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Presente de Natal: crianças com microcefalia ganham casas

31 famílias receberam apartamento através do Minha Casa, Minha Vida

A maior parte das casas tem poucos ornamentos. É uma pequena árvore com pisca-pisca no chão, é uma pelúcia de gorro vermelho para ser pendurada na porta, mas que ainda repousa em um móvel da sala. Os ambientes só não estão mais decorados porque falta tempo. Mas todas elas concordam: as casas são um presente de Natal.

O Conjunto Habitacional Fazenda Suassuna, erguido no bairro da Muribequinha, em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife (RMR), foi entregue na metade de novembro. Entre os beneficiados, estão 31 famílias com crianças com microcefalia.

A falta de tempo é algo comum na vida dessas mães. Toda a atenção é voltada para seus filhos, que precisam de muitos cuidados. A conquista da casa própria vem como um importante suspiro, é um problema a menos para enfrentar.

Na avaliação de Kellyn (lê-se Keulyn) Lima, de 20 anos, o banheiro é tão grande que parece outro quarto. Ela morava em uma casa menor em UR-05, no Ibura, Zona Sul do Recife. É a primeira vez que ela fala para imprensa.

Diz que sua filha mudou seu jeito de ser, inclusive lhe tirando um pouco da timidez. Nunca imaginou ter forças para travar as lutas que travou pelo bem estar de Milena, de três anos. “Aqui é bem melhor. A sala enorme. Dá para meu filho brincar. É espaçoso”, diz a jovem. O filho ao qual ela se refere é o enérgico Miguel, de oito meses, que está o tempo todo circulando pela casa e sorrindo.

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Milene segurava Davi, a segunda criança oficialmente identificada com microcefalia em Pernambuco, durante uma das vezes em que foi agredida pelo ex-companheiro. Decidiu se mudar para a casa da mãe. Ela já havia sido espancada outras vezes, mas o pai de Davi pedia desculpas e prometia mudança.

Além de Davi e Milene, a nova casa abriga seus dois outros filhos, Richard, de seis anos, e Ângelo, cinco, além do seu atual companheiro. Milene também está grávida de oito meses. “Estou muito preocupada. Eu não queria mais ter filho por causa da situação de Davi, que tem que ir para médico, terapia, e também tem as coisas dele para comprar. É complicado ter mais outro filho”, ela comenta.

Com os gastos com aluguel e os filhos, acabava faltando itens importantes na casa. “Eu pagava as coisas que estava devendo e depois pensava em alimentação. Então sempre faltava uma coisinha, inclusive para o Davi”, ela lembra.

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Germany até morava em uma casa maior, mas por isso mesmo o custo de vida estava caro. Ainda que a empresa de logística em que trabalhava tivesse três turnos e de ela ter defendido que conseguiria conciliar o trabalho com a criação da filha, acabou demitida.

O companheiro trabalha sem carteira assinada, para evitar perder o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), de um salário mínimo. A pequena Giovanna, de três anos, é esperta. Fala o tempo todo. Teve o lado cognitivo do cérebro bastante preservado, mas tem sérias restrições motoras.

“Ter essa casa foi a realização de um sonho”, afirma Germany. “Todo mundo sonha ter uma casa própria e sair do aluguel”. A mulher já pensou em ter uma segunda criança, mas tem receio de não conseguir estar presente por causa dos cuidados especiais que Giovanna precisa.

Pessoas melhores

Não há muito no armário de Ketuly Gomes. Poderia ter, se ela não tivesse doado uma das duas cestas básicas que recebeu. “Saio doando tudo, fico com quase nada praticamente”, ela explica. É mãe do pequeno Lucas, de dois anos e 11 meses, e diz que foi o filho quem lhe ensinou a parar de dar importância para coisas pequenas.

Foi durante um banho que Lucas teve a primeira convulsão de muitas que viria a ter. “Eu pensei ‘meu Deus, meu filho vai embora e a gente fica brigando por coisas tão fúteis, tão pequenas’”, recorda Ketuly.

Desde então, a criança teve pneumonia, coqueluche, desidratação, desnutrição, refluxo grave, perdeu a capacidade de comer pela boca. Há cinco meses ele começou a apresentar melhoras. Chegou a ter cerca de 15 convulsões por dia, agora elas estão mais ocasionais.

Ketuly não esconde o cansaço, porém tem se sentido feliz como nunca antes. “Comecei a ter mais empatia. Comecei a entender que tudo nessa vida passa e a gente tem que aproveitar tudo. Não adianta brigar por coisa pequena. Mesmo com a dificuldade toda, não poder sair, não poder ir para um show. Antes eu era egoísta, agora não sou mais”.

Não foi só Ketuly que se sentiu uma pessoa melhor, após o nascimento do filho com a síndrome congênita do vírus Zika. Germany confessa que não se importava com a situação de deficientes, mas que hoje não pode ver um cadeirante precisando de algo que já corre para ajudar. Kellyn se tornou uma mulher mais forte e guerreira, mesmo com apenas 20 anos. Milene era mais raivosa, batia bastante nos filhos mais velhos. “Eu era bem explosiva. Hoje eu só faço mais falar”, resume.

As moradias foram entregues através do Programa Minha Casa, Minha Vida, uma conquista da União de Mães de Anjos (UMA). “A UMA é uma associação que cuida e acolhe mães e familiares de crianças com a síndrome congênita do zika vírus”, explica Germana Soares, uma das fundadoras. A associação tem sede no Recife e nove filiais que vão até o Sertão de Pernambuco. São 409 associados.

“Quando eu tive Guilherme, eu e o pai dele resolvemos se esconder e não contar para ninguém da patologia dele. Quando ele estava com um mês, a gente conheceu Gleise, mãe de Maria Giovanna, e criamos um grupo no WhatsApp com oito mães. Em menos de dois meses havia duzentas”, lembra Germana.

A aceitação é um dos desafios lidados por essas mães. Muitas só descobriram que a criança tinha microcefalia no momento do nascimento. Tendo ouvido ao longo do pré-natal que a criança estava bem, se recusavam a aceitar a síndrome.

Ketuly dizia para si que Lucas não tinha microcefalia, mas as toucas que ficavam folgadas na cabeça dele apontavam o contrário. Em negação, Kellyn passou semanas para procurar ajuda. Germany achou que sua médica estava ‘doida’ quando ela sugeriu que fizessem exames para confirmar a microcefalia.

Após um mês com a possibilidade martelando na cabeça, ela e o companheiro decidiram ir ao hospital. “Giovanna me ensinou a aceitar, aceitar que ela tinha deficiência, que precisaria de uma cadeira de rodas e que não é agora que ela vai andar. Aí ela começou a falar e já foi uma vitória”, destaca Germany.

“Devido à coragem e luta das outras mães foi que eu tive coragem de expor o drama que eu estava vivendo”, relembra Germana.

A UMA foi fundada no dia 22 de dezembro de 2015, na época em que vários casos da síndrome estavam sendo computados. O grupo identificou em um levantamento que em torno de 80% das famílias comprometiam a partir de 40% de sua renda para o aluguel de casa. Atualmente, cerca de 60 famílias vítimas do zika já receberam suas moradias no Estado.