Jolivaldo Freitas

A guerra das cervejas

O autor é jornalista

A prefeitura criou uma zona de exclusão, como somente se viu durante a Guerra do Golfo. A partir de certo ponto, tendo os circuitos do carnaval como o marco zero, não se podia vender nenhuma cerveja que não fosse aquela que não é a de Verão, aquele mulherão, que anuncia mostrando seus peitões, como se a cevada saísse dali e o seu traseirão, que aquece o coração, deixa a boca seca e para falta de salivação somente tomando uma cerveja. E no carnaval só podia ser de uma marca.

Mesmo os supermercados – empresas privadas com seus direitos comerciais adquiridos – não podiam vender outra marca de cerveja. Somente a cerveja que não era a de Verão, o mulherão do comercial, ex-dancarina do Faustão. E foi aí que os ambulantes, aqueles que não sabiam porque nem todo mundo tem acesso à informação – claro que também tem uns sabidos que fazem ouvido de mercador – apareceram até com certo grau de inocência nas beiradas dos circuitos e se deram mal.

Uma senhora de uns 75 anos de idade estava desconsolada no Campo Grande. Os fiscais deram safanões e levaram tudo, até uma sacola que tinha um lençol. Ela veio de Santa Bárbara, lá para as bandas do Nordeste da Bahia, perto de Serrinha. Pegou dinheiro emprestado com um compadre e veio arriscar vender cerveja no circuito de Salvador. Não foi orientada e entrou de gaiata no embalo do trio. Vendia a cerveja errada no lugar errado e amargava o prejuízo. Foi-lhe dito que depois do carnaval podia ir buscar suas cervejas, apresentando a nota fiscal.

Ela nem atentara que tinha de pedir nota fiscal. E mesmo se tivesse – disse – passado o carnaval onde ia vender as cervejas? Um engraçadinho com roupa de fiscal de prefeitura, talvez por pieguice ou piedade disse:

- Só bebendo tudo para esquecer.

Foi então que Salvador viveu pela primeira vez, e até que demorou pois já era para ter acontecido há mais tempo, outros carnavais, a inusitada Guerra das Cervejas (diferente da antiga guerra das cervejarias, do tempo em que a Ambev ainda não dominava o mercado) e os ambulantes foram ao circuito do Farol da Barra demonstrar sua insatisfação. Foram defender suas cervejas de marcas diferentes e se o comandante do batalhão da PM que foi apaziguar não tivesse calma, iriam ganhar era Fanta. No lombo. Aí seria demais também. Perder a bebida e o dinheiro e ganhar chute nos eggs, dedada, telefone e butinaço ninguém merece. Este ano a cerveja ferveu.

Já a Sucom está cheia de moral com os idosos, coxos, cegos, manetas, pernetas e até os surdos da Ladeira da Barra, Graça e Vitória. Desta vez – mesmo com alguns músicos escrotos não dando bola – conseguiu fazer com que os trios (às dezenas que ficam estacionados para saírem em direção aos circuitos) não passassem o som, não equalizassem e nem batessem seus infernais tantãs. Ano que vem os moradores sugerem: além da Sucom colocar monitores ou pedir ajuda ao pessoal da Saltur, colocar uma placa bem visível dizendo que não é permitida passagem de som. Ou a prefeitura pode fazer melhor, segundo os moradores: picar a mula para longe. Deixar os trios lá na casa do Satanás. Na casa do cacete. Mas os idosos estão satisfeitos. Passaram o carnaval engolindo fumaça de óleo diesel, ouviram o ronco dos motores e geradores mas não ensurdeceram e nem tiveram atraque de nervos. Imagine o que eram 20, 30 ou mais trios passando o som ao mesmo tempo. Cada guitarrista achando que é Jimmy Hendrix e cada percursionista incorporando Naná Vasconcelos. Ah! Valei-me Quarta de Cinzas.