Em meio a fósseis de milhares de anos e cerâmicas de séculos, a exposição Museu Nacional Vive - Arqueologia do Regate abre as portas hoje (27) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, com um tesouro produzido no ano passado. Trata-se da réplica do Trono de Adandozan, do antigo reino africano de Daomé, produzida por um aluno de 13 anos para um trabalho no Colégio Américo de Oliveira, em Marechal Hermes, na zona norte do Rio.
Foto - Fernando Frazão/Agência Brasil
O trono original foi doado pelo Rei Adandozan a dom João VI, em 1811, e fazia parte do acervo do Museu Nacional desde a sua fundação, há mais de 200 anos. Com o incêndio que consumiu o interior do palácio imperial em 2 de setembro, acredita-se que a peça, que era de madeira, foi destruída.
A qualidade da reprodução feita em papel machê e verniz impressionou e emocionou servidores do Museu Nacional. O trabalho, que seria para complementar pontos na média de Miguel Monteiro Nunes, em história, virou parte do acervo da instituição, o mais antigo museu do país.
"Eu precisava de ponto e quis fazer um bom trabalho sobre o museu para impressionar a professora e conseguir a nota", resumiu Miguel, que recebeu orientação da professora Janaína Braz e ajuda técnica de sua tia Eliana Monteiro, que sabia manusear o papel machê.
O estudante, que mora em Guadalupe, também na zona norte, dedicou cerca de seis horas diárias durante mais de um mês para entregar o trabalho à feira multicultural organizada pela escola, que reproduziu com as contribuições de outros alunos uma visita ao Museu Nacional.
Miguel já tinha o hábito de fazer brinquedos de papelão, mas nunca tinha tentado um projeto tão ousado. O trabalho ocupou a cozinha de sua casa por todo esse tempo e parte dos materiais teve que ficar armazenada na geladeira.
"Ficou uma bagunça, um campo de guerra. Papelão para todo lado, cola quente, jornal acumulado. Todo dia tinha que limpar tudo", contou o estudante, que conhecia a peça original das 11 visitas que já tinha feito ao Museu Nacional com os pais, que cultivaram essa tradição.
Ver o palácio em chamas também deixou o estudante abalado: "Foi um choque. Foi muito triste ver todos aqueles anos de pesquisa, aquilo tudo, os artefatos da nossa história. E todas as lembranças que eu tinha de lá".
Curadora
Coordenadora da curadoria da exposição e do trabalho de resgate nos escombros do museu, a arqueóloga Claudia Carvalho se emociona ao dizer o que sentiu quando viu o trono feito por Miguel. "Se faz sentido você trabalhar em um museu, é por isso. Um menino foi lá e reconstruiu o trono para a gente. Você consegue imaginar uma coisa mais bacana?", afirmou a pesquisadora.
Segundo ela, o trono não é a única doação recebida de escolas. "O trono é o símbolo de vários objetos, uma quantidade infinita de cartinhas e tudo o que a gente pode imaginar de crianças que eram apaixonadas pelo museu. E, quando a gente vê uma criança fazendo isso, a gente percebe que ao menos até aqui a gente trabalhou direito. Não tem como não dizer que ele não é o Trono de Daomé”, disse.
Vice-diretora
Eliana Furtado Cordeiro, vice-diretora do colégio em que Miguel estuda, intermediou a doação do estudante para o Museu Nacional. Ao perceber a qualidade do trabalho, a escola entrou em contato com a equipe educacional do Museu Nacional, que mandou um representante para a exposição montada em novembro do ano passado a partir de trabalhos como o de Miguel.
Réplicas do crânio de Luzia na exposição Museu Nacional Vive - Fernando Frazão/Agência Brasil
"Fizemos com que as famílias dos alunos e a comunidade do entorno pudessem visitar o colégio como se visitassem o museu", lembrou. Eliana considera “fantástico” que o trabalho tenha ido tão longe e comemora que o resultado é fruto de um projeto de longo prazo. "Estamos trabalhando pedagogicamente para que essas crianças possam aspirar novos espaços".
A exposição sobre o Museu Nacional fica de hoje até 29 de abril no segundo andar do CCBB. São 180 peças expostas, sendo 103 que foram resgatadas do palácio após o incêndio. A entrada é gratuita.