Fico cada vez tenso quando vejo a Bahia perdendo alguns dos seus melhores talentos, vencidos pela morte, como foi o caso, ontem, do passamento da artista plástica Eliana Kertész. Já está difícil fazer com que nossa cultura se mantenha num patamar elevado, neste momento nacional de mediocridade, em que uma palavra mal dita no whatszap vale mais que um quadro de ponta na parede, uma frase bendita num palco. Um acorde.
Eliana tinha um trabalho singular e seu nome estava ligado à cidade de tal forma que muitos não sabem o nome daquela rua que corta o bairro de Ondina, que se chama oficialmente Ademar de Barros (que foi governador de São Paulo), mas todo mundo diz ou a rua que vai dar no zoológico ou a rua das gordinhas de Eliana Kertész. Esta referência serve até para pegar Uber. Nem precisa GPS.
Nem vou falar que além de artista plástica Eliana foi m sua atuação política a vereadora mais votada em Salvador, via PMDB, nos idos de 1982. Mas sua arte fala mais forte. Uma obra em que indo na contramão dos modismos, incorporou à paisagem urbana mulheres taludas e fortes e belas. Todas gostosas, sensuais com aquele jeitinho e gestual da timidez. Aquele movimento pleno de ousadia. Mulheres múltiplas como a artista que compôs cada personagem.
Mulheres diferentes, obra diferente, diferente como um Rembrandt. Como as personagens gostosonas, voluptuosas do imaginário de Jorge Amado – e bem que ela poderia, se não fosse o lapso de tempo – ser considerada do grupo daqueles artistas amadianos, que compuseram o que hoje se chama de baianidade. Nagô ou não.
O trabalho de Eliana Kèrtesz tem sentimento, intensidade, emoção, luz e afeto. Foi das mais importantes artistas plásticas da atualidade. Uma escultora inventiva de influência renascentista, coisa que ela diluía e transformava, criando um novo estilo em barro, bronze, fibras e resinas. Eliana Kértesz: acorde sonante e dissonante.