Hilda Hilst tinha 62 anos quando começou a escrever crônicas, semanalmente, para o Correio Popular, a convite de Jary Mércio, editor do recém-criado caderno de cultura do jornal de Campinas.
Ela morava havia 26 anos na Casa do Sol, seu retiro cultural e pessoal, onde recebia amigos, artistas e intelectuais que por vezes chegavam a passar ali grandes temporadas.
Já havia escrito boa parte da sua obra poética, ficcional e teatral, mas se queixava da precária visibilidade de sua obra, então bastante reverenciada na academia e desconhecida do grande público.
O espaço do jornal, portanto, foi talvez a primeira janela que lhe deu acesso mais direto ao grande público, e Hilda a aproveitou para se autodivulgar e escandalizar os leitores, sempre com um humor sarcástico e inteligente:
“Essa modesta articulista que sou eu escreveu textos e poemas belíssimos e compreensíveis, e tão poucos leram ou compraram meus livros... mas agora com essas crônicas... que diferença! Como telefonam indignados para o por isso eufórico editor deste caderno, dizendo que sou nojenta! Obrigada, leitor: por me fazer sentir mais viva e ainda por cima nojenta! Isso é tão mais, tão mais que nada!”
Em 2018, catorze anos depois de sua morte, Hilda Hilst será a Homenageada da FLIP — Feira Literária de Paraty. Terá suas crônicas relançadas pela editora Nova Fronteira no livro 132 crônicas: Cascos & carícias e outros escritos, a reunião mais completa dessa sua produção publicada até hoje, com vinte colunas inéditas em livro.
Material híbrido, em parte comentário do cotidiano e da conturbada vida política da época, em parte excertos da sofisticada poesia da autora, muito de sua transgressão, irreverência e fina ironia, a publicação traz um conjunto de textos ácidos e bem-humorados, mas acima de tudo extremamente lúcidos.
Ademais, seus escritos transcendem a acepção de crônica como o registro do cotidiano imediato, pois a linguagem de Hilda é atemporal; a autora subverte o próprio gênero literário, apresentando ao leitor uma mescla de sua literatura aos fatos do dia a dia ou, mais radicalmente, publicando poemas no lugar de certas crônicas semanais.
Primeiro livro de um autor brasileiro a fazer parte da coleção Clássicos de Ouro, que já conta com nomes internacionais de peso, tais como Simone de Beauvoir, Oscar Wilde, Fiódor Dostoiévski, Virginia Woolf, entre outros, 132 crônicas é introduzido por Ana Chiara, professora de literatura brasileira na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ):
“No céu da boca de Hilda brilha um piercing. Trava, travo linguístico, travo artístico. No chão da Língua, matéria de sua arte, o piercing. Enfrenta o cotidiano, o corpo, a matéria, em todas as suas formas: pus, vômito, urina, sêmen, sangue, lágrimas, leite, cuspe, detritos... O idioma de Hilda não é fácil. Desliza por quatro gêneros: o masculino, o feminino, o neutro e o coletivo. Escreve como se lambesse o chão de pregos, escarifica a Língua: duplos sentidos, formas inacabadas, decomposições. E escárnio extraindo da linguagem, mesmo no curto espaço de publicação e leitura de uma crônica, a potência máxima: a “minha literatura essencial”, como revelou numa entrevista aos Cadernos de Literatura do IMS.”
O livro tem prefácio da cantora e compositora Zélia Duncan, fã de Hilda e também cronista.
"Eu a descobri nos anos 1990, e, depois de conseguir um mísero livro de poesia, foram justamente as crônicas, no canto de um sebo em São Paulo, que me caíram nas mãos e me arrebataram para sempre. As crônicas me sacudiram da primeira vez e agora, complementadas de outras tantas, mesmo as que releio, me sacodem de novo. O que trazem de diferente e único é uma intimidade com a autora. Não que seja fácil chegar perto, pois Hilda revela seu humor cáustico, provocativo, e com a sensação de intimidade vem também certa intimidação. Assuntos ordinários, nas mãos de Hilda, viram tratados e revelações. Mas o elemento mais transgressor de todos na cronista Hilda é o humor."
132 Crônicas: cascos & carícias e outros escritos
Hilda Hilst
Páginas: 336
Preço: R$ 69,90
Editora: Nova Fronteira
Leia uma das crônicas
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