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Bahia: sete em cada dez municípios ainda mantêm lixões

Metade dos municípios brasileiros (43%) não conseguiu por fim aos lixões, alegando falta de recursos

Foto: Carol Garcia / Secom-BA
Lixão
Vazadouros a céu aberto ainda são realidade no maior Estado do Nordeste

Em Barreiras, no oeste baiano, as cerca de 3,5 mil toneladas de resíduos sólidos mensais coletadas na cidade acabavam, até o fim do ano passado, em um lixão a céu aberto.

Deste vazadouro, centenas de famílias de baixa renda recolhiam, diariamente, restos de comida e materiais recicláveis, como papelão e alumínio. “Muita gente trabalhava e ganhava o pão no lixão”, relata Luciamar Alves, que labutou no local durante 30 anos.

No fim de 2019, a prefeitura local conseguiu, finalmente, transformar o lixão em aterro sanitário, conforme estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei Nº 12.305/2010, sancionada há dez anos.

Aliás, essa legislação determinou 2014 como ano limite para os municípios extinguirem os lixões, considerados inadequados e nocivos à saúde humana. Contudo, na Bahia, essa realidade ainda deixa de ser alcançada por sete em cada dez cidades.

De acordo com levantamento feito pela Agência Eco Nordeste, dos 417 municípios da Bahia, 286 (68,5%) ainda têm lixões, mesmo que isso signifique crime ambiental e um risco à saúde pública.

Os dados têm como base o Observatório dos Lixões, uma ferramenta da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) disponibilizada na internet, cuja base metodológica é a consulta às administrações municipais.

Todavia, o número de cidades baianas com lixões ainda pode ser maior, uma vez que 84 prefeituras (20,1%) deixaram de responder a pesquisa.

Na contramão do problema, só 47 municípios (11,2%) têm aterros sanitários, estrutura de solo impermeável capaz de evitar que os resíduos contaminem o meio ambiente.

 

Benefícios dos aterros

Mestre em Engenharia Ambiental Urbana e professor do Centro Universitário Ruy Barbosa, Thiago Novaes defende que o poder público deva gerenciar os resíduos sólidos adequadamente, priorizando a não geração dos resíduos, em seguida, a sua minimização, reutilização, reciclagem e, por fim, a destinação final dos rejeitos urbanos em aterros sanitários, ou seja, apenas dos resíduos sólidos que não podem ser reaproveitados ou reciclados.

“O principal ganho referente aos aterros sanitários é a população ter garantida a disposição final dos resíduos sólidos urbanos de forma segura para o meio ambiente e saúde pública. No entanto, para alcançar os benefícios potenciais de um aterro sanitário, é preciso garantir a eficiência e efetividade de todas as etapas de gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, sendo indispensável que o aterro sanitário seja projetado, implantado e operacionalizado adequadamente, sob o risco de ele se tornar um novo lixão”, adverte o especialista.

Apoio técnico

Segundo o superintendente de Planejamento e Gestão Territorial da Secretaria Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur), Armindo Gonzalez Miranda, R$ 9 milhões em recursos federais já foram investidos no apoio técnico à formação de consórcios intermunicipais e no subsídio à elaboração de 220 planos municipais de resíduos sólidos, outra exigência da Lei Nº 12.305/2010.

“A previsão de entrega é até o fim de 2020. Faremos mais 170 planos, totalizando 390 municípios, o que equivale a 93% das cidades baianas”, adianta o superintendente do órgão.

Também está em fase de elaboração o Sistema Estadual de Informações, ferramenta que terá papel semelhante ao do Observatório dos Lixões, da CNM.

O objetivo é obter um ‘raio-x’ acerca da situação dos resíduos sólidos na Bahia. Ainda não há previsão de lançamento. “Estamos fazendo também um novo levantamento autodeclatório. É complicado porque dependemos de os municípios responderem”, pondera.

Prazos prolongados

Como quase a metade dos municípios brasileiros (43%) não conseguiu por fim aos lixões em tempo hábil, alegando falta de recursos, o Congresso aprovou, em 2015, a prorrogação do prazo para a instalação dos aterros sanitários – que também acabou vencendo para capitais e regiões metropolitanas (2018) mais as cidades de 100 mil habitantes (2019).

O novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado em julho deste ano, propõe uma prorrogação ainda maior (entre 2021 e 2024), mas desde que os municípios elaborem os planos de gestão de resíduos sólidos e disponham de taxas ou tarifas para sua sustentabilidade econômico-financeira até 31 de dezembro de 2020.

E o que acontece com os municípios que não cumprirem a lei? Conforme determina a legislação, a prefeitura que não se adequar pode perder recursos financeiros da União.

Já o prefeito corre o risco de responder de forma cível e criminal pela prática de crimes ambientais, além de ter o mandato inelegível para as próximas eleições.

As punições para o meio ambiente, contudo, não estão no futuro, mas no presente. Todos os dias elas podem ser vistas em meio aos resíduos misturados a pessoas, animais e ecossistemas.

Reciclagem incipiente

A coleta seletiva, sistema que possibilita o recolhimento dos resíduos sólidos que podem ser reciclados, também não funciona como deveria no maior Estado do Nordeste.

Atualmente, 59% dos municípios baianos carecem desse tipo de serviço.

A justificativa da maioria dos prefeitos é a mesma utilizada para a manutenção dos lixões: falta de recursos, embora para este último caso a Lei Nº 12.305/2010 possibilite a formação de consórcios intermunicipais voltados à instalação de aterros.

Na capital, Salvador, as cooperativas de reciclagem prestam um serviço de extrema importância à população. É o caso da Cooperativa de Coleta Seletiva, Trabalho, Produção e Proteção Ambiental (Camapet), que atua há 21 anos no bairro Massaranduba.

Hoje com 19 cooperados, a organização recebe de 120 toneladas de resíduos recicláveis mensalmente.

São materiais eletroeletrônicos, plásticos, metais, papéis e até mesmo óleo de cozinha, destinados por condomínios, empresas e programas como o Vale Luz, da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba).

 

 Foto: Camapet


Hoje com 19 cooperados, a Camapet, em Salvador, recebe de 120 toneladas de resíduos recicláveis mensalmente


‘Lixo é dinheiro’

Michele Almeida, presidente da Camapet, lembra que a Lei de Resíduos Sólidos contou, em sua elaboração, com a participação dos profissionais da reciclagem, no entanto, ainda não foi implementada como deveria.

“Infelizmente não é o foco para muitos políticos, tanto que muitos pontos previstos não foram colocados em prática. Além disso, são poucas as pessoas que têm conhecimento e cobram a sua implementação”, aponta.

A presidente da Camapet aponta também que as cooperativas são vistas como concorrentes das empresas responsáveis por destinarem os resíduos sólidos aos aterros, o que no Brasil costuma funcionar por meio de contratos de concessão a terceirizadas.

“O lixo, como é falado popularmente, é dinheiro. Infelizmente eles não querem repartir a fatia do bolo, sendo que o nosso trabalho é destinar, corretamente, os recicláveis. Geramos trabalho e renda para a classe praticamente sem poder aquisitivo. Tiramos muitos da vulnerabilidade, mas esse é um quadro que eles não querem apresentar”, lamenta Michele Almeida.

Cooperativa resiste

Atualmente, a Camapet participa do projeto Reciclar pelo Brasil, que oferece recompensas em dinheiro para aplicar no empreendimento sempre que as metas são alcançadas.

A Cooperativa também integra uma iniciativa acerca dos acordos setoriais de logística reversa – mecanismo da Lei dos Resíduos Sólidos que determina a responsabilidade de toda a sociedade pela geração, destinação e reaproveitamento do que se convencionou chamar de “lixo” – mas que precisa ser rediscutida.

Em 2012, a Camapet foi assolada por um incêndio, o que ocasionou na perda de 38 toneladas de materiais. Desde então, a cooperativa, situada na Península Itapagipana, precisa arcar com custos de aluguel, além de ter o espaço de atuação reduzido para 600 metros quadrados. Interessados em ajudar à organização com doações e envio de materiais recicláveis podem entrar em contato por telefone: (71) 3313-5542 / 9 8899-5542.