Gastronomia

400 alimentos que você encontra em terrenos baldios (e não na feira)

As Plantas Alimentícias Não Convencionais podem mudar a nossa alimentação

Foto: Rede PANC Bahia
Camapu, aroeira (ou pimenta rosa) e melão
Camapu, aroeira (ou pimenta rosa) e melão

Você já ouviu falar em PANC? Calma, não é um jogo de computador ou um novo aplicativo para smartphone. PANC significa "Plantas Alimentícias Não Convencionais" e são vegetais utilizados na alimentação.

São frutos, folhas e raízes que comunidades tradicionais, como quilombolas e povos indígenas, utilizam há anos como alimento e que, ao longo do tempo, se difundiram em nossa sociedade.

Professor José GeraldoEssas plantas são muito nutritivas, saborosas e de fácil cultivo, como explica o professor José Geraldo de Aquino de Assis, docente do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do mestrado em Genética e Biodiversidade da UFBA e doutor em Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas) pela Universidade de São Paulo (USP). 

“As PANC’s não estão nas gôndolas dos supermercados. Elas estão em abundância  na natureza, terrenos baldios, jardins, árvores e também em hortas urbanas. Não há uma cadeia produtiva definida. São plantas de fácil acesso,  possuem uma imensa variedade, benefícios nutricionais para a população e são muito gostosas de se saborear”, diz o professor.

PANC’s também podem ser hortaliças, flores e verduras que as pessoas não estão acostumadas a consumir. 

Azedinha (nome científico - Rumex acetosa), Taioba (Xanthosama sagittifolium), Vinagreira (Hibiscus sabdariffa L.), Bertalha (Anredera cordifolia), Mastruz (Coronopus didymus), Capuchinha (Tropaeolum majus ), Almeirão Roxo (Lactuca canadensis L.) são alguns exemplos.

Vinagreira (Hibiscus sabdariffa L.) - Foto: Paula Rodrigues/Embrapa

Capuchinha (Tropaeolum majus) - Foto: Pixabay/Creative Commons

Aproximadamente 400 espécies de PANC foram catalogadas, segundo o livro ‘Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil : guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas’, dos autores Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzi, que pode ser considerado uma espécie de ‘bíblia das PANC’ com variadas informações.

O termo PANC foi criado em 2008 por Kinupp que é biólogo, mestre e doutor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam) e é a maior referência das Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil.

Harri Lorenzi é um engenheiro agrônomo, pesquisador e diretor do Jardim Botânico Plantarum, um centro de referência em pesquisa e conservação da flora brasileira.

O professor José Geraldo salienta que o termo ‘não convencional’ se popularizou em todo o Brasil por causa do livro de Kinupp, embora, não o considere o mais adequado para as plantas comestíveis.

“Eu pergunto: não convencional para quem? Cada planta possui a sua própria particularidade e algumas florescem em determinadas regiões do Brasil. O maxixe (Cucumis anguria) é extremamente comum na Região Nordeste. A ora-pro-nobis (Pereskia aculeata) é popular em Minas Gerais. O jambu (Acmella oleracea) é muito comum na Região Norte. Uma planta pode ser considerada PANC em determinada localidade ou região e em outra ela pode ser tida como convencional. Com o passar dos anos e dependendo do seu uso, uma PANC pode vir a se tornar uma planta convencional, reconhecida, produzida e comercializada”, complementa o especialista.

Estas plantas podem ser encontradas em calçadas, encostas, beira de estrada, matos (nos lugares mais inesperados), jardins, feiras, hortas urbanas, agricultura orgânica ou até mesmo plantadas em casa.

Alimentação e Nutrição

O que estas plantas têm diferente das demais? As PANC podem ser utilizadas na nossa alimentação cotidiana e isto já diz muita coisa. Por falta de conhecimento ou por uma questão cultural as pessoas acabam não consumindo estes vegetais, que são ricos em proteínas e diversos nutrientes.

A Moringa (Moringa oleifera) tem boas fontes de cálcio e de vitamina C. As folhas possuem alto teor de carotenoides (dão na natureza os tons de amarelo e vermelho). É cultivada em quintais. Suas folhas e frutos podem ser consumidos. As folhas podem ser usadas em saladas, omeletes, sopas, pães e biscoitos. As flores podem ser consumidas em saladas cruas ou cozidas.

A Moringa (Moringa oleifera) é cultivada em quintais - Foto: Pixabay/Creative Commons

Segundo o professor José Geraldo, esta planta poderia resolver a questão da fome no Brasil, já que é comum em muitas cidades e possui altos valores nutricionais. “Esta planta tem potássio, proteína, ferro, cálcio, zinco, betacaroteno e possui um boa sensação de saciedade. As flores podem ser consumidas em saladas cruas ou cozidas. Os frutos bem jovens podem ser consumidos como vagem de feijão. É multi-facetada”.

Utilizada em sua grande maioria como planta medicinal (trata de algumas doenças respiratórias, perda de peso e controle da concentração de glicose no sangue em pessoas diabéticas), pela população, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a  venda de qualquer produto que contenha a moringa, pela falta de estudos que demonstrem as doses eficazes e a segurança da planta para a saúde.

A Beldroega (Portulaca oleracea) é uma erva erva suculenta, rica em ômega 3, betacaroteno e vitamina C. Tem sido usada na alimentação humana desde a antiguidade pelos egípcios, gregos e romanos.

Por ser muito resistente, é uma boa planta para hortas ou para os períodos mais secos do ano.

As folhas podem ser consumidas em saladas, picles, bolinhos e omeletes. As sementes podem ser utilizadas em pães substituindo a chia e o gergelim. Pode ser consumida crua ou refogada e temperada a gosto.

Tem sabor crocante e é utilizada em pratos quentes.

A beldroega ocorre em todas as regiões do país - Foto: Pixabay/Creative Commons

“Esta planta é facilmente encontrada nas calçadas das ruas, jardins ou em terrenos baldios. Você provavelmente já a viu crescendo entre o cimento, em algum cantinho de um muro ou alto de um prédio”, diz o agrônomo.

A ora-pro-nobis (Pereskia aculleata Miller) é conhecida como ‘carne de pobre’ ou ‘carne verde’, possui 28,99 gramas de proteínas. As folhas possuem proteínas, das quais 85% acham-se numa forma digestível, muito indicada para dietas vegetarianas.

Possui vitaminas A, B, fósforo e ferro, ajudando no combate a anemias. Os frutos desta planta podem ser usados para sucos, geléias, mousse e licor. As sementes podem ser germinadas para produzir brotos. Come -se as folhas, frutos e flores. Estas podem ser consumidas cruas ou cozidas. 

As PANC podem facilmente substituir as verduras e legumes comuns, saindo da monotonia alimentar.

“Comer o tempo todo alface, couve, hortelã, tomate, cebola e pepino, cansam. Um prato pode se tornar muito mais colorido, muito mais nutritivo e saboroso quando degustamos estas plantas. Ter à mesa alimentos variados e ricos em vitaminas e minerais é essencial. E as Plantas Alimentícias Não Convencionais têm de sobra ” , enfatiza o pesquisador.

O professor considera que as PANC suprem a necessidade da segurança alimentar, já que são facilmente encontradas, são alimentos de qualidade e podem reduzir a vulnerabilidade do sistema alimentar brasileiro. São orgânicas, sendo livres de adubo químico, livre de contaminação de substâncias prejudiciais à saúde e possuem um valor ambiental incomensurável, já que o agricultor pode diversificar os seus cultivos. 

“Com a PANC um agricultor vai poder diversificar a sua produção. Não vai ficar plantando somente uma coisa. Ele vai ter um solo muito mais produtivo em termos de agricultura, diversificando o plantio e isso, com certeza, faz muita diferença em termos econômicos”.

Estas plantas podem contribuir com o desenvolvimento da agronomia de maneira sustentável. Na Bahia, o Poder Público , através da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) formou um grupo de trabalho (GT) para propor políticas públicas para o incentivo ao cultivo e consumo de PANC.

“Precisamos do Poder Público para fomentar leis de incentivo ao uso destas plantas, não falo só na Bahia, mas em todo território nacional, com o Governo Federal principalmente. As PANC’s podem ser utilizadas como opções para a agricultura familiar de maneira sustentável estreitando os laços entre as comunidades locais ou o pequeno agricultor com o consumidor final. Falar de PANC também é falar de biodiversidade, benefícios socioeconômicos e ambientais. É propor mudanças reais e significativas ao modelo de agricultura que o Brasil adota”, explica.

PANC’s da Bahia

No quesito regionalismo, a Bahia também se destaca quando se fala em Plantas Alimentícias Não Convencionais. 

A Língua de Vaca (Talinum paniculatum Gaertn) é muito comum por aqui e já pode até ser encontrada em alguns supermercados. Além de nutritiva, essa planta também é paisagística, pois nela floresce lindos botões de flores pequenas rosas ou lilases. As folhas são consumidas em saladas, mas preferencialmente cozidas, em refogados ou ensopados
 

A Língua de Vaca tem alto teor de zinco, magnésio e ferro - Foto: Rede PANC Bahia

"A Palma Forrageira (Opuntia ficus indica Mill) é um cacto comestível e muito comum na região do Sertão da Bahia. A polpa do fruto concentrada pode ser usada para suco, geleia, sorvete e mousse. Esta planta batida com limão e capim santo dá um suco verde cremoso e refrescante. O caule jovem é comestível com hortaliça.  Essa são duas das diversas outras PANC’s que há no estado. A Bahia tem três Biomas: Mata Atlântica, Cerrado e a Caatinga, imagine o quanto de riqueza em termos de plantas alimentícias o nosso estado não possui? Não há uma estimativa de quantas destas plantas nós temos. Há muito que ser estudado", complementa o especialista.

Os frutos da Palma têm cálcio e magnésio - Foto: Pixabay/Creative Commons

E a capital da Bahia também se destaca quando se fala em plantas alimentícias. O cacau de macaco, que pode ser também é conhecido como monguba, ( Pachira aquatica Aubl.) é muito cultivado na arborização urbana de Salvador. Suas folhas jovens, flores e sementes
(castanhas) são comestíveis.

As castanhas cozidas tornam-se semelhante à castanha portuguesa ou fruta-pão.


A Monguba tem flores e sementes comestíveis - 
Foto: Pixabay/Creative Commons

A graxa, também conhecida como Hibisco (Hibiscus rosa-sinensis L.) é amplamente cultivada com fins ornamentais e se vê aos montes pela cidade. É uma PANC com  boa fonte de proteínas, carboidratos, lipídios e também possui atividade antioxidante. As flores desta planta também podem usadas como corantes de conserva e bebidas.

O Hibisco é boa fonte de proteínas, carboidratos e lipídios - Foto: Pixabay/Creative Commons

Nem tudo se come

Um aviso: nem toda PANC é comestível. Apesar de ser encontrada facilmente em jardins, árvores e feiras espalhadas pela cidade, é preciso ter cautela, já que algumas oferecem perigo de intoxicação ou podem levar à morte.

“Existem uma infinidade de PANC, algumas são comestíveis outras não. É preciso ter muito cuidado ao se consumir estas plantas. Têm plantas que necessitam ter um preparo certo, têm restrições. É necessário saber o tempo de cozimento, se vai frita ou se ferve. Quando mal preparadas podem provocar diarreia, ferir a mucosa bucal ou até mesmo levar a óbito. Evite consumir plantas que você não tem certeza se são comestíveis. Procure saber, pesquisar, se informar ou entrar em contato com o nosso grupo”, pondera o docente.

Gastronomia

Dá para se fazer muitas coisas com as Plantas Alimentícias Não Convencionais. De suco, pães e bolos, a saladas, sopas , sobremesas e pratos principais.

De acordo com Uerisleda Alencar Moreira, historiadora, chefe de cozinha e integrante da Rede PANC Bahia “ há um universo de alimentos” que podem se fazer com as PANC’s.

“Dá para fazer bastante coisa, de bebida alcóolica até corante. A gente separa a parte e planta comestível e faz a receita. A parte da planta que não é utilizada não é descartada. Pode enfeitar o prato e as suas semementes são plantadas. PANC é isso, versatilidade. Trabalhar com estas plantas te dá uma infinidade de possibilidades fora que, você faz uma variação do cardápio incrível. As pessoas passam a degustar o alimento de maneira diferente. A educação sensorial do paladar muda, não ficamos só no doce ou salgado. Há o amargo e o azedo, estes de maneiras suaves, equilibradas; o agridoce e o picante, às vezes até no mesmo prato. Imagine degustar uma comida saudável, puramente orgânica e ricamente colorida? Isso é fantástico”, diz a chefe de cozinha.

A Chaya (Cnidoscolus aconitifolius) é rica em proteína, ferro, Vitamina A e C. Com as folhas cozidas, se faz sopas, cozidos com carnes, enroladinho de carne e arroz. Esta planta pode facilmente substituir a couve. 

O desconhecimento e a surpresa das pessoas quando se fala em PANC é algo que precisa ser quebrado, segundo a chefe de cozinha .

“Uma vez em uma feira, colocamos uma barraquinha da Rede PANC em frente à barraca de um feirante que vendia o quiabo-de-metro (Trichosanthes cucumerina) , planta que já cultivada há tempos no Sudeste Asiático, uma planta bacana para se preparar (pode ser cozido). As pessoas começaram a perguntar que planta era aquela e eu expliquei sobre este quiabo e falei que o feirante da barraca de trás da nossa já a vendia. Barraca de feirantes existem muitas PANCs, já que o feirante devido ao seu conhecimento já as conhece. Às vezes as pessoas passam por aquela planta e nem têm o interesse de perguntar do que se trata, se aquela planta se come. Quem é acostumado a comprar em feira, sugiro que comece a perguntar sobre aquela hortaliça ou fruta diferente , o feirante vai lhe explicar do que se trata e pode até te dar dicas de receitas.” 

Dentre as variedades de plantas, das quais a reportagem do Leiamais.ba observou, o Caxixe (Lagenaria siceraria (Molina) Stand) chama a atenção. Ele, que contém muitas fibras é encontrado aqui na Bahia, principalmente na região de Irecê.

Seus frutos podem ser consumidos in natura ou preparados de diversas formas em pratos salgados ou doces. A casca é fervida para fazer um chá arroxeado, o qual pode ser tomado com suco de limão. As sementes torradas com sal são dá um excelente petisco.

E dá também para comer um docinho. Que tal um brigadeiro? A aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi) é utilizada para fazer o doce, juntamente com amendoim. As sementes possuem proteínas, lipídios além de diversos minerais. Seus frutos secos podem ser utilizados como condimento para diversos pratos: peixes, carnes, doces em calda e geleias. Esta planta também é muito utilizada para fazer chá.

Há uma miríade de plantas, sabores, alimentos e receitas que dá para ser feito com as Plantas Alimentícias Não Convencionais. Para saber mais sobre o assunto acesse: https://redepancbahia.wixsite.com/redepancbahia ou no site da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária): https://bit.ly/2PasI2v