo não escapava: tinha que bater o ponto da missa das 8 horas na Igreja de São Bento, vizinha ao colégio. Se não fosse à missa tinha que levar na segunda-feira uma justificativa dos pais, por escrito, para ser apreciada pela direção.
Evidente que poucos gostavam da missa no domingo, único dia possível de dormir até mais tarde. Aí o jeito era conversar durante a missa ou fazer brincadeiras para o tempo passar logo. Tinha um colega que na hora em que o coral cantava um hino, acho que era “O Senhor é Meu Pastor”, ele ficava atento para a chegada dos versos: “Junto a mim teu bastão, teu cajado/ Eles são o meu conforto”, e aí demonstrava com as mãos o tamanho do cajado e cantava sorrindo para o colega ao lado: “Eles são o seu conforto”.
Também não gostava da Missa do Galo, naquele tempo celebrada mesmo à meia-noite. Aquela mesa farta, aquele peru assado brilhando e eu, com uns cinco anos, morrendo de sono e doido pra comer logo, mas a ceia era só depois da missa.
Adolescente, já ia nervoso para o confessionário calculando o que ia dizer, de que pecado falar primeiro. Aquela coisa assustava: uma porta escura de madeira cheia de furinhos por onde minha voz chegava ao ouvido do padre, que perguntava detalhes do pecado: “Quantas vezes por semana?”
E daqueles buraquinhos vinham, junto com a penitência, o mau hálito do padre e um fedor de batina suada. Achava terrível ter de falar dos meus pecados sem ver a cara da pessoa que ouve.
Um dia, na Igreja da Piedade, me confessei e depois fiquei num banco esperando o capuchinho sair só pra ver a cara dele. Andava meio curvado, na certa pelo peso de tantos pecados ouvidos durante o dia.
Nas aulas de Religião sempre fiquei intrigado com o purgatório. Sempre achei o purgatório um lugar esquisito, onde se sofre pela metade. Ou céu ou inferno, ou sofre ou não sofre, pau ou casca. Ficava sem entender o porquê desse estágio post-mortem, esse castigo temporário para se alcançar o paraíso.
E quem não conhece um caso de padre do interior? Ou do padre que fugiu com a moça? Carlos Drummond de Andrade diz no seu belo poema “O Padre, A Moça”: “Lá vai o padre/ lá vai/ e a moça vai dentro dele, é reza de padre”.
Tinha um padre que foi fazer uns batizados num povoado que ficava do outro lado do rio. Apesar de estreito, o rio estava cheio e ele ficou com medo de atravessar de canoa. Do lado de cá, ele, que gostava muito de dinheiro, gritou pro povo de lá com os meninos no colo: “Olha, eu vou batizar daqui mesmo. É 50 e quem não pode pagar paga 20. Vocês amarram o dinheiro numa pedra e jogam pra cá. E não esqueçam: só está batizado quem pagou”.
Foi esse mesmo padre que iniciou uma campanha para reformar a igreja. Depois de meses pedindo, conseguiu doações para realizar algumas obras, mas faltava dinheiro para comprar a imagem do altar-mor, a peça mais cara. Aí ele falou na missa de domingo: “Prezados fiéis, quero agradecer a valiosa colaboração de todos vocês até aqui. Já conseguimos pintar a igreja, comprar bancos novos e consertar o sino. O diabo é o santo...”