Jolivaldo Freitas

Quando tudo pode piorar, piora

Dona Janete olhou pela janela e viu que o Serviço de Meteorologia estava para acertar das raras vezes que acertava, mas não ligou muito pois todo mundo sabe que raio não cai duas vezes no mesmo lugar, pois na chuva passada um raio queimou toda a fiação da casa, tanto que se virou para a filhada e filha de criação Marlene e disse:

- Fia, traga a cesta e tire a roupa do varal que vai cair chuva grossa.

Bastou a menina demorar um pouco para obedecer ao pedido e caiu uma chuva com pingos tão grossos que parecia ia quebrar as telhas de amianto da velha casa de Lobato e em pouco tempo tudo que estava na corda ou quarando virou uma massa mole e mesmo as roupas engomadas ali estavam apenas para tomar um solzinho tiveram de ser colocada de novo sobre a mesa da cozinha. Trabalho perdido. Dona Janete olhou feio para Marinalva e explodiu:

- Vá ser inútil assim na casa da minha comadre! Olha menina, ainda vou te devolver pra sua casa, viu?

E a menina retrucou com jeito que era para não levar um solavanco que dona Janete não era for que se cheire:

- Madrinha, demorei porque tinha de pegar a tulha. Mas não se preocupe que eu enxugo tudo no ferro de passar.

Dona Janete olhou para o teto resignada e disse:

- Não falta acontecer mais nada. E bastou falar que caiu um raio tão forte que veio até junto com o trovão e ela sentiu o corpo sair do chão e viu quando a TV Semp Toshiba começou a esfumaçar e aquele cheiro de fio queimado e ela revoltada gritou:

- Falta acontecer mais o quê Senhor?

Marinalva de dentro de um dos cômodos retrucou: - Às vezes vem coisa pior.

E dona Janete ia abrir a boca para falar e veio mais um estrondo como se algo tivesse rompido e quando se deu conta ficou amarela, as pernas bambas, os olhos esbugalhados e só teve a iniciativa de gritar quase em pânico:

- Marinalva, minha filha, pelo amor de Deus onde você está?

E Marinalva apareceu de dentro do quarto com o ferro de passar roupa na mão:

- Tô aqui madrinha! O ferro queimou!

E a dona Janete a abraçou com força: - Obrigado, Senhor!

A encosta havia desabado com o temporal intenso e o barro, lixo, bananeira, pedaço de muro e o tronco de uma jaqueira pararam certinho onde as roupas estavam quarando, quase batendo na porta do quintal e alçando a cozinha. E Marinalva abriu a boca na hora errada:

- Só falta cair o resto em cima de nós Madrinha!

Recebeu um safanão tão forte que nem teve tempo de sentir dor. “Menina com a boca do Cão”, se queixou dona Janete. E a saíram a tempo de ver o resto do paredão de barro, lama e capim escorrer.

Hoje, Marinalva trabalha na residência de um casal de psicólogos em Itapuã e é ela quem cuida de dona Janete que mora na mesma casa em Lobato, mas onde o perigo de correr terra não tem mais pois há tempos já existe um muro de contenção.

Ano passado a dona da casa onde trabalha, sua patroa, estava se queixando da chegada de uns moradores para a casa vizinha, que não tinham hora para dormir, nem acordar, bagunçavam a rua com lixo, deixavam mato crescer no quintal que atraia ratos e baratas; e tanto pediram ajuda a todos os santos que a família vendeu a casa e se mudou para o interior. Foi um sossego comemorado, até que apareceu um outro comprador. Marinalva disse para a patroa:

- Dona Codes, né possível que esta família seja pior que a outra, né?

E quando a família se instalou o inferno ficou maior. A nova moradora trouxe na bagagem exatos trinta gatos de todas as raças e tamanhos e os gatos miavam noite e dia, além de subir um insuportável cheiro de amônia por causa do mijo dos animais.

- Né possível, né patroa? Às vezes vem coisa pior– Disse Marinalva.

O tempo passou e quando a família já estava pensando em se mudar, vender a casa, se livrar do problema veio a boa notícia. A vizinha colecionadora de felinos anunciou que ia embora para uma casa maior e que já tinha comprador. Esta semana a família viu que começaram as obras de reforma da morada vizinha e levou um susto. Um pastou comprou o imóvel e vai fazer uma igreja evangélica.

Marinalva olhando os pedreiros revolvendo o cimento falou quase com vergonha:

- Quando tudo pode piorar, piora, né patroa?

- Menina com a boca do Cão! – Desabafou a patroa. Marinalva ficou com a sensação de já ter ouvido a frase.