Jolivaldo Freitas

Uma copa lá do além

Imagine o que é estar na frente de um aparelho de rádio, numa época em que a tecnologia engatinhava, os microfones dos locutores tinham menos qualidade que microfone de brinquedo, destes que são fartamente encontrados nas feiras e mercadinhos; os aparelhos radiofônicos emitindo seus sons em Ondas Médias e Curtas com uma chiadeira como se fosse panela de pressão intercalados com frases ininteligíveis e um magote de gente em frente, olhando o dial como se estivesse em frente a uma bola de cristal, tentando ver o que se passava no campo de futebol lá do outro lado do mundo. Bem lá nas lonjuras de uma Suécia ou Chile ou na Inglaterra, terras que só se ouvia falar quando se buscava um livro de geografia.

Suécia onde a Seleção do Brasil jogou a Copa do Mundo de 1958 e foi campeão, o Chile onde o Brasil foi bicampeão e a Inglaterra onde a seleção disputou em 1966 sequer faziam parte do imaginária da absoluta maioria dos brasileiros. Então a imaginação seguia solta e célere e o que se dizia – os mais sabidos, aqueles que queriam demonstrar cultura e conhecimento ou se fazer viajado sem nunca ter saído do Brasil, quiçá da Bahia – é que as moças suecas eram todas loiras, altas, lindas, de olhos azuis, peitões e de cabeça aberta, ou seja, topavam qualquer coisa. O imaginário dos garotos ia mais longe que o continente Europeu e, como não tinha como desmentir, pois ninguém sabia onde ficava a Suécia e como eram mesmo as suecas, valia o que tinha sido tido.

A Inglaterra era um pouco mais conhecida por sua participação na economia do Brasil durante séculos, onde fazia serviços – pelo menos na Bahia – de transporte de trem, de bonde, dos seus bancos e do sistema de correspondência via cabograma e telegrama. Mesmo assim o que se dizia é que a seleção do Brasil iria passar fome, pois os ingleses não sabiam fazer comida e ninguém saberia o que dar para nossos jogadores. Falava-se que o Brasil não passaria porque a Rainha mandara dizer que se a Inglaterra perdesse todos os jogadores e a comissão técnica seriam presos nas masmorras do seu castelo.

Já no Chile, em 1962, o que se ouvia dizer era que as chiuolenas eram mulheres quentes, que gostavam dos brasileiros e qualquer um que lá chegasse iria fazer o maior sucesso e mais uma vez a imaginação dos jovens correu solta, sem rédeas e toda a molecada dio alto dos seus hormônios queria um dia visitar o Chile, de que nada se sabia, nem mesmo nesta cidade do São Salvador da Bahia, onde uma das suas principais ruas é denominada Chile (adianto que se chama assim em homenagem a uma guarnição de marinheiros que aqui esteve no ano de 1902 e que teve direito até a desfile, pois neste tempo o Chile tinha a armada mais poderosa da América Latina).

Mas, voltando-se aos jogos, fique aí pensando o que era nosso time no campo e um locutor a milhares de quilômetros mandando pelas ondas do rádio um jogo em que a frase nunca chegava completa, vindo frigindo, fanha, picotada e com lacunas. Era proibido falar durante o jogo para que se tentasse ouvir o que estava acontecendo em campo. Visualizar o impossível. Menino que falasse levava surra; adulto era colocado para fora da sala. Só as mulheres podiam andar de lado a lado levando salgadinhos, cervejas e refrigerantes. Café.

A tensão era imensa e de vez em quando o rádio ficava mudo, todos prendiam a respiração e a locução voltava como se estivesse vindo de outro planeta. Muitas das vezes o hiato era mais demorado e quando voltava estava lá o speaker - era assim que se chamava, denominava, o locutor – gritando gol. E o coração de todos batendo, em frente ao rádio, uns colando os ouvidos na caixa de madeira para ouvir e melhor, e se levava uma vida para saber de quem foi o gol. Quem estava vencendo. A emoção era bem maior nas copas sem televisão, sem HD e sem VAR. Tinha de ter nervos de aço e ouvido de cão.